Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Reprodução

Prevenção e tratamento de doenças reprodutivas pós-parto

Prevenção e tratamento de doenças reprodutivas pós-parto

Texto: Ricarda Maria dos Santos, José Luiz Moraes Vasconcelos

A infecção e a inflamação do útero e da cérvix afetam aproximadamente uma em cada três vacas leiteiras no pós-parto, com impactos consideráveis sobre a probabilidade e o momento da prenhez. Embora os riscos de doenças sejam indesejavelmente altos, menos da metade do total de vacas com contaminação bacteriana do útero logo após o parto desenvolve algum tipo de doença do sistema reprodutivo. O grande desafio é determinar o fator (ou fatores) que determina se uma vaca infectada vai desenvolver doença sistêmica ou mais sutil, ou progredir para uma involução normal, sem apresentar condições patológicas que possam prejudicar a fertilidade.

*Este texto é parte da palestra apresentada por Stephen LeBlanc (University of Guelph, Canada), no XVI Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia de 15 e 16 de março de 2012.

DSC02461.JPG (708 KB)

Introdução

Praticamente todas as vacas leiteiras sofrem contaminação bacteriana do útero durante duas a três semanas após o parto, e grande parte delas apresenta pelo menos uma patologia do trato reprodutivo, que pode ir desde uma inflamação crônica sutil, porém relevante, até uma doença aguda sistêmica. O alto risco de doenças se deve, em parte, à depressão da imunidade no período compreendido entre as duas semanas anteriores e as três semanas posteriores ao parto.

A gravidade da resistência à insulina, a redução do consumo alimentar, o balanço energético negativo e a perda de peso contribuem para a severidade e a duração da depressão imunológica. A imunidade inata conferida pelos neutrófilos é a principal forma de resposta imune do útero. A migração neutrofílica e as atividades fagocitária e oxidativa têm relação com a retenção de placenta, a metrite e a endometrite. Embora as doenças metabólicas (cetose e esteatose hepática) e uterinas sejam muito comuns, os fatores que determinam o risco de doença em diferentes rebanhos, ou em um mesmo rebanho, no qual as vacas são supostamente submetidas ao mesmo manejo e estratégias nutricionais, não estão bem esclarecidos. Este artigo apresenta uma breve revisão dos dados e conceitos recentes, relacionados ao desenvolvimento e à atenuação da infecção e da inflamação do trato reprodutivo em vacas leiteiras durante os dois primeiros meses do pós-parto.

 

Origens das doenças do trato reprodutivo

Sabe-se que a grande maioria das vacas sofre contaminação bacteriana do útero entre duas e três semanas após o parto, inclusive por bactérias associadas às doenças uterinas. Em um grande estudo de campo realizado recentemente, 37% de quase 1600 vacas de três propriedades apresentaram pelo menos um episódio de metrite, secreção vaginal purulenta (SVP) ou endometrite citológica.

Embora os riscos de doenças sejam indesejavelmente altos, menos da metade do total de vacas com contaminação bacteriana do útero logo após o parto desenvolve algum tipo de doença do sistema reprodutivo. Qual é então o fator que determina se uma vaca infectada vai desenvolver doença sistêmica ou mais sutil, ou progredir para uma involução normal, sem apresentar condições patológicas que possam prejudicar a fertilidade?

O papel do sistema imune na eliminação da contaminação uterina foi muito estudado. A maioria das vacas leiteiras apresenta depressão considerável da resposta imune por várias semanas próximas ao parto, atingindo o pico aproximadamente uma semana após a parição. Entretanto, dados recentes sugerem que a “capacidade fagocitária geral” (o produto da atividade, função e número de neutrófilos) não é tão afetada como se pensava.

As causas exatas da depressão imunológica em vacas no período de transição não são conhecidas, embora a queda do consumo de energia, vitaminas e minerais, e o balanço energético negativo, com mobilização de proteínas e gordura corporal no período periparto, sejam possíveis fatores predisponentes. Somam-se a esses as alterações drásticas dos níveis de progesterona e estrógeno no final da gestação, e o grande aumento transitório dos níveis de cortisol no momento do parto.

Os reflexos da lactação sobre os níveis hormonais e energéticos parecem ter efeito imunossupressor adicional. Vacas em balanço energético negativo mais intenso têm prejuízo maior, pelo menos de algumas funções imunes. Vacas com retenção placenta, metrite ou endometrite apresentam depressão mais precoce e profunda da imunidade inata, que precede a doença em várias semanas.

