Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Animais Jovens

O melhor estímulo

Manejo para estimular a resposta imune em bezerras

O melhor estímulo

Edição #96 - Março/2017

O MELHOR ESTÍMULO

Manejo para estimular a resposta imune em bezerras      

INTRODUÇÃO

As bezerras recém-nascidas (≤28 dias de vida) são muito frágeis e, facilmente, ficam doentes. Sabidamente, isso pode ser minimizado pelo adequado fornecimento de colostro e, posteriormente, leite. Contudo, na necessidade de tornar o manejo da colostragem mais eficiente, outros recursos têm sido apresentados ao produtor, que, por sua diversidade, pode se perder na relação custo-benefício, se as práticas de conversação, nutrição, conforto e bem-estar não forem oferecidas às bezerras.
O colostro/leite é a melhor forma para transferir imunidade da mãe ao recém-nascido, seja pela transferência de fatores imunes ou bactérias benéficas ao desenvolvimento do sistema imune, além de todos os demais componentes nutricionais, hormonais e de crescimento.

A maior parte das medidas de manejo adotada para otimizar a imunidade das bezerras gira em torno deste “mel real” chamado colostro. Descobertas recentes têm demonstrado que o colostro é muito mais que anticorpos, pois contém outros fatores imunes ativos como as células (1 a 2 milhões/mL) e citocinas. Mas, é importante salientar que estes componentes são destruídos pelos processos de congelamento e pasteurização do colostro. 

As principais formulações comercias disponíveis, muitas vezes, visam intensificar a transferência de alguns componentes que estão ou deveriam estar presentes no colostro e/ou leite de transição (secreção mamária obtida nos primeiros 14 dias pós-parto). Este é o caso do suplemento/substituto do colostro (anticorpos), da vacinação materna pré-parto (> níveis de anticorpos colostrais), dos probióticos (bactérias benéficas), dentre outros.

Imunoestimulantes e vacinações devem ser usados, estrategicamente, de acordo com os períodos de maiores riscos às doenças. As vacinações precoces representam um desafio, porque os anticorpos maternos adquiridos pela ingestão do colostro suprimem (diminuem) a resposta imune induzida pelas vacinas.

É válido ressaltar que a colostragem perfeita, fórmulas e vacinas não garantem a saúde das bezerras, se as mesmas não forem criadas em condições adequadas de conforto e bem-estar. O cortisol, liberado em situações de estresse, possui efeito supressor, e enfraquece o sistema imune das bezerras.  

Este artigo foi escrito para explicar os pontos de risco vinculados ao status imunológico, assim como trazer algumas sugestões de manejo para otimizar a imunidade e sanidade na criação de bezerras.

DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA IMUNE DAS BEZERRAS

Inicio este tópico, descrevendo que o sistema imune (S.I) é um pouco complexo, porém a compreensão de alguns processos vinculados ao desenvolvimento da imunidade é fundamental para que se compreenda o porquê de as bezerras recém-nascidas serem tão vulneráveis às doenças nos primeiros 28 dias de vida (período neonatal).

O desenvolvimento do S.I. dos bovinos inicia-se no útero das suas mães, observando-se o surgimento progressivo dos órgãos, entre 41 e 175 dias de gestação. Estes órgãos são responsáveis pela produção e maturação das células de defesa. Neste período de formação, o feto ainda não possui plena capacidade para responder aos microrganismos, e a placenta representa uma barreira importante entre a mãe e o feto. A placenta bovina possui 6 camadas, que separam o sangue da mãe e do feto, impedindo a infecção e morte fetal.

A placenta é um sistema que garante a vida do feto até que se torne apto a responder aos microrganismos, após a formação do sistema imune. Por outro lado, a espessa parede formada entre mãe e feto traz a desvantagem de não permitir a passagem de anticorpos maternos da vaca para a cria. Desta forma, as bezerras recém-nascidas apresentam níveis indetectáveis de anticorpos no sangue ao nascimento.

Ao nascer, as bezerras já possuem todos os órgãos e células de defesa, entretanto este sistema ainda é “virgem”, porque nunca foi utilizado. O aprendizado do S.I. das bezerras ocorrerá, progressivamente, após sucessivas exposições aos microrganismos presentes no ambiente de criação. No início da vida, as bezerras desenvolvem respostas imunes, de forma lenta e gradual, para cada antígeno (partícula capaz de estimular a produção de anticorpos) que encontram no ambiente de criação. A cada encontro com um tipo específico de antígeno (invasores capazes de estimular resposta imune), observa-se multiplicação das células imunes produtoras de anticorpos. (Figura 1).

 colostro.PNG (238 KB)

Figura 1. Respostas imunes desenvolvidas pelas bezerras após o seu nascimento. O 1o encontro com o antígeno X (roxo) gera resposta primária de baixa intensidade e curta duração. No 2o encontro com o antígeno X, a resposta imune é mais rápida, intensa e duradoura. Este mecanismo ocorre com todos os outros diferentes antígenos aos quais as bezerras são expostas após o nascimento (exemplo antígeno Y- verde).

EFEITO DO ESTRESSE SOBRE O SISTEMA IMUNE

A habilidade das células de defesa responderem aos microrganismos, após o nascimento, pode ser comprometida pelo estresse materno e fetal ao redor da parição. Alguns eventos fisiológicos (normais), ocorridos no período de transição, como o parto e nascimento, são, por si só, estressantes, sendo responsáveis por picos elevados do hormônio cortisol no sangue das vacas e recém-nascidos (Figura 2).

colostro2.PNG (14 KB)

Figura 2: O trabalho de parto e nascimento são eventos estressantes para a vaca e bezerras, responsáveis pelos elevados picos de cortisol observados no sangue das bezerras imediatamente após o nascimento (D0).

COLOSTRAGEM PERFEITA, FÓRMULAS E VACINAS NÃO GARANTEM A SAÚDE DAS BEZERRAS, SE AS MESMAS NÃO FOREM CRIADAS EM CONDIÇÕES ADEQUADAS DE CONFORTO E BEM-ESTAR

O cortisol enfraquece (suprime) o sistema imune das vacas e futuras bezerras, por meio de diversos mecanismos. Trata-se de um hormônio de alerta sobre um perigo iminente, responsável por uma redistribuição das células de defesa no organismo. Nesta situação, as células de defesa, chamadas monócitos e neutrófilos, migram da periferia para a circulação sanguínea. Muitas pessoas acham este evento vantajoso (aumento no número de células sanguíneas), porém estas células apresentam redução na sua capacidade de engolfar (fagocitar) e, consequentemente, de destruir o invasor (Figura 3). É como se os “soldados” (células de defesa) estivessem em grande quantidade, porém sem armas suficientes para destruir o inimigo. Apesar dos eventos destacados anteriormente, o principal efeito do cortisol sobre o S.I. está relacionado à redução no número e atividade funcional dos linfócitos B e T, responsáveis pela produção de anticorpos e destruição de células infectadas por vírus e bactérias.

colostro3.PNG (13 KB)

Figura 3: Fagocitose das bactérias Staphylococcus aureus e Escherichia coli pelas células do sangue de bezerras da raça Holandesa. Observe que a capacidade de engolfar as bactérias está reduzida pela metade no D0 (imediatamente após o nascimento) em relação ao 2o dia de vida das bezerras (D2) (Fonte: Adaptado de Costa et al., 2017).

O estresse precoce das vacas no período de transição, provocado por uma multiplicidade de eventos ocorridos nessa fase, pode afetar, diretamente, as bezerras, de diferentes maneiras. O estresse materno está associado com abortamentos, menor peso das proles ao nascimento, ausência ou menor produção de colostro e redução na concentração de IgG no soro das bezerras após colostragem. Além da liberação do cortisol, observam-se elevadas concentrações de adrenalina no sangue das vacas submetidas ao estresse. Este hormônio está associado à redução do fluxo de sangue no ambiente feto-placentário, reduzindo o fornecimento de glicose e o crescimento fetal (= baixo ganho de peso ao nascimento).

A ruptura do cordão umbilical impõe uma série de funções aos recém-nascidos, antes exercidas pela vaca, como a termo-regulação, respiração, circulação, nutrição e desenvolvimento do sistema imune. Nesta fase, recomenda-se a transferência imediata das bezerras da maternidade para um ambiente com condições favoráveis, que contribuam com a sua rápida adaptação ao meio ambiente extra-uterino,com o objetivo de minimizar o estresse e reduzir os efeitos negativos do cortisol sobre o sistema imune. Este ambiente deve ser limpo, seco, com camas altas e zona de temperatura termo-neutra (20°C). Camas de palha profunda, lâmpadas e mantas térmicas podem ser usadas para aquecer bezerras em regiões mais frias. Neste local, devem ser realizados os primeiros cuidados com as recém-nascidas, como o aquecimento, secagem, desinfecção (cura) do umbigo e fornecimento do colostro, dentre outros procedimentos.

COLONIZAÇÃO DO TRATO DIGESTIVO E PROBIÓTICOS

Em humanos, a colonização dos recém-nascidos inicia-se com a passagem do feto pelo canal vaginal, no momento da parição. Este processo é intensificado pelo contato da mãe com os bebês, especialmente durante a amamentação.

O colostro e o leite podem ser considerados probióticos naturais, por serem ricos em Bifidobacterium e Lactobacillus. Estas bactérias desempenham papel fundamental na educação do sistema imune, além de participarem no metabolismo energético do hospedeiro, por meio da fermentação de carboidratos e síntese de cofatores e vitaminas K e B12. Esta ação sobre os carboidratos pode explicar os dados de uma pesquisa recente, na qual a prevalência de Faecalibacterium nas fezes das bezerras, nas primeiras semanas de vida, estavam associadas ao maior ganho de peso e menor ocorrência de diarreia. Na prática, a maior parte das fazendas separa as bezerras das suas mães, imediatamente após o nascimento. Assim, as recémnascidas são colonizadas, predominantemente, por microrganismos presentes no ambiente, na cama, na água, na dieta, utensílios (especialmente mamadeiras e baldes), dentre tantas outras possibilidades. Este descontrole na colonização microbiana pode promover um desequilíbrio precoce entre as bactérias benéficas (simbióticas) e maléficas (patobióticas), comprometendo a saúde intestinal das bezerras.

Em relação à educação do sistema imune, as bezerras precisam desenvolver respostas diferenciadas para os tipos de bactérias. Isto quer dizer que o sistema imune das bezerras precisa ser tolerante às bactérias benéficas (simbióticas) ao mesmo tempo em que precisa reconhecer e destruir as patobióticas (maléficas = doença). Estes processos envolvem mecanismos imunes muito complexos, para bezerras tão inexperientes, o que faz muitos pesquisadores acreditarem que as células do colostro podem ser fundamentais para ajudar em todo este processo de amadurecimento.

A principal medida de manejo a ser adotada, considerando-se o processo de colonização microbiana, chama-se higiene. Recomendamos que o processo de parto seja o mais limpo possível, considerando o ambiente (maternidade e baias de parição), a cama, a vaca, o tratador/manipulador (macacão e luvas) e os utensílios (fórceps, cordas, correntes) usados no auxílio ao parto. Além disso, as bezerras devem ser transferidas da maternidade até 15 minutos após seu nascimento, pois sua permanência junto das vacas adultas amplia o risco da colonização por bactérias maléficas presentes no ambiente. Lembre-se que as bezerras possuem sistema imune enfraquecido ao nascimento e não conseguem montar resposta imune equiparada à das suas mães.

Manter as bezerras com as vacas por um período após o nascimento pode favorecer a colonização do intestino, porém acreditamos que este manejo precisa ser melhor estudado, pois não permite o controle absoluto do processo de colostragem. Outra questão que devemos considerar é a intensidade do estresse oriundo da separação entre a vaca e a bezerra em momento mais tardio. É comprovado que o estresse (cortisol) diminuiu a proporção das bactérias Bifidobacterium e Lactobacillus no trato digestivo das bezerras.

A utilização do leite de descarte, mesmo que pasteurizado, deveria ser pensada com muita cautela por parte dos produtores, pois os resíduos de antibióticos interferem na formação da flora do intestino. Não recomendamos o fornecimento do leite de descarte para bezerras recém-nascidas.

Ainda preocupados com a flora intestinal, é comum a adoção de probióticos comerciais nas fazendas. Os indicados para bezerras costumam conter Bifidobacterium, Lactobacillus, Bacillus, Sacharomyces, Enterococcus e Pediococcus, que são bactérias benéficas. Observa-se grande variação frente aos gêneros, composição, tipos de cepas e número de bactérias presentes nos probióticos. Como exemplo, podemos citar a grande variação no número de Bifidobacterium encontradas nos produtos comerciais (3,33 x 106 à 1x109 UFC/grama). Estas variações podem justificar as diferentes respostas observadas no campo e experimentos.

Os resultados dos efeitos benéficos da inclusão do suplemento à base de complexo simbiótico na dieta (probióticos, prebióticos e enzimas fibrolíticas) são um pouco contraditórios, provavelmente devido às diferentes composições dos produtos comerciais. Os efeitos benéficos relatados incluem aumento da consistência das fezes, diminuição na ocorrência das diarreias, maior eficiência alimentar e desempenho.

QUALIDADE HIGIÊNICA VS. PASTEURIZAÇÃO DO COLOSTRO

O colostro e/ou leite podem ser contaminados com microrganismos entre o processo de coleta e fornecimento às bezerras, sendo essa uma via para a transferência de microrganismos indesejáveis ao intestino das bezerras, inclusive de agentes infecciosos importantes como espécies de Mycobacterium, causadores da Tuberculose e Paratuberculose. Os pontos críticos para a obtenção de colostro com adequada qualidade higiênica estão apresentados no quadro 1.

Quadro 1- Pontos críticos para reduzir a contaminação do colostro.

colostro4.PNG (52 KB)

colostro5.PNG (428 KB)

Foto: Manter as bezerras com as vacas por um período após o nascimento pode favorecer a colonização do intestino, porém acreditamos que este manejo precisa ser melhor estudado, pois não permite o controle absoluto do processo de colostragem.

A pasteurização em pasteurizador específico para colostro tem sido recomendada para diminuir a contagem bacteriana total (CBT) e contagem de coliformes totais (CCT) em colostro com elevada taxa de contaminação e/ou mastite. Pesquisadores recomendam que a contagem bacteriana total (CBT) do colostro não deve ser superior a 100.000 unidades formadoras de colônias (UFC) e a CCT a 10.000 UFC. Pesquisas recentes têm demonstrado que a taxa de absorção de imunoglobulinas é menor nas bezerras que recebem colostro com elevada CBT.

Recomendamos o fornecimento de colostro pasteurizado apenas na 2a mamada, pois este processo pode destruir as bactérias benéficas à colonização do trato gastrintestinal das bezerras, além de destruir importantes componentes imunes do colostro como as células e citocinas. Outras questões à serem consideradas no uso do pasteurizador é o custo e a mão de obra especializada para operar o equipamento.

COLOSTRO É MUITO MAIS QUE IMUNOGLOBULINA

É consensual que a colostragem é a principal medida de manejo para garantir a proteção das bezerras nas primeiras semanas de vida. As boas práticas para assegurar uma colostragem eficiente serão abordadas em outro artigo, entretanto não poderíamos deixar de trazer algumas novidades.

Antes de qualquer explanação sobre os fatores imunes do colostro, ressalto que a experiência materna contra os microrganismos é primordial para que a bezerra adquira imunidade contra uma gama de agentes causadores de doenças. Protocolos de vacinação das vacas no pré-parto podem garantir a produção e transferência de anticorpos específicos para os microrganismos que causam doenças entéricas ou respiratórias. Ressalto também que o colostrômetro estima IgG total, porém não indica a presença de anticorpos específicos.

O colostro pode ter excelente taxa de IgG (escala verde do colostrômetro), porém com quantidades mínimas ou zero para anticorpos contra determinado agente, como o Rotavírus, por exemplo. O colostro é constituído por mais de 90 componentes biológicos ativos, como fatores imunológicos, nutricionais, hormonais e de crescimento. Dentre os fatores imunológicos do colostro podemos citar as imunoglobulinas (anticorpos), células e citocinas. As citocinas são proteínas responsáveis pela sinalização/comunicação entre as células de defesa durante a resposta imune.

O colostro contém células maternas (aproximadamente 1 a 2 milhões/mL de colostro), que possuem a capacidade de ultrapassar a parede intestinal das bezerras e alcançar a circulação sanguínea e órgãos imunes (Figura 4).

Desde a década de 90, algumas pesquisas têm demonstrado que as bezerras que recebem colostro celular (fresco – COL+) apresentam melhor resposta aos microrganismos que aquelas que recebem o colostro acelular (congelado – COL-). Estudos recentes, publicados pelo nosso grupo de pesquisa (GeCria), demonstraram que as bezerras que receberam o colostro congelado apresentaram dificuldade para eliminar os microrganismos causadores de diarreia. Este fato resultou na persistência da infecção e maior intensidade dos quadros de diarreias. Os exames de sangue revelaram baixas concentrações de ferro, e anemias após os episódios de diarreia nas bezerras do grupo COL- (colostro congelado). Ao contrário, o sistema imune das bezerras que receberam o colostro FRESCO apresentou maior habilidade em destruir os microrganismos, resultando em resposta mais rápida e menor intensidade da doença. Detalhes sobre o efeito das células do colostro sobre o sistema imune e saúde foram publicados na edição de fevereiro de 2017 da Revista Leite Integral.

Em relação ao manejo, ressaltamos que as células são destruídas no processo de congelamento e pasteurização do colostro. Não somos contra o uso do colostro congelado, apenas ressaltamos que o fresco pode trazer vantagens adicionais à saúde das bezerras.

Recomendamos que as bezerras recebam ao menos 3L de colostro fresco (1a ordenha), com boa qualidade higiênica, na 1a mamada. Para garantir a sobrevivência das células para a 2a mamada, o colostro deve ser armazenado em geladeira comum, por um período máximo de 6 horas.

Não recomendamos o uso do colostro fresco em fazendas com elevadas taxas de mastite no pós-parto, porque existe o risco de transmissão de bactérias maléficas à saúde para as bezerras.

colostro6.PNG (42 KB)

Figura 4: As células de defesa maternas (leucócitos) migram do sangue periférico das vacas para a glândula mamária. Estas células são ingeridas pelas bezerras por meio do consumo do colostro. As células das mães conseguem atravessar a parede do intestino das bezerras e alcançar a circulação sanguínea. Por fim, migram para os órgãos do sistema imune para ajudar na defesa das bezerras contra os invasores (Fonte: Adaptado de Reber et al., 2006).

colostro7.PNG (739 KB)

Foto: O melhor para as bezerras é o colostro fresco (IgG ≥ 50g/L – escala verde do colostrômetro) da sua mãe.

SUBSTITUTOS E SUPLEMENTOS DO COLOSTRO

Os anticorpos do colostro, especialmente a IgG, são fundamentais para proteger as bezerras contra as infecções. É indicado que as bezerras recebam 100 gramas de IgG nas primeiras seis horas de vida, quando a absorção de anticorpos pela parede intestinal é máxima. Para fornecer esta quantidade de anticorpos, deve-se administrar volume de colostro equivalente a 15% do seu peso vivo, dividido em 2 mamadas (por exemplo: bezerra de 40Kg deve receber 6 litros de colostro, sendo 3 litros fornecidos imediatamente após o seu nascimento e 3 litros por volta das 6 horas de vida). O colostro fornecido deve ter concentração de IgG ≥ 50g/L – escala verde do colostrômetro.

Um problema observado, frequentemente, nas fazendas é a escassez de colostro, devida à baixa produção, concentração de anticorpos abaixo do desejado (IgG ≤ 50g/L – escala amarela/vermelha no colostrômetro), e mastite. Para atender a esta demanda, muitos produtos têm sido desenvolvidos no mercado internacional para suplementar ou substituir o colostro. O nome “suplemento do colostro” é usado para os produtos formulados para oferecer menos de 100 gramas de IgG/dose, enquanto que o substituto deve fornecer mais de 100 gramas de IgG/dose. As fontes de anticorpos usadas nas formulações destes produtos são IgG (provenientes do plasma e colostro) e IgY (provenientes dos ovos de galinhas vacinadas contra os agentes que causam as diarreias nas bezerras).

Apenas o suplemento do colostro à base de IgY está disponível no mercado brasileiro. O fabricante recomenda que a administração do produto (1 bisnaga) seja feita nas primeiras 24 horas de vida das bezerras.

No meu ponto de vista, o melhor para as bezerras é o colostro fresco (IgG ≥ 50g/L – escala verde do colostrômetro) da sua mãe. Na indisponibilidade de colostro fresco, a 2a opção seria o colostro congelado IgG ≥ 50g/L – escala verde do colostrômetro. Na ausência da opção 2, recomendo o uso do colostro da escala laranja ou até mesmo vermelha, associado ao suplemento do colostro. Sempre é válido ressaltar que o volume mínimo de colostro deve ser equivalente a 15% do peso das bezerras (aproximadamente 4 a 6 litros).

As pesquisas internacionais demonstram que o uso da IgY pode ter maior função na proteção local do intestino contra as bactérias causadoras de diarreias. É válido lembrar que os anticorpos fornecidos após 18-24 horas de vida das bezerras não são mais absorvidos para o sangue, mas podem proteger a luz do intestino.

Uma equipe de pesquisadores vacinou galinhas poedeiras contra Rotavírus, para que as mesmas produzissem ovos com gema rica em IgY específica para este agente viral. Estes autores distribuíram os animais (bezerros) nos seguintes grupos experimentais: grupos 1, 2 e 3 - receberam colostro controle com quantidades conhecidas de anticorpos contra o Rotavírus nas primeiras 24 horas de vida. Após este período, os bezerros do grupo 1 foram aleitados com leite suplementado com 6% de gema oriunda de galinhas vacinadas (alta concentração de IgY específico para o Rotavírus); os bezerros do grupo 2 foram aleitados com leite suplementado com 6% de gema de galinhas não vacinadas (baixa concentração de IgY específico para o Rotavírus); e os bezerros do grupo 3 foram aleitados com leite não suplementado. Além destes três grupos havia o grupo controle 4, que não recebeu colostro no 1o dia de vida, e foi aleitado com leite não suplementado. O aleitamento de cada grupo foi feito 2 vezes ao dia, por 14 dias. Os bezerros de todos os grupos foram desafiados com a inoculação de Rotavírus, no 2o dia de vida. Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram, claramente, que o grupo 1 (colostro + leite suplementado com 6% gema oriundo galinha vacinada) apresentou os melhores resultados: menor ocorrência de diarreias (20%), comparado com os demais grupos (100%) (Quadro 2).

Quadro 2- Resultados obtidos na pesquisa de Vega et al. (2011)

colostro8.PNG (34 KB)

VACINAÇÃO EM BEZERRAS

A vacinação é um desafio na criação de bezerras, devido ao efeito de bloqueio dos anticorpos colostrais sobre a imunidade induzida pelas vacinas. Isto significa que os anticorpos maternos neutralizam e eliminam os antígenos das vacinas, antes que os mesmos estimulem o sistema imune. Sim, neste caso o manejo de colostro é uma “faca de dois gumes”.

A presença de anticorpos específicos no colostro, para diferentes tipos de microrganismos, depende da exposição prévia das vacas por via natural (infecções) ou vacinações. A duração dos anticorpos maternos no sangue das bezerras depende da quantidade oferecida às mesmas no processo de colostragem.

Para a prevenção das diarreias neonatais, recomendase a vacinação materna, porque as mesmas ocorrem muito precocemente, não havendo tempo hábil para induzir resposta imune rápida, exceto pelo fornecimento de colostro com anticorpos específicos para a Escherichia coli, Rotavírus e Coronavírus. A eficácia das vacinas depende de muitos fatores, além disso ressaltamos, novamente, que medidas de higiene e bem-estar do sistema de criação são pontos-chave dentro de um programa de biosseguridade. Para a prevenção da doença respiratória, pode-se adotar calendário sanitário que inclua a vacinação das vacas e bezerras. A questão que vem nos desafiando é o estabelecimento de protocolo de vacinação precoce, que drible o efeito dos anticorpos maternos sobre a indução da resposta vacinal. O ideal é vacinar as bezerras com 2 doses, antes do pico de broncopneumonias no rebanho. Em nossa experiência, a doença respiratória tem sido cada vez mais precoce entre 40 e 60 dias de idade, sendo assim, teríamos que vacinar as bezerras o mais cedo possível para conseguir estimular o sistema imune com 2 doses de vacina. O sistema imune necessita de, ao menos, 21 a 30 dias para induzir resposta após cada dose de vacina. Assim são necessários entre 42 a 60 dias para a proteção das bezerras usando vacinas.

Estudos realizados pela equipe GeCria, em parceria com o Instituto Nacional Tecnologia Agropecuária (INTA), da Argentina, demonstraram que a vacinação das bezerras por via injetável, aos 14 dias de vida e reforço após 21 dias, aumentou a produção de anticorpos específicos para todas as viroses respiratórias, especialmente para o Vírus da Parainfluenza Bovina do tipo 3, e também reduziu a ocorrência de doença respiratória, após a aplicação da 2a dose da vacina. A vacina usada nesta pesquisa era composta pelo BVDV-1 inativado, BVDV-2 inativado, BoHV-1, BPIV-3 e BRSV (375) vivos/atenuados, além de Leptospira canicola, L. grippotyphosa, L. hardjo, L. icterohaemorrhagiae e L. pomona inativadas, associadas a Quil A, colesterol e Amphigen como adjuvante.

A vacina intranasal é uma opção disponível no mercado brasileiro. Esta via de aplicação ajuda a “fugir” dos anticorpos maternos que estão no sangue. Esta vacina contem o BoHV-1, BPIV-3 e o BRSV vivos/atenuados. A indicação da empresa é a aplicação da 1a dose da vacina entre o 2o e 3o dia de vida, com reforço no desmame. Ressalta-se aqui que a vacina não contém o BVDV. Sendo assim, protocolos de vacinação injetável devem ser associados ao intranasal. Estão em andamento pesquisas para o estabelecimento do protocolo de vacinação ideal para bezerras, considerando-se o uso associado entre a vacina intranasal e a injetável.

Em geral, a resposta vacinal é inversamente proporcional à imunidade colostral. Isto significa que a resposta vacinal é crescente do nascimento até os seis meses de idade.

CONCLUSÕES

A fragilidade das bezerras está associada à sua imaturidade imune ao nascimento. O colostro exerce papel fundamental na proteção durante o período de desenvolvimento da flora intestinal e educação do sistema imunológico. O processo de colostragem não é tão simples como pensávamos há algum tempo atrás, observandose uma série de opções que devem ser adequadas e personalizadas ao sistema de criação. Produtos, formulações e vacinas comerciais devem ser usadas de forma estratégica para otimizar a resposta imune das bezerras, entretanto não substituem a colostragem e condições adequadas de conforto e bem-estar animal.

Viviani Gomes - Profa. do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, USP
Jean Silva Ramos - Mestrando do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, USP

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados