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Reprodução

Biotecnias reprodutivas: faça a escolha certa

Biotecnias reprodutivas: faça a escolha certa

Texto: Ana Carolina Leite, João Gabriel Viana de Grázia, Natália Vieira Sollecito, Virgílio Barbosa de Andrade, Telma da Mata Martins, Álan Maia Borges

 Em rebanhos leiteiros, a adoção de biotecnias reprodutivas possibilita o cruzamento e a seleção de animais geneticamente superiores, visando aumentar a produção de leite e garantir a transmissão de características morfológicas e funcionais desejáveis. Na segunda parte deste artigo, serão apresentadas as principais vantagens e dificuldades da produção in vitro de embriões (PIVE), transgenia e clonagem, assim como as consequências do uso inadequado dessas biotecnias.

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Conforme descrito na primeira parte deste artigo, publicada na Edição 82 da Revista Leite Integral (Critérios para escolha de biotecnias reprodutivas – Parte I), as biotecnias reprodutivas foram desenvolvidas para potencializar o aproveitamento do material genético de animais com melhor desempenho produtivo. Em rebanhos leiteiros, a adoção destas técnicas possibilita o cruzamento e a seleção de animais geneticamente superiores, visando aumentar a produção de leite e garantir a transmissão de características morfológicas e funcionais desejáveis para a geração seguinte.

No artigo anterior foram abordadas as principais vantagens e dificuldades na implantação da inseminação artificial convencional (IA) e artificial em tempo fixo (IATF), e da transferência de embriões (TE), destacando as consequências do uso inadequado. Agora, serão apresentados os mesmo aspectos relacionados à produção in vitro de embriões (PIVE), transgenia e clonagem.

 

Produção in vitro de embriões

Apesar de ter sido desenvolvida mais recentemente, a técnica de PIVE já está disponível para rebanhos comerciais e é bastante utilizada pelos sistemas de produção de leite do Brasil. O aumento da demanda por genética superior, a baixa disponibilidade de animais selecionados para produção de leite e a limitada capacidade de multiplicação dos mesmos por meio das outras biotecnias, são os principais fatores responsáveis pela disseminação da PIVE no Brasil.

A PIVE possibilita maior pressão de seleção animal por meio da realização de coletas de oócitos seriadas (intervalos de 7 a 15 dias) de fêmeas doadoras de alto padrão, sem causar prejuízos no recrutamento de novas ondas de crescimento folicular e sem comprometer a fertilidade destes animais. Essa biotecnia é reconhecida pelo grande potencial de obtenção de progênies. Por meio da monta natural, uma fêmea é capaz de produzir apenas um bezerro por ano. Por meio da TE, é possível obter em torno de 12 bezerros por ano. Já na PIVE, 40 a 50 produtos provenientes de uma única fêmea doadora de oócitos podem ser obtidos por ano.

A adoção da PIVE foi alavancada pela grande variabilidade na resposta aos tratamentos superovulatórios, necessários para o sucesso da TE. A PIVE não requer tratamento hormonal, portanto fêmeas que não respondem bem à superovulação podem ser utilizadas como doadoras. A PIVE possibilita a obtenção de descendentes de fêmeas de reconhecido mérito genético pré-púberes, gestantes, senis, post-mortem (logo após a morte natural ou abate do animal) ou que estão impossibilitadas de conceber e levar uma gestação a termo devido a patologias adquiridas (não hereditárias), como nos casos de aderências do aparelho genital, fibroses resultantes de distocias e obstruções de tuba uterina. Outra vantagem da técnica é a otimização da dose de sêmen sexado, utilizado para a fecundação de grande número de oócitos.

De acordo com o último levantamento estatístico realizado pela Sociedade Brasileira de Tecnologia de Embriões (SBTE), em 2013 foram produzidos 416.970 embriões bovinos. Verifica-se intensa retração da PIVE no gado de corte e grande expansão da técnica em raças leiteiras, devido à maior disponibilidade de sêmen sexado e adoção dessa ferramenta como estratégia de produção de fêmeas mestiças de alta produção. A produção de embriões Girolando representa 79,8% do total de embriões de raças leiteiras. Como resultado desta inversão de mercado, ocorreu uma redução nos custos de produção de embriões. A preparação e manutenção das receptoras passou a representar o principal ônus no custo total do processo, sendo mais vantajoso gerar um excedente de embriões para garantir o aproveitamento máximo das receptoras disponíveis. O Gráfico 1 faz um paralelo entre a adoção da PIVE e da TE no Brasil entre 1995 e 2010, e o quanto as duas biotecnias contribuem para a produção total de embriões. 