 

Conceitos emergentes sobre infecção e inflamação do trato reprodutivo

Sabe-se que a secreção vaginal purulenta está associada a reduções consideráveis do desempenho reprodutivo subsequente. Acreditava-se que a secreção encontrada na porção cranial da vagina ou, com menor frequência, na vulva ou na cauda, resultasse da endometrite. Entretanto, recentemente, mostrou-se uma concordância apenas razoável entre SVP e endometrite, definida por citologia uterina. Isso leva à especulação da origem do pus na vagina, que nem sempre vem do útero. De acordo com dados recentes, a cervicite, embora possa acompanhar a endometrite, é uma condição à parte, associada tanto à queda isolada como somada do desempenho reprodutivo.

A metrite e a endometrite têm relação com a infecção uterina por E. coli na primeira semana após o parto, e a SVP tem relação com a infecção por A. pyogenes que persiste além de duas a três semanas após o parto. Entretanto, existem dados conflitantes em relação à associação entre infecção bacteriana e endometrite citológica.

Dados de um trabalho mostraram que o tratamento antibiótico preventivo no momento do parto é capaz de reduzir a prevalência de SVP, mas não de endometrite citológica cinco semanas após o parto. No mesmo estudo, a prevalência de SVP foi três vezes maior (15 contra 5%) em vacas com retenção de placenta, distocia ou parto gemelar, mas a prevalência de endometrite citológica foi a mesma (13%) entre os grupos. A relação entre a presença de bactérias no útero e a inflamação endometrial foi descrita, mas não bem esclarecida; há indícios de que a inflamação endometrial possa persistir após a obtenção de cultura bacteriana negativa.

Aparentemente, a inflamação endometrial é parte inevitável e necessária da involução, mas a sub-regulação da resposta imune algumas semanas após o parto é importante. A inflamação exacerbada, mesmo na primeira semana pós-parto, parece estar associada à inflamação deletéria e persistente um mês mais tarde .Não se sabe se a inflamação excessiva ou persistente é provocada pelo tipo (espécie, cepa ou fatores de virulência) ou quantidade de bactérias, ou por influências genéticas ou metabólicas sobre a função imune e a sua regulação, ou por ambos.

Embora os fatores de risco e a fisiopatologia da SVP e da endometrite citológica tenham alguns pontos em comum, o trauma do tecido uterino e cervical, e as infecções bacterianas parecem ter maior influência sobre a SVP, enquanto a regulação da resposta imune parece ter papel mais importante na endometrite citológica. Tais hipóteses requerem maiores investigações do ponto de vista fisiológico e em condições de campo.

A endometrite diagnosticada por citologia uterina é comum e prejudica consideravelmente o desempenho reprodutivo. É consenso que a presença de mais de 5 a 8% de neutrófilos em um esfregaço endometrial, quatro a cinco semanas após o parto, é indicativa de um nível indesejável de inflamação. Entretanto, é possível que nem todas as inflamações uterinas verificadas três a cinco semanas após o parto (coincidentes com o término da involução uterina macroscópica) sejam indesejáveis. É interessante notar que, em um estudo baseado na observação de 201 vacas do mesmo rebanho, submetidas à citologia com escova ginecológica (cytobrush), quatro horas após a primeira IA (mediana = 78 d pós-parto), a chance de prenhez naquela IA foi significantemente menor (39%) nas vacas que não apresentaram neutrófilos do que naquelas com 1 a 15% de neutrófilos (58%). As vacas com mais de 15% de neutrófilos não diferiram estatisticamente das vacas que não apresentaram polimorfonucleares. Esses dados sugerem que, assim como nas éguas, a inseminação das vacas provoca uma reação inflamatória mais fisiológica do que patológica.

Sa?o Joa?o 076.jpg (714 KB)

Tratamento das doenças do trato reprodutivo

Há evidências sólidas de melhora do desempenho reprodutivo em vacas com secreção vaginal purulenta  tratadas com uma única infusão intrauterina (IU) de cefapirina, aproximadamente um mês antes da primeira inseminação, em relação a vacas não tratadas.

A infusão intrauterina de ceftiofur, aproximadamente seis semanas após o parto, realizada entre duas injeções de prostaglandina, a intervalos de duas semanas, reduziu a prevalência de infecções uterinas bacterianas por E. coli de 10 para 2%, e a de infecções por A. pyogenes de 6 para 1%, em vacas com SVP, mas não melhorou a probabilidade de prenhez mediante IA em tempo determinado com protocolo de pré-sincronização (protocolo “Presynch”). Inesperadamente, no mesmo estudo, apenas 14% das vacas com SVP apresentaram bactérias na cultura uterina realizada no momento do diagnóstico. Esses dados reforçam a hipótese de uma associação fraca ou da ausência de associação entre endometrite citológica e infecção uterina bacteriana.

