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Reprodução

Balanço energético negativo e eficiência reprodutiva de vacas leiteiras

Balanço energético negativo e eficiência reprodutiva de vacas leiteiras

Texto: Álan M. Borges, Telma M. Martins, Clarice S. Muniz, Dimitre M. Peixoto, Ana Carolina Leite

Apesar das grandes mudanças que ocorreram no manejo de bovinos leiteiros no que se refere à alimentação, controle de doenças infecciosas, métodos para detecção de cio, monitoramento e controle do ciclo estral, a fertilidade, indicada pela taxa de concepção, aparentemente reduziu ao longo dos últimos 40 anos. A diminuição da taxa de concepção esteve acompanhada por um aumento significativo da produção de leite média anual por vaca o que, para muitos pesquisadores, é indicativo de que a seleção genética para aumento na produção de leite, durante o início da lactação, leva ao menor desempenho reprodutivo à custa da prioridade de outras funções metabólicas. Todavia, estudos mais recentes indicam que a produção de leite, por si só, não estaria implicada na redução da fertilidade, mas que outros fatores associados à lactação poderiam ser os responsáveis pela menor eficiência reprodutiva dos animais neste período. O ponto central que deve ser considerado é que, em vacas leiteiras, a gestação deve ser estabelecida enquando os animais ainda estão em lactação e, como o início da lactação está relacionado com um balanço energético negativo, pode-se dizer que a redução no desempenho reprodutivo está associada com a profundidade e com o tempo para atingir o balanço energético negativo máximo, que estão diretamente relacionados com a nutrição e consumo de alimentos. Diante disso, o objetivo deste artigo é descrever alguns fatores relacionados à interação entre nutrição e reprodução de bovinos leiteiros.

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Considerações sobre os fatores relacionadas com a redução da fertilidade de vacas leiteiras

O intervalo de partos nos USA era, em média, de 13,5 meses até meados dos anos 1980, e aumentou para mais de 14,5 meses atualmente. Estas alterações são correlacionadas com diminuição da fertilidade em vacas leiteiras. Ainda nos USA, a taxa de concepção ao primeiro serviço reduziu de aproximadamente 65% em 1951 para 40% atualmente, e o mesmo tem sido verificado na Europa, Reino Unido, Austrália e, provavelmente, em outras regiões.

A maior parte das discussões sobre a redução no desempenho reprodutivo em gado leiteiro está centrada nos efeitos da produção de leite. Certamente, há uma longa história de associação entre maior produção de leite com a menor capacidade reprodutiva em bovinos leiteiros e, com base nas análises de grandes conjuntos de dados americanos, muitos pesquisadores já demonstraram a relação antagônica entre estes dois parâmetros.

No entanto, estudos mais recentes revelam que esta relação é relativamente pequena, quando comparada com os efeitos de outros fatores associados, tais como metrite, mastite, cetose, distocias, partos gemelares e cistos ovarianos, além dos aspectos nutricionais, de manejo e tecnológicos do sistema de produção. Logo, deve-se levar em consideração que a moderna seleção genética para aumento de produção, não pode ser considerada como a única causadora da menor performance reprodutiva.

Do ponto de vista fisiológico, é complicado imaginar que se esteja selecionando para maiores produções de leite e, consequentemente também, para a maior susceptibilidade das vacas aos estresses das mais diferentes naturezas. Estresse é causa da baixa produção animal e não o resultado da elevada produção de leite. Assim, a linha moderna de raciocínio de vários estudiosos ao redor do mundo é que a produção de leite não é um fator determinante se vacas irão ou não conceber. Os estudos epidemiológicos sugerem que doenças puerperais de bovinos leiteiros têm efeito muito maior sobre a reprodução do que o nível de produção de leite em si.

Avaliação de dados de rebanhos americanos sugerem efeitos mínimos da produção de leite sobre a reprodução, sendo que alguns estudos demonstram que rebanhos de maior produção leiteira também podem ter bom desempenho reprodutivo. Nestes casos, esta melhor performance é o reflexo da melhoria do nível de gestão que inclui melhor nutrição, maior conforto e higiene do animal e do ambiente. Como resultado final, nestes casos, os rebanhos de alta produção, com vacas mais saudáveis, também têm menores problemas reprodutivos, como pode ser verificado na Tabela 1.

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Também deve ser considerado que, embora tenha sido verificada redução mundial na fertilidade das vacas leiteiras, os fatores que levam à menor performance reprodutiva podem ser diferentes entre os diferentes sistemas de produção dos diferentes países. Os seguintes fatores têm sido relacionados: o aumento no número de vacas no rebanho, que dificulta a atenção individual com relação à saúde e a detecção de cio; a adoção de genética norte-americana em outros rebanhos mundiais, que também pode desempenhar papel na queda da eficiência reprodutiva, pois leva à produção de vacas com elevado nível de partição de nutrientes e de mobilização do tecido adiposo durante o início da lactação como resultante das modificações hormonais e metabólicas (Tabela 2); também as vacas com genética norte-americanas têm menores taxas de sobrevivência no rebanho quando comparadas com suas contemporâneas de rebanho com ascendência da Nova Zelândia porque elas não conseguem emprenhar ou manter intervalo de partos de 365 dias; dentre outros.

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Entretanto, a questão essencial que deve ser abordada é se as vacas de alta produção leiteira são inerentemente menos férteis. É evidente que vacas leiteiras de maior tamanho e maior produção têm maiores necessidades de nutrientes para a manutenção e lactação. Desta forma, sua subfertilidade pode simplesmente ser causada pelo inadequado consumo de energia, quando o sistema de produção não provê dietas em quantidade e qualidade suficientes para atender às demandas dos animais.

Em vacas leiteiras é difícil interpretar os efeitos específicos da nutrição sobre a reprodução por causa do seu confundimento com o nível de produção de leite. Nas três últimas semanas de gestação o feto cresce rapidamente e inicia-se a produção de colostro, aumentando a demanda de nutrientes. Contudo, estas exigências não são supridas, visto que o consumo de matéria seca é reduzido drasticamente (Figura 1).

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No início da lactação, o pico de produção de leite ocorre algumas semanas antes da ingestão máxima de matéria seca (MS; Figura 2), consumo este que não é suficiente para manter as exigências para produção de leite.

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A falta de ajuste contemporâneo entre consumo de matéria seca e produção de leite faz com que as vacas não mantenham balanço energético positivo durante o início da lactação. Desta forma, quando a demanda energética é maior que a oferta resultante da ingestão de nutrientes, uma fonte alternativa é acionada para a manutenção dos requisitos do animal. Nestas circunstâncias, no caso dos bovinos, intensifica-se a mobilização de reservas corporais, que já foi iniciada antes do parto, o que caracteriza o balanço energético negativo (BEN).

Desta forma, a subfertilidade em vacas leiteiras de alta produção é secundária ao balanço energético negativo causado pela alta energia mobilizada na produção de leite durante a lactação e o baixo consumo de alimento. Neste raciocínio, a seleção genética para maior produção de leite não modificou por si só a fertilidade das vacas. Isto pode ser confirmado por diferentes estudos que demonstram que a reprodução em novilhas não mudou durante o mesmo período em que se verificou a diminuição da fertilidade em vacas em lactação. Resta a pergunta: por que a mesma novilha cujos índices de fertilidades são considerados bons, apresenta queda de fertilidade quando inicia a produção de leite? O genótipo não mudou, mas a eficiência reprodutiva caiu drasticamente.

As vacas em início de lactação irão mobilizar reservas corporais, principalmente as do tecido adiposo, mas também as dos tecidos musculares e de glicogênio, sendo estas reservas muito limitadas. A grande mobilização de triglicerídeos do tecido adiposo, durante e após o parto, é o fenômeno característico do período de transição. Assim, a taxa de lipólise sobrepassa a de lipogênese, disponibilizando maior quantidade de ácidos graxos não esterificados (AGNE ou livres). A concentração plasmática de AGNE começa a aumentar na última semana de gestação, podendo estes serem utilizados pela glândula mamária, fígado e outros órgãos. No fígado, os AGNE podem ser completamente oxidados para produção de energia, produção de corpos cetônicos, esterificados com o glicerol, ou então, serem armazenados e exportados como triglicerídeos. O fígado dos ruminantes possui capacidade limitada para exportar triglicerídeos, de modo que a maior mobilização em relação à baixa exportação leva ao acúmulo hepático de gordura, que está relacionado com a menor fertilidade das vacas leiterias.

De acordo com um trabalho de pesquisa, vacas que perderam menos de 0,5 unidade de escore corporal durante os primeiros 30 dias pós-parto levaram, em média, 30 dias do parto à primeira ovulação; vacas perdendo de 0,5 a 1,0 unidade levaram 36 dias, e vacas perdendo mais de 1,0 unidade de escore corporal levaram 50 dias para ovularem. Outro estudo, com mais de 2000 vacas de alta produção, encontrou efeito significativo das mudanças no escore corporal sobre a taxa de concepção à primeira cobertura: vacas que ganharam condição durante as 12 primeiras semanas de lactação tiveram taxa de concepção de 67%, vacas perdendo de 0,5 a 1,0 unidade de escore tiveram 55% de concepção e vacas que perderam mais de 1,0 unidade tiveram concepção de 47%.

O BEN ocorre, principalmente, no início da lactação e acomete cerca de 80% das vacas leiteiras. Dependendo da intensidade de mobilização das reservas corporais de energia, particularmente na que ocorre de forma mais rápida, verifica-se comprometimento da lactação, da fertilidade e da saúde do animal, sendo importante indicador da eficiência de manejo do rebanho. O BEN pode comprometer a função reprodutiva, atrasando a primeira ovulação pós-parto por meio de alterações no perfil metabólico e hormonal, que incluem o hormônio de crescimento (somatotropina), a insulina, o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), a glicose, a leptina e os AGNE (Figura 3). Quanto mais negativo este balanço, maior será a perda de escore corporal nas primeiras semanas de lactação, maior o intervalo parto-primeiro cio e menor a fertilidade à primeira cobertura ou inseminação artificial.

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De toda esta perspectiva hormonal e metabólica relacionada à menor fertilidade, vários autores têm estudado como estas alterações podem comprometer a atividade reprodutiva de bovinos. O BEN tem grande associação com a freqüência de pulsos de LH e com os baixos níveis de glicose, insulina e IGF-I. Em conjunto, estes fatores limitam a produção de estrógeno pelo folículo ovulatório, diminuem a qualidade dos ovócitos e a capacidade de desenvolvimento embrionário, além de reduzirem a concentração plasmática de progesterona.

Atualmente, estudos começaram a focar o micro-ambiente folicular e a qualidade do ovócito e dos embriões, que são, fisiologicamente falando, mais intimamente ligados com a taxa de concepção e a fertilidade. A partir de um modelo proposto em 1992, um pesquisador tenta explicar a menor taxa de concepção de vacas leiteiras de alta produção. Segundo o autor, o BEN afeta a qualidade dos folículos e reduz a taxa de concepção. A menor qualidade dos ovócitos e dos embriões é resultante de folículos que se desenvolveram expostos às condições adversas (foliculogêse de 60 dias), bem como do comprometimento da produção de progesterona pelo corpo lúteo, resultante do folículo ovulatório (Figura 4).

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Estudos recentes têm confirmado que o “ovócito e os embriões de vacas leiteiras de alta produção estão, provavelmente, em perigo”. Um grupo de pesquisadores demonstrou que os embriões de vacas secas e novilhas são de melhor qualidade que o de vacas em lactação, o que pode justificar, pelo menos em parte, a menor fertilidade, as menores taxas de concepção e a alta mortalidade embrionária precoce de animais lactantes. Assim, a baixa qualidade dos ovócitos e o comprometimento ao desenvolvimento embrionário podem ser resultantes da modificação do ambiente e do desenvolvimento folicular, bem como da tuba e útero.

Esses estudos sugerem que o ovócito e as células da granulosa dos folículos de vacas leiteiras crescem e maturam em um ambiente bioquímico que se modifica dos folículos menores para os maiores. Existem correlações significativas entre o perfil plasmático e folicular dos metabólitos como glicose, ácidos graxos livres, β-OHB, dentre outros. As modificações metabólicas alteram a composição do fluido folicular e, por isso, afetam a qualidade tanto do ovócito quanto das células da granulosa.

Os ovócitos e embriões são altamente sujeitos aos distúrbios metabólicos e dietéticos que comprometem seu micro-ambiente e, como tal, reduzem a fertilidade. Os estudos sobre o micro-ambiente folicular e do ovócito, bem como a qualidade de ovócitos e embriões de vacas leiteiras de alta produção, ainda são bastante limitados. Ao que tudo indica, as variações metabólicas sistêmicas (glicose, uréia, AGNE, beta-hidroxibutirato) podem modificar a composição do fluido folicular e, a partir disso, ter impacto sobre o metabolismo e a capacidade de desenvolvimento do ovócito. No início da lactação, durante o BEN, as reservas corporais de energia são mobilizadas e ocorrem modificações metabólicas que alteram a composição do fluido folicular, tais como elevação da concentração de beta-hidroxibutirato, uréia, AGNE e colesterol total, e menor de glicose (Figura 5). O aumento do conteúdo intrafolicular de AGNE é tóxico para vários tipos celulares, incluindo as células da granulosa, célula de extrema importância na esteroidogênese e controle dos processos reprodutivos, mas agem também diretamente sobre o complexo do cummulus oophorus e sobre a competência do ovócito, reduzindo a fertilidade.

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Esses estudos vão de encontro com a hipótese de outro pesquisador, na qual os folículos que crescem durante o período de BEN pós-parto podem ser afetados por mudanças metabólicas desfavoráveis e, por isso, terem ovócitos com pouca capacidade de gerarem embriões viáveis. Provavelmente, os folículos em estágios iniciais de desenvolvimento podem estar submetidos a barreiras menos eficientes de proteção contra as variações metabólicas sistêmicas, ou então não possuírem mecanismos de proteção durante esta fase. Diante disso, os folículos mais sensíveis, após crescerem e maturarem durante várias semanas neste ambiente desfavorável, podem conter ovócitos de pior qualidade, que serão liberados para serem fecundados e, por isso, resultar em baixa taxa de fertilidade.

Outro fator comprometedor da eficiência reprodutiva é a qualidade dos embriões. Aqueles originados de vacas leiteiras de alta produção normalmente contêm 45% a mais de lipídeos que os de vacas secas, e este maior conteúdo lipídico está diretamente associado à alta sensibilidade embrionária ao estresse oxidativo, menor função mitocondrial, e menor qualidade e capacidade de sobreviver após congelamento. Complementando, devem-se considerar as possíveis interferências que podem ocorrer na tuba e útero, e que também contribuem para o baixo desempenho reprodutivo de vacas leiteiras de alta produção, comprometendo a sobrevivência embrionária.

 

Considerações finais

Vacas selecionadas para alta produção de leite têm partição de nutrientes direcionada à glândula mamária. Essa partição de nutrientes leva as vacas a mobilizarem reservas corporais, principalmente de tecido adiposo, reduzindo a fertilidade. A baixa ingestão de nutrientes e as reservas corporais inadequadas durante o início da lactação são os principais fatores que afetam a reprodução e o desempenho produtivo e reprodutivo de vacas leiteiras, já que levam à maior mobilização de tecidos de reserva. Vacas com mais alto mérito genético para leite são mais propensas a terem balanço energético negativo mais pronunciado e mais prolongado durante a lactação. O BEN é indesejável, pois reduz o desempenho reprodutivo, por meio do aumento do intervalo para a primeira ovulação, além de aumentar a susceptibilidade às doenças. Pela perspectiva científica, para um futuro imediato, deve-se buscar abordagens gerenciais mais intensivas quanto ao estudo da fisiologia e biologia reprodutiva das vacas. Essa gestão deverá incluir manejo nutricional adequado, correção no escore corporal ao parto, estímulo ao aumento do consumo de alimentos, melhor sistema de detecção de estros e utilização do controle reprodutivo com hormônios, dentre outros.

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