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Genética

Genes da prosperidade

Genes da prosperidade

 

Texto: Vivian Teixeira

 Embrapa, Fiocruz e UFMG dedicam-se a projeto pioneiro no País, que busca sequenciar genoma das raças zebuínas Gir e Guzerá para melhorar qualidade dos animais

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Para quem vive da atividade pecuária – principalmente, do comércio de leite –, prever características e condições capazes de influenciar a produtividade do rebanho é algo vital: quais os animais indicados e mais resistentes às doenças? Que grupo poderia produzir leite de melhor qualidade e adequado a cada produto? A partir de agora, essas e outras questões poderão ser respondidas com propriedade, em função de um feito inédito nas Minas Gerais: o sequenciamento do genoma das raças de zebu leiteiro Gir e Guzerá.

O trabalho levou cerca de quatro anos para ser concluído e contou com equipes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL) e o Centro de Melhoramento do Guzerá (CBMG) desenvolveram “pontes” entre pesquisadores e produtores, de modo a revelar as necessidades dos criadores e a realidade da fabricação.

Líder do projeto na Embrapa Gado de Leite, Marcos Vinícius Barbosa da Silva participou, nos Estados Unidos, do grupo que sequenciou o primeiro bovino no mundo, de 2006 a 2009. Quando voltou ao Brasil, percebeu que era preciso sequenciar as raças zebuínas mais importantes ao contexto nacional. Após conversar com Beatriz Cordenonsi Lopes – à época, no Polo de Bioinformática de Uberaba –, com representantes das associações e outros setores, o trabalho foi iniciado, conjuntamente, pelas equipes da Fiocruz e da UFMG. À Embrapa, coube a definição dos animais pesquisados, a coleta do material genético em campo e parte das análises de bioinformática.

Segundo Marcos Vinícius, hoje, o genoma já sequenciado possibilita a identificação das regiões do DNA ligadas à produção de leite, à resistência aos parasitas, às altas temperaturas e ao estresse térmico, o que facilita o processo de seleção. “Conseguimos olhar o DNA dos indivíduos e diferenciar esses animais, antes mesmo de eles nascerem, quanto à adaptabilidade, à resistência a doenças e à própria produção de leite. Isso apressa o processo de melhoramento genético em cerca de cinco anos. Antes, era preciso esperar quase sete anos para avaliar o potencial genético de um animal. Agora, isso pode ser feito em até 24 meses”, explica o pesquisador.

 

Metodologia

É vasto o processo para chegar aos benefícios do sequenciamento. Em longa etapa de trabalhos, a Fiocruz gerou boa parte dos dados de análise e montagem dos genomas nuclear e mitocondrial. Conforme explica Guilherme Correa, que coordenou os estudos na Fiocruz, a montagem e as anotações para entendimento da função dos genes foi realizada em conjunto. “Parte do sequenciamento ocorreu na Fiocruz. Os colegas já tinham o DNA dos animais coletados e, em seguida, fizemos o controle de qualidade do material e a construção das bibliotecas genômicas”, detalha.

Na montagem de tais bibliotecas, usaram-se duas tecnologias. A primeira foi o sequenciador Solid, no qual foram gerados os primeiros dados – o que permitiu cobrir boa parte tanto do genoma do Gir quanto do Guzerá. Em seguida, foi empregada a tecnologia da Illumina, mais moderna, que possibilitou o acesso à outra parte das informações. “Quando usamos tecnologias diferentes, aproveitamos as especificidades de cada uma para montar bibliotecas genômicas diferentes, o que permite uma montagem mais rica e complementar”, explica.

Após o sequenciamento do DNA, realiza-se a etapa de montagem do genoma, por meio do uso de algoritmos já conhecidos da comunidade científica. Eles são parametrizados para chegar à expressão que oferece a melhor montagem, que, em seguida, é congelada. A segunda etapa é a de anotação, na qual analisa-se a sequência do DNA composta por quatro bases, para identificar os genes e sua função, até que se determine a fisiologia de cada organismo.

Maria Raquel Carvalho, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, comenta que, na primeira fase da pesquisa, sua equipe foi responsável pela montagem do genoma eucarioto complexo. Para tal, foi feito um projeto-piloto para testar a montagem das sequências, que serviu de base a vários outros trabalhos do grupo – principalmente, ligados à formação de mão de obra capaz de trabalhar com esses dados. “Começamos com o Guzerá e fizemos a primeira montagem do genoma. Em seguida, trabalhamos com o Gir para levantar variações e diferenças em relação às raças taurinas”, conta a pesquisadora Izinara Rossi, também da equipe da UFMG.

 

Infinitas possibilidades

A interação entre as equipes das três instituições colaborou para o êxito do projeto. Afinal, cada organização pôde direcionar suas pesquisas a partir do sequenciamento. “Genoma é o primeiro passo, pois temos uma quantidade muito grande de informações do DNA para caracterizar, o que demandará anos de trabalho. Ao observar uma variável, podemos gerar as mais importantes em análise computacional. A partir daí, investimos em estudos capazes de determinar os fatores mais relevantes”, defende Maria Raquel Carvalho.

Duas outras pesquisas têm sido desenvolvidas na UFMG a partir do sequenciamento. A primeira compara as características do Gir leiteiro saudável com animais portadores de hipoplasia gonadal – que é a diferença morfológica nos testículos do touro, que pode ser total, bilateral, unilateral ou unilateral parcial ou total –, capaz de fazer, por exemplo, com que o animal tenha maior facilidade ou dificuldade de reprodução. “O maior problema é que indivíduos com hipoplasia unilateral ou bilateral podem apresentar libido de reprodução, o que dificulta a detecção do problema no rebanho e faz com que eles continuem espalhando a mutação”, explica Pablo Augusto de Souza Fonseca, responsável pelo estudo na UFMG.

Investigação prévia já conseguiu identificar regiões genômicas associadas aos fenótipos relacionados à hipoplasial gonadal e a anormalidades espermáticas. Em função disso, serão buscadas mutações em relação ao genoma montado do Gir saudável e aos genomas já depositados que possam se revelar as reais causadoras desse fenótipo. O estudo está sendo conduzido em parceria com a Escola de Veterinária, que tem como responsável o professor Vicente Duarte.

A segunda pesquisa estuda o temperamento dos animais da raça Guzerá. “Trata-se de questão importante nos rebanhos, pois os animais precisam ser tratados diariamente. Como entram em contato com o pessoal da fazenda para serem alimentados e ordenhados, não podem ser ariscos”, explica Fernanda Caroline dos Santos, responsável pelo estudo no ICB. Segundo a pesquisadora, um animal esquivo apresenta prejuízos aos rebanhos, como danos à fazenda e leite de pior qualidade. Além disso, pode causar acidentes de trabalho. Para a condução do estudo, aproveitaram-se dados sobre temperamento recolhidos pela equipe da pesquisadora Maria Gabriela Diniz Peixoto, da Embrapa, e têm sido coletadas amostras de sangue dos indivíduos mais bravos.

O estudo já identificou que os problemas de temperamento são hereditários. Ainda é preciso descobrir, porém, o local do genoma responsável por tais características. A equipe avaliou as informações relacionadas a essas características e suas especificações, de modo a constatar quais áreas têm influência sobre o temperamento do animal. Definidos os dados, o grupo iniciará o sequenciamento dos animais mais ariscos.

 

Expressividade econômica

A escolha por realizar o mapeamento das espécies Gir e Guzerá não foi aleatória. Trata-se, afinal, de raças indianas, importadas ao Brasil no século passado. Os animais foram selecionados, principalmente, por serem resistentes a doenças e por aguentarem as altas temperaturas em zonas tropicais. Atualmente, a pecuária trabalha com dois grupos: os taurinos, que vieram da Europa e são mais adaptados a climas mais frios, e os zebuínos, provenientes da Índia e do Paquistão, que oferecem maior resistência em relação ao clima e às doenças.

Marcos Vinícius Barbosa da Silva explica que, quando as raças taurinas – ligadas à maior produção de leite – foram trazidas ao Brasil, os animais não conseguiam corresponder à expectativa de produção de leite porque sofriam demais com o calor. “A solução foi trazer os animais da Índia e cruzá-los com a raça taurina, para que tivessem boa produção leiteira e fossem resistentes, como ocorre com os zebuínos. Desse cruzamento, surgiu o Girolando, que tem características dessas duas raças”, esclarece, ao destacar, ainda, a importância da pesquisa no que diz respeito à fertilização in vitro. Atualmente, são mais de 400 mil animais nascidos por meio dessa tecnologia.

Para Vania Maldini Penna, diretora Técnica do CBMG, a seleção de animais mais aptos à produção sustentável econômica, ecológica, etológica e socialmente correta é de grande importância. “O interesse por nossos animais é cada dia maior. Além disso, a exportação de material genético, por meio de embriões ou sêmen, já faz parte de nosso cotidiano e acena como importante fonte de renda”, avalia.

 

*Esse texto foi publicado originalmente na revista Minas Faz Ciência, edição 62, produzida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

 

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