De acordo com diversos estudos mais antigos, o emprego de uma ou duas injeções de prostaglandina F2 alfa (PGF) pode melhorar o desempenho reprodutivo ou proporcionar resultados clínicos semelhantes aos obtidos com o uso de antibióticos intrauterinos. Entretanto, em estudos com vacas portadoras de fatores de risco, ou com endometrite, a PGF não foi capaz de melhorar o desempenho reprodutivo, embora muitos desses estudos careçam de definições válidas de casos, potência estatística, ou ambos.

Recentemente, realizou-se um ensaio clínico com mais de 2000 vacas, incluindo 600 vacas com SVP, endometrite citológica ou ambas, aleatoriamente designadas para receber PGF nas semanas cinco e sete do pós-parto, ou para não receber PGF. De forma geral, e nas vacas com doença do trato reprodutivo, não houve diferença no intervalo até a prenhez entre as vacas tratadas e não tratadas.

De forma geral, a cefapirina IU parece ser benéfica nos casos de SVP (que podem estar associados à cervicite ou endometrite), mas a PGF, que é rotineiramente usada, não. Embora exista um estudo relatando benefícios da PGF e da cefapirina IU para o desempenho reprodutivo, em relação à ausência de tratamento, faltam pesquisas de testes diagnósticos rápidos, que possam ser feitos “ao pé da vaca”, assim como de tratamentos para a endometrite citológica. O desenvolvimento de tais tratamentos requer uma melhor compreensão dos fatores que desencadeiam e mantêm a inflamação endometrial, embora a investigação de abordagens anti-inflamatórias também seja digna de atenção.

 

Prevenção das doenças do trato uterino

Atualmente, existem poucas práticas de manejo e intervenções voltadas especificamente para a prevenção da metrite e da endometrite. Com base no conhecimento atual dessas doenças, o objetivo geral é dar suporte e manter a imunidade inata, reduzindo assim o risco de que a inflamação e a contaminação bacteriana, que são inevitáveis após o parto, progridam para metrite, endometrite ou cervicite.

O balanço energético negativo exacerbado, as concentrações circulantes excessivas de ácidos graxos livres e a resistência excessiva à insulina contribuem para um estado de inflamação metabólica (“meta-inflamação”) que pode prejudicar a função dos neutrófilos.

À fim de investigar a hipótese de que a redução da carga de possíveis patógenos bacterianos no útero, imediatamente após o parto, poderia reduzir o risco de doença uterina, foi feito recentemente um grande ensaio clínico. Mais de 1000 vacas com risco de doença uterina (com retenção de placenta, distocia ou parto gemelar) foram designadas aleatoriamente para receber tratamento com antibiótico de longa duração (uma injeção de ceftiofur na forma de ácido livre cristalino), supostamente eficiente contra E. coli, A. pyogenes e outras bactérias anaeróbias relevantes, ou para não receber tratamento. Observou-se reduções condicionais e modestas na incidência de metrite, e redução geral significativa da prevalência de SVP (de 28% para 20%), cinco semanas após o parto.

Novos estudos são necessários para melhor identificação de critérios de seleção para tratamento metafilático de vacas contra doença uterina e de tratamentos que resultem em maior redução da incidência de metrite ou endometrite.

Embora não recomende-se o tratamento preventivo à base de antibióticos, resultados reforçam a ideia de que o grau ou a natureza da contaminação bacteriana que ocorre logo após o parto seja um dos fatores envolvidos na ocorrência de metrite e SVP um mês mais tarde. Por outro lado, a função imune inata parece ser ainda mais importante na determinação da saúde do trato reprodutivo.

 

Conclusões

A infecção e a inflamação do útero e da cérvix afetam aproximadamente uma em cada três vacas leiteiras, com impactos consideráveis sobre a probabilidade e o momento da prenhez.

Apesar da existência de ferramentas diagnósticas e critérios bem validados para determinação da SVP e da endometrite citológica, e de tratamentos eficientes para a SVP, há muito a aprender sobre os fatores que desencadeiam e mantêm a inflamação deletéria do trato reprodutivo. Tal informação se faz necessária para o desenvolvimento de tratamentos contra as diversas formas de doença e, principalmente, para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, envolvendo a genética, a farmacologia, a nutrição e o manejo.

A vacinação contra patógenos uterinos específicos e as intervenções voltadas para a modulação da resposta imune inata parecem particularmente dignas de investigação. No momento, acredita-se que as boas práticas de manejo, recomendadas para vacas no período de transição, sejam úteis na redução do risco de doenças reprodutivas. 

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados