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O leite no mundo

Marleen Felius - Ciência e arte retratando a história dos bovinos no mundo

Marleen Felius - Ciência e arte retratando a história dos bovinos no mundo

Texto: Flávia Fontes

A ilustração da capa dessa edição da Leite Integral é de Marleen Felius, uma pintora holandesa que retrata, com rara sensibilidade e beleza, bovinos de todas as raças.

Desde a infância, Marleen Felius, nascida próxima à cidade portuária de Rotterdam, dividia seu tempo entre a escola, onde passava os dias desenhando bovinos e equinos, e o trabalho na fazenda, ordenhando vacas e cavalgando. Já nessa época, sonhava em cursar a Academia de Artes Visuais, idéia que não agradava a seus pais, que desejavam para ela uma carreira mais usual e com maiores possibilidades de retorno econômico.

Reprovada no exame para ingresso na faculdade, Marleen decidiu ser jockey, tornando-se uma das únicas mulheres holandesas nessa profissão. O mundo dos jockeys, no entanto, era muito restrito e ela desejava algo mais. Finalmente, agora com o apoio dos seus pais, entrou em 1965 para a Academia de Artes Visuais, realizando seu sonho de infância.

Na Academia, desde o início, chamava a atenção por não seguir os caminhos tradicionais ou, talvez, por segui-los em demasia, visto que sua paixão sempre fora desenhar animais, algo pouco moderno para os tempos de grande liberdade, vivenciados no final da década de 60. Marleen tinha receio de mostrar seus desenhos, até que um professor a encorajou: “Isso é o que você é, isso é o que você precisa fazer”.

Em 1970, apesar do seu trabalho não ser reconhecido pelos demais colegas de Academia, ela ganhou o prestigioso prêmio de graduação, fruto da independência de sua obra.

Sua carreira como artista profissional iniciou-se com pinturas feitas sob encomenda para produtores que queriam retratar seus animais preferidos, além de trabalhos para revistas da área agrícola. Nessa época, começou a estudar as raças bovinas e a ler tudo que lhe caía nas mãos sobre o assunto, além de escrever para pessoas do mundo inteiro que pudessem lhe fornecer mais informações. Também visitou todos os países da Europa Ocidental, participando de exposições de bovinos e outros eventos do meio rural.

Mesmo sem ainda ser reconhecida no mundo das artes, Marleen começou a ganhar espaço crescente na mídia, pelo fato de as pessoas considerarem pouco usual alguém se dedicar a esse tema durante toda a sua vida. Desta forma, concedeu várias entrevistas em revistas, rádios e televisão, e seus quadros começaram finalmente a serem vendidos por altos valores.

Com toda a visibilidade e o conhecimento que foi acumulando nesses anos, Marleen despertou o interesse da empresa de medicamentos Merck Sharp and Dome, nos Estados Unidos, que, em 1985, publicou seu primeiro livro, chamado “Genus Bos – raças do mundo”. Como tratava-se de uma obra inédita, ficou muito conhecido, o que abriu várias portas para Marleen.

Bons Holsteins  Koba, 2010.JPG (103 KB)

Sunny Boy, 1998.jpg (66 KB)

Omaha beach, HI, 2011 IMG_9308.JPG (51 KB)

A partir daí, Marleen começou suas viagens internacionais. Em 1987, cruzou os Estados Unidos de Norte a Sul, sempre na companhia de cowboys e fazendeiros. Em 1990, foi para o Paquistão, onde participou de uma grande exposição de gado e cavalos, cuja entrada era permitida somente a homens. No mesmo ano, foi para Madagascar, na costa leste da África, juntamente com um biólogo com quem havia escrito um livro sobre a biologia dos bovinos. Visitou diversas tribos locais que mantinham grandes rebanhos. Nestas tribos, descobriu que, quando alguém que possui bovinos morre, todos os seus bois são mortos e os chifres ornam a sua sepultura. Segundo ela, “o essecial é ter um ponto de partida e pessoas dispostas a me ajudar, visitando fazendas. Nas viagens, nunca vou sozinha, pois é importante ir com quem conhece a realidade do país e do meio rural, para chegar aos lugares certos. Eu apenas acompanho e observo”.

Depois de cinco anos escrevendo e desenhando, Marleen partiu para uma empreitada ainda mais ousada: produzir uma enciclopédia de raças bovinas, na qual as mais de 1000 raças catalogadas foram retratadas, na forma de pintura, pela artista. “Eu gosto de ver e retratá-las eu mesma. Em Madagascar, no Paquistão, no Senegal, no Chade, em Mali, na Líbia, por exemplo, eu mesma fiz isso. Obviamente, ao se ter a pretensão de fazer um trabalho de abrangência mundial, não é possível visitar todos os lugares. Na China, por exemplo, eu nunca estive, mas me baseio em fotos ou outros desenhos, nunca apenas em relatos, para reproduzir as raças locais. Se não há fotos ou desenhos, eu não retrato a raça, pois não vou fantasiar. Meu sonho é ver todos os animais e fotografá-los, para depois retratá-los”, conta Marleen.

A publicação da enciclopédia, recusada durante 5 anos por várias editoras, só foi possível com o apoio de uma amiga rica, que lhe emprestou uma quantidade significativa de dinheiro. A primeira edição, com 2500 cópias, se esgotou em 5 semanas, apenas na Holanda. Esse enorme sucesso deu a ela uma grande visibilidade, em um momento no qual a Europa voltava seus olhos para o campo, para suas origens. Estava definitivamente aberto o caminho para Marleen viver da sua arte. “No início, foi muito difícil. As pessoas achavam que o que faço não poderia ser chamado de arte. Aos poucos, isso foi mudando. Quando o livro foi publicado, todos os 1200 desenhos originais foram expostos em um museu de grande reputação na Holanda, o “Kunsthal”, seguindo a classificação que eu criara. A exibição, um misto de arte e ciência, foi um enorme sucesso e estive presente em inúmeras reportagens de televisão, rádio, revistas e jornais. De repente, as pessoas se deram conta da importância de um trabalho como esse”, conta. 

Marleen realizou viagens ainda mais improváveis, como em 1996, quando foi para o Chade, país da África Central, onde visitou uma tribo que mantém a Kuri, uma raça de bovinos com chifres muito longos, a mais antiga da África. “As condições de viagem eram muito difíceis no Chade, onde praticamente não há rodovias, as estradas se parecem trilhas do rally Paris-Dacar, o combustível é vendido em vilas, em garrafas de 1 litro e, para complicar, era a época do Ramadã, mês no qual não se podia consumir alimentos durante o dia”, comenta.

Em 1999, teve a oportunidade de viajar a pé, por 10 dias pelo deserto da Líbia, com sua bagagem sendo transportada em camelos. O grupo andava cerca de 7 horas diárias, sob uma temperatura de 35-45 ºC, a procura de vestígios dos primeiros nômades que levavam gado, há 10.000 anos atrás, quando a região começou a secar. Com surpresa e emoção, eles encontraram vestígios intocados de fogueiras e artefatos destes “pecuaristas” primitivos.

Bons Holsteins, to the milking parlour, 75 x 60 cm, acrylic, 2011.jpg (113 KB)

Em Mali, presenciou o espetáculo da travessia dos grandes rebanhos pelos rios Niger e Diaka, após permanecerem por seis meses nas pastagens da região central, manejados por meninos que, à noite, reuniam seus animais preferidos para recitar poemas e adorná-los antes da travessia. Para eles, o gado é o que há de mais bonito e o bem mais valioso que existe. Na travessia, os meninos que não sabem nadar, agarram a cauda de uma vaca e se lançam nos rios, que têm mais de um quilômetro de largura. Após o percurso, há uma grande festa de confraternização”, conta. Todas estas histórias e tradições são contadas e mostradas em fotografia em outro livro de Marleen, chamado “De Koe”. Neste livro, ela procura mostrar a intensa relação cultural dos animais com o homem e que práticas milenares, em diversas partes do mundo, persistem ainda hoje, mesmo em países avançados economicamente, como a Suíça e a Espanha.

No ano 2000, convidada pela empresa Lagoa da Serra, atual CRV Lagoa, Marleen veio ao Brasil e se apaixonou pelo Zebu, que considera “bonito, elegante e inteligente”. De lá para cá, fez outras visitas ao país, participou de exposições como a Expozebu e a Expoinel e passou a retratar animais de destaque. Marleen também estudou a história do Zebu no Brasil e preparou um presente para o Museu do Zebu: um painel de 3 x 1,5 metro, que retrata a história do gênero no país.

Atualmente, é muito respeitada, tanto no meio artístico quanto no científico, onde seu trabalho, fruto de mais de 20 anos de pesquisa, é reconhecido e admirado. Além de continuar pintando, está trabalhando em sua dissertação de pós-graduação, no Departamento de Veterinária, da Universidade de Utrecht, cujo tema é a classificação dos cruzamentos bovinos, especialmente na Europa.

Seu último desafio com animais vivos foi com a vaca apresentada na foto XXX, uma Holandesa da França. Um fotógrafo profissional holandês, Han Hopman, que lançou uma revista de grande sucesso, a “Holstein International”, teve a idéia de fotografar essa vaca na costa da Normandia, onde os soldados aliados entraram para dar fim à Segunda Guerra Mundial. Para nós (Europeus antigos), este continua sendo um lugar muito importante, pois foi onde vários soldados morreram para nos livrar da ocupação nazista alemã”, conta. 

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