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Processamento de dados e suporte para tomada de decisão

Processamento de dados e suporte para tomada de decisão

Texto: Luigi Francis Lima Cavalcanti e Marcelo Neves Ribas

 O aumento exponencial de dados coletados, automaticamente, por dispositivos eletrônicos, traz como consequência direta a geração de grandes conjuntos de dados. Para que esta coleta tenha significado, a massa de dados deverá ser cuidadosamente analisada e interpretada, chegando assim às informações de interesse.

 

A pecuária de precisão baseia-se, intrinsicamente, na coleta de dados, de maneira refinada, com maior frequência e de forma mais automatizada possível. Esse processo intenso tem como consequência, imediata, a geração de bancos de dados, que devem ser interpretados, eficientemente, com o intuito de prover aos usuários suporte para tomadas de decisão. Caso este objetivo final (i.e., embasar tomadas de decisão) não se torne possível, corre-se o sério risco de invalidar ou tornar obsoletas todas as etapas anteriores e, dessa forma, todo o esforço desprendido desde a identificação do problema, passando por desenvolvimento de sensores e algoritmos que consigam monitora-los, até a geração da informação em si, podem ter sido em vão. Embora este objetivo seja claro, alcança-lo não é tarefa simples e implica alto custo associado a investimento em tempo, experimentação, desenvolvimento e aplicação de tecnologias e recursos humanos qualificados.

Esta revisão tem como o objetivo central descrever, de forma generalizada, independentemente do tipo de sensor ou utilidade de dispositivos, as etapas consecutivas à coleta de dados, caracterizando o desenvolvimento de algoritmos, processamento dos dados, e geração de informações que darão suporte para tomadas de decisão.

 

Geração e coleta de dados

O advento do fenômeno conhecido como “internet das coisas” resultou em uma geração exponencial de dados, consequência da popularização de dispositivos capazes de gera-los.

No âmbito da pecuária leiteira, seguindo a mesma tendência, algumas tecnologias de Pecuária de Precisão passaram a ser adotadas corriqueiramente por fazendas brasileiras: ordenhadeiras mecânicas, que registram produção e condutividade elétrica do leite produzido pelos animais; balanças de passagem que estimam o peso vivo dos animais, bem como as variações de peso ao longo do tempo; sensores de atividades que, a partir da contagem de passos, detectam animais em estro. Outras tecnologias de precisão estão sendo desenvolvidas e avaliadas em centros de pesquisa e precisam de um maior tempo de maturação para que sejam adotadas em propriedades comerciais, como sensores que registram consumo de alimentos e água, comportamento alimentar, frequência cardíaca e respiratória, temperatura corporal, pH ruminal, atividade e posição dos animais, dentre outros.

 

Extração do conhecimento

O aumento exponencial de dados coletados, automaticamente, por dispositivos eletrônicos, traz como consequência direta a geração de grandes conjuntos de dados. Para que esta coleta tenha significado, a massa de dados deverá ser cuidadosamente analisada e interpretada, chegando assim às informações de interesse.

O diagrama apresentado na figura 1 resume as etapas do fluxograma denominado Extração do Conhecimento (do inglês, Knowledge Discovery in Database ou KDD). Como pode ser observado, a primeira etapa consiste em retirar do banco de dados os fragmentos ou subsets de interesse. No caso da pecuária de precisão, essa etapa é crucial, pois favorecerá o processo de integração dos dados brutos. É muito comum que os dados sejam coletados por diferentes dispositivos, e, muitas vezes, esses sensores são produzidos por diferentes fabricantes. Nesse sentido, a seleção passa a ser essencial, uma vez que cada dispositivo irá retornar diferentes arquivos, com diferentes formatos e com padrões diferentes de unidade (e.g., padrões de data/horário: padrão americano - mês/dia/ano versus brasileiro – dia/mês/ano). Como exemplo, podemos citar o caso de sensores que produzem séries temporais (i.e., dados em função do tempo) para comportamento (e.g., pedômetros) e sensores para condições atmosféricas (i.e., temperatura, umidade, etc). Nesse exemplo, muitas vezes, o pesquisador almeja correlacionar eventos climáticos com possíveis respostas animais. Esse tipo de integração requer que os dados coletados, por ambos os sensores, estejam contidos em um mesmo conjunto de dados, devidamente indexados e sincronizados. A indexação se refere à identificação dos dados, ou seja, em nosso exemplo, certo dado foi obtido pelo pedômetro, que estava vestido no animal “A” no horário “X”. Nesse mesmo horário “X”, o sensor 2 coletava dados relativos ao clima em que o animal “A” estava submetido. Esse tipo de integração se torna mais complexa com o aumento da quantidade de dispositivos envolvidos, e como efeito colateral torna-se mais susceptível a erros. Como exemplos dessa vulnerabilidade, um cadastro incorreto de um animal em uma das plataformas pode causar o não casamento de dados, por outro lado, a assincronia dos relógios