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O cenário atual da PIVE tem favorecido o acesso dos produtores a esta biotecnia, devido à maior disponibilidade de profissionais qualificados, ao aumento do número de laboratórios, e à maior oferta de animais geneticamente superiores, decorrente do próprio potencial multiplicador da PIVE. Entretanto, o investimento inicial para adoção desta biotecnia é mais elevado em relação às outras técnicas disponíveis comercialmente, por isso é necessário avaliar a real necessidade de adoção da PIVE numa determinada propriedade de acordo com a capacidade de investimento do produtor e a relação custo/benefício desse investimento. Adicionalmente ao que foi abordado para a técnica de TE, o sucesso da incorporação da PIVE em propriedades leiteiras depende de algumas exigências, como a seleção criteriosa de doadoras e receptoras (Figura 1), como especificado a seguir.

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1) Seleção de fêmeas doadoras de oócitos: a viabilidade dos programas de PIVE está diretamente relacionada com a seleção da base genética materna do material que será multiplicado. As doadoras de oócitos devem ser submetidas a exames clínico e ginecológico completos, devendo apresentar trato genital íntegro, livre de vaginites e infecções uterinas. A doadora não deve apresentar qualquer anomalia de caráter genético e transmissível à progênie, como a hipoplasia ovariana, doenças genéticas e características zootécnicas indesejáveis.

A PIVE não deve ser alternativa para aqueles animais que por problemas reprodutivos não produziram o número esperado de descendentes. Pelo contrário, o levantamento do histórico reprodutivo é essencial para selecionar uma doadora. Um critério de seleção importante é se a futura doadora está ciclando em intervalos regulares ou não. Não é indicado escolher doadoras que apresentam subfertilidade em programas de PIVE, pois muitos problemas reprodutivos podem ser transmitidos para as próximas gerações.

Recomenda-se a avaliação da condição corporal como método de monitoramento da nutrição das doadoras. O plano nutricional está diretamente relacionado com a saúde dos folículos. Um dos problemas mais comuns são as desordens metabólicas resultantes da alta ingestão de alimentos, que levam a alterações nas concentrações de hormônios circulantes e comprometem a saúde folicular e a maturação dos oócitos, interferindo no desenvolvimento embrionário inicial e na implantação dos embriões posteriormente. 

As doadoras também deverão ser livres de doenças infectocontagiosas relacionadas com a reprodução. As medidas preventivas são: vacinação anual contra IBR e BVD, vacinação semestral contra leptospirose, e controle da brucelose e tuberculose de acordo com as recomendações do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose do Ministério da Agricultura.

Atualmente, a obtenção de oócitos é realizada principalmente pela aspiração folicular guiada por ultrassom. Como o procedimento é invasivo, deve ser realizado com cuidado para evitar danos ao sistema genital da fêmea. Em um trabalho de pesquisa realizado por Viana (2003), observou-se que as principais lesões no trato reprodutivo de fêmeas doadoras de oócitos são: hemorragias no fundo de saco vaginal, abcessos na cavidade pélvica/abdominal, aderências de ovário, proliferação de tecido conjuntivo fibroso no ovário, alteração da ciclicidade, aborto nos casos de aspiração no terço inicial da gestação, diminuição da vida reprodutiva e complicações como a peritonite. Na Figura 2 estão ilustradas as principais lesões encontradas em doadoras de oócitos. 

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Um dos fatores de risco para aquisição das patologias ilustradas é o intervalo de aspirações. Apesar da PIVE possibilitar uma alta frequência de aspirações para obtenção de oócitos, intervalos curtos (de dois a três dias) devem ser evitados. A frequência ideal é uma seção de aspiração a cada sete ou 15 dias. Intervalos de dois dias resultam em menor número de folículos recuperados, enquanto intervalos de quatro a cinco dias possibilitam aumento no diâmetro dos folículos e na qualidade dos oócitos recuperados.

Além dos fatores já citados como o mal uso de protocolos hormonais, a alta frequência de aspirações e as contaminações devido a falta de higienização do material utilizado, a aspiração pode proporcionar traumas intrínsecos à perfuração do ovário pela agulha de punção. Esses traumas podem ocorrer após movimentação abrupta da doadora durante o procedimento devido à contenção inadequada ou inabilidade do técnico. Como resultado, pode ocorrer a transfixação do ovário ou a perfuração acidental de órgãos e estruturas adjacentes, como as tubas uterinas, vasos sanguíneos e alças intestinais. Os traumas intrínsecos à aspiração folicular podem ser minimizados pela escolha correta da agulha de punção e pela experiência do veterinário.

Um procedimento de manejo importante, que evita contaminações durante a aspiração folicular, é a higienização da região perineal e a proteção da guia e do transdutor vaginal contra contaminantes ambientais.

 

2) Seleção de receptoras de embriões: a escolha de receptoras saudáveis, resistentes a temperaturas ambientais elevadas e que não apresentem problemas reprodutivos é um passo muito importante para a obtenção de melhores índices de gestação após a TE. A disponibilidade de fêmeas receptoras aptas à sincronização e transferência de embriões tem sido o principal ponto crítico para os programas de PIVE atualmente. A aquisição e manutenção desses animais é a etapa mais cara do processo como um todo, incluindo custos com alimentação, controle sanitário e sincronização do cio.

A categoria animal escolhida para gestar os embriões PIV está diretamente relacionada com a eficiência reprodutiva da TE. Para esse procedimento, são preferíveis as novilhas, que devem apresentar atividade cíclica regular, desenvolvimento corporal compatível com a idade cronológica e trato reprodutivo desenvolvido. Vacas primíparas ou pluríparas com boa condição corporal podem ser utilizadas como receptoras a partir de 60 dias após o parto, sem histórico de complicações puerperais.

Outros aspectos que deverão ser controlados é a compatibilidade entre o porte da receptora e a raça do embrião a ser transferido, a habilidade de produzir leite e alimentar a cria, a rusticidade representada pela boa pigmentação da pele e capacidade termorreguladora, o desenvolvimento muscular adequado e a boa conversão alimentar.

A nutrição é um ponto fundamental no manejo de receptoras e reflete diretamente no seu desempenho reprodutivo. A ingestão insuficiente de alimentos, sal mineral e água está relacionada com baixos índices reprodutivos. Para novilhas mestiças ou de corte utilizadas como receptoras, uma boa condição corporal deverá ser mantida desde o início da puberdade até o momento do parto, pois a viabilidade do bezerro e a produção de leite dependem diretamente da condição corporal da receptora.

Em relação ao manejo sanitário das receptoras, recomenda-se evitar a aplicação de medicamentos nos primeiros 60 dias de gestação, pois essa é a fase mais susceptível para ocorrência de perdas embrionárias. Assim como realizado para doadoras, a propriedade deverá apresentar um calendário sanitário para controle de doenças infecciosas que afetam a reprodução, endo e ectoparasitas.

A taxa de gestação resultante da transferência de embriões PIV depende de fatores relacionados ao embrião, à receptora, ao método e local de transferência ou da interação entre esses fatores. Falhas no reconhecimento materno da gestação têm sido apontadas como as principais responsáveis pelas perdas embrionárias. Verifica-se uma diminuição dos índices de mortalidade embrionária e fetal nos últimos anos. Inicialmente os trabalhos de pesquisa relatavam perdas de aproximadamente 20%, enquanto atualmente a taxa de mortalidade média varia de 7 a 12%. A maioria dos trabalhos sugere que as perdas de gestação estão relacionadas principalmente com o tempo de cultivo in vitro e o estádio de desenvolvimento do embrião no dia da inovulação.

Complicações em receptoras de embriões podem ocorrer em decorrência dos protocolos de indução de partos. Nesses casos, as principais ocorrências são distocias, retenção de placenta, lesões adquiridas no trato genital, como o prolapso uterino, e o comprometimento da viabilidade da cria (aumento da taxa de natimortos).

 

3) Criação das bezerras: um dos principais gargalos para que os produtos oriundos da PIVE sejam incorporados ao sistema de produção é o manejo e criação das bezerras. Além da compatibilidade entre o porte da receptora e o tamanho do feto próximo à parição, o prolongamento do parto também deve ser monitorado. Considerando que os dois fatores estão interligados, já que o atraso na parição resulta em maior crescimento fetal e nascimento de bezerros maiores, as anotações de filiação ou genealogia do embrião, data da transferência dos embriões e diagnóstico de gestação são de extrema importância, a fim de realizar uma escrituração zootécnica criteriosa, que possibilita obter informações precisas da previsão de parto. Dessa forma, é possível evitar o nascimento de bezerros muito grandes.

O piquete maternidade deve ser continuamente monitorado, principalmente próximo à previsão de parto das fêmeas receptoras, para que, caso necessário, seja realizada a assistência ao parto. Uma complicação muito comum em gestações de embriões produzidos in vitro é a anóxia ou falta de ar, pré-parto ou tardia, característica de sofrimento fetal. A anóxia tardia pode levar à morte cerebral em três a cinco minutos pós-parto. O tratador deverá ser treinado para proceder aos cuidados com o bezerro neonato e auxiliar no parto. A assistência veterinária no monitoramento das parições também é essencial para evitar complicações.

Outro aspecto importante é a desinfecção do umbigo após o nascimento, que geralmente está relacionada com o bom desenvolvimento inicial e diminuição da mortalidade neonatal. As patologias de umbigo representam uma das maiores preocupações com bezerros oriundos ou não da PIVE, tendo como principais causas: fatores ambientais, higiênico-sanitários, traumáticos e congênitos. As onfalopatias podem provocar desde processos inflamatórios e infecciosos na estrutura do umbigo até septicemias. Os problemas umbilicais causam elevadas perdas econômicas nos sistemas de produção de leite, uma vez que geram custos com medicamentos e assistência veterinária, aumentam a taxa de mortalidade e retardam o crescimento das novilhas de reposição.

 

Transgenia

A transgenia possibilita a criação de linhagens novas ou alteradas de animais importantes para a agropecuária. Aplicações práticas da transgenia na produção animal incluem o melhoramento na produção e composição de leite. As alterações genéticas que podem ser realizadas por meio da técnica de DNA recombinante visam melhorar o valor nutritivo do leite e aumentar os potenciais de utilização desse produto. Quando mal empregada, essa biotecnia pode trazer problemas como: expressão desregulada de genes, resultando na produção excessiva ou reduzida dos produtos gênicos; mutações seguidas de alteração de processos biológicos essenciais; transmissão do gene alterado para apenas alguns animais da progênie; integração do gene alterado a um cromossomo sexual, resultando em apenas um sexo portador desse gene.

 

Clonagem

Clones ou cópias idênticas de indivíduos podem atualmente ser produzidos graças à evolução da tecnologia de transferência nuclear ou reconstrução embrionária. A clonagem visa obter produtos com o material genético idêntico ao dos progenitores. Essa biotecnia tem um custo muito elevado e, por ser recente, o seu uso em rebanhos comerciais ainda é limitado. Os principais problemas são o alto custo da técnica, as altas taxas de mortalidade embrionária em estádios iniciais e finais da gestação, bezerros muito pesados ao nascimento, com problemas respiratórios e anomalias umbilicais. Além disso, a clonagem multiplica o material genético de um único individuo sem o ganho genético observado na heterose, o que torna seus produtos mais susceptíveis às adversidades ambientais devido à falta de variabilidade genética.

 

Conclusão

As biotecnias que promovem melhoramento produtivo e reprodutivo estão cada vez mais difundidas nos sistemas de produção de leite do Brasil; entretanto, não se deve esperar ganhos genéticos quando essas tecnologias são mal empregadas. Para que ocorra o melhoramento genético, são necessárias condições de manejo (nutricional, sanitário e ambiental) ideais para os animais expressarem o seu potencial de produção. A dissociação entre a biotecnia escolhida e as boas práticas de manejo dos reprodutores e das progênies obtidas podem levar a um resultado final aquém do esperado, contribuindo para o descrédito da biotecnia e elevados prejuízos econômicos. 

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