Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Gestão

Ciranda dos números

Para avaliar a eficiência financeira das propriedades é preciso considerar indicadores como o custo total por litro, a depreciação de equipamentos e instalações, os investimentos, os encargos e o pró-

Ciranda dos números

chile2008 066.jpg (1.83 MB)Para avaliar a eficiência financeira das propriedades é preciso considerar indicadores como o custo total por litro, a depreciação de equipamentos e instalações, os investimentos, os encargos e o pró-labore dos proprietários

 

Por MÁRIO SÉRGIO FERREIRA ZONI

 

Comparar o desempenho de fazendas leiteiras com base em números e indicadores de cada propriedade chega a ser um exercício que se aproxima da adivinhação, dada à variação de métodos de produção e sistemas. A enorme diversidade, somada à possibilidade de se produzir leite de formas muito distintas, aumenta o desafio de se fazer um diagnóstico que trace o perfil da atividade no Brasil.

Recentemente, em um programa jornalístico de TV, um produtor do Triângulo Mineiro afirmou que a atividade leiteira está ficando inviável financeiramente na sua propriedade. Isso porque, segundo ele, o seu custo de produção está em torno de R$ 0,80 por litro, enquanto o preço recebido pelo leite entregue à cooperativa da região é de R$ 1,50 por litro. Vamos analisar: o preço recebido está correto, pois é o valor depositado em sua conta. O problema é o seu “custo de produção”. Esse produtor não tem a menor ideia de qual é esse custo ou então ele está considerando os custos de forma errada. Se fosse correto, ele estaria tendo um lucro espantoso de quase 90%.

Esse caso ilustra bem como o desconhecimento sobre como gerar o custo total por litro de leite nas propriedades é um mal que assola a maioria das propriedades leiteiras do Brasil. É comum o custo de desembolso ou mesmo o fluxo de caixa ser tomado como custo total de produção.

 

CUSTO REAL

Ao adotar indicadores como forma de avaliar a eficiência financeira das propriedades, a primeira e óbvia escolha é apurar o custo total por litro, no qual o pró-labore dos proprietários, o custo de oportunidade da terra, as depreciações de equipamentos e instalações e os encargos financeiros de estoques, investimentos e dívidas são incluídos em custos fixos e variáveis.

Essa forma de apurar os custos é bastante comum nas grandes propriedades, onde o giro financeiro é muito alto, mas deveria ser obrigatória para o extrato de produtores familiares. Nesse grupo, em que não há funcionários contratados, ou mesmo onde há, mas a família é a principal força de trabalho, não considerar o pró-labore pode gerar uma distorção importante.

Para exemplificar, consideremos uma propriedade familiar ordenhando 35 vacas com média diária anual de 18 L de leite por animal, na qual o casal proprietário trabalha em regime de uma diária e meia e necessita de mais um colaborador. O custo de mão de obra a ser apropriado no custo de produção não é somente o do colaborador, por volta de R$ 3.000, se considerar salários e encargos, mas efetivamente o custo dos três colaboradores, que representaria algo em torno de R$ 7.500 ao mês.

Isso é de extrema importância, pois, em vez de os proventos da família que trabalha na atividade serem considerados lucro, eles são, na verdade, componentes do custo de mão de obra da atividade e, consequentemente, compõem o custo de produção por litro de leite. Para um produtor com preço médio anual em torno de R$ 1,35 e faturamento mensal ao redor de R$ 26 mil, o custo da mão de obra passa de 11,54% para o valor real de 28,85%.

 

TER UM QUADRO REAL DOS CUSTOS DA PROPRIEDADE É FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO DO NEGÓCIO

 

ERROS DE CÁLCULO

O mesmo raciocínio vale para o custo de oportunidade da terra, que, em regiões agrícolas com bom potencial de produção, seja de grãos ou de cana-de-açúcar, anualmente, gira em torno de 20 a 25 sacas de soja por hectare. Isso faz com que o mesmo produtor com 35 animais em produção e utilizando 20 hectares para pastoreio e/ou cultivo de forragens para corte verde ou silagem tenha um custo mensal a ser apropriado ao redor de R$ 2.500. Ou seja, não foram considerados gastos com forrageiras ou concentrado, energia elétrica, medicamentos, recria e por aí vai, e já se tem quase R$ 0,40 de custo real por litro de leite produzido, considerando somente mão de obra e custo de oportunidade da terra.

O que se vê muitas vezes, mesmo no debate entre técnicos, é que esses fatores, somados à depreciação de instalações e benfeitorias, não são considerados na apuração dos valores reais. Esse erro na forma de definir o custo real poderia ser prosaico, se junto não trouxesse graves distorções que acabam afetando justamente o elo mais frágil da cadeia de produção, que são os produtores familiares de baixa rentabilidade.

Por desconhecerem seus números reais, esses produtores muitas vezes acabam fazendo investimentos em produtos e instalações, considerando um lucro que na verdade não têm. Por outro lado, postergam mudanças e avanços absolutamente necessários em produtividade e qualidade do leite pelos mesmos motivos.

 

O RHA É UM INDICADOR QUE APURA DE FORMA INDIRETA DIVERSOS NÚMEROS DAS FAZENDAS, COMO TAXA DE SERVIÇO E DE CONCEPÇÃO, TAXA DE PRENHEZ, DESCARTE E EFICIÊNCIA NA RECRIA 

 

COEFICIENTE DE EFICIÊNCIA

Com custos reais de produção devidamente apurados, o segundo indicador utilizado para avaliar a eficiência econômica é o CEU (Coeficiente de Eficiência Unificado), com base no RHA, de vacas totais com o RSCA (Retorno Sobre o Custo Alimentar) ou de retorno financeiro por litro de leite descontado o custo alimentar.

O RHA é um indicador que apura de forma indireta diversos números das fazendas, como taxa de serviço e de concepção, taxa de prenhez, descarte voluntário e involuntário, eficiência na recria, incluindo a mortalidade nessa fase, a média diária real de produção e o percentual de animais adultos em produção. Ele considera todo o leite produzido e comercializado pela propriedade durante um ano, acrescidas todas as vendas de animais, seja para outros produtores ou para o descarte.

Os valores apurados com essas vendas devem ser transformados em litros de leite e somados aos valores comercializados durante um ano. O total de litros de leite é, então, dividido pelo número médio de animais adultos no rebanho, estando em produção ou não. Ou seja, a partir de 24 meses, todas as novilhas, vacas secas ou no pré-parto são somadas aos animais em produção.

De forma simplista, um produtor com produção total considerando leite e equivalentes da ordem de 250 mil litros e com um rebanho adulto na média anual de 50 animais teria um RHA de 5.000 L, o que, em qualquer cenário de produção, é um número ruim e de alto risco para a permanência do produtor na atividade.

Como é um índice rotativo, que considera sempre um ano fechado até a data presente, pode ser avaliado constantemente e de forma imediata desde a adoção. Isso é importante porque permite comparações de medidas adotadas na mesma propriedade em diferentes tempos.

Um dos motivos de não se utilizarem médias de curral ou mesmo de controle leiteiro oficial é que estas mostram somente um momento dentro do mês, ao passo que o leite comercializado mostra, na verdade, tudo que ocorreu na propriedade dentro do período de um mês.

Esse mesmo pensamento vale para o RSCA, pelo qual é apurado o que realmente foi consumido pelos animais e o leite comercializado. Apesar de óbvia, essa forma de apurar o RSCA não é muito comum. Nela predomina a consideração do custo da dieta proposta versus os litros de leite esperados, o que é meio utópico, pois, se estamos buscando indicadores de eficiência e consideramos duas variáveis com grande potencial de incorreção, pode-se ter desde números muito próximos aos reais até números irreais.

Um produtor com média anual real pela comercialização de 29 L tem resultados muito diferentes do ponto de vista financeiro do que o proposto pela dieta de 35 L de média. São quase 2.200 L a menos por animal em produção da média realizada do que estava na proposta. Se os custos alimentares forem iguais, a perda de faturamento anual por animal fica em torno de R$ 3.000, o que, ao considerarmos um produtor com 35 animais em produção, vai representar uma perda de lucratividade anual superior a R$ 100 mil.

Propriedades eficientes e lucrativas têm obtido valores de CEU superiores a R$ 10 mil por animal adulto, o que, mesmo em tempo de margens de lucro mais apertadas, acaba permitindo a manutenção do negócio. Portanto, é preciso começar a pensar fora da caixa e saber qual é o seu CEU de verdade.•

 

MÁRIO SÉRGIO FERREIRA ZONI
Médico veterinário com especialização
em bovinocultura leiteira e mestre em
produção animal pela Universidade
Federal do Paraná

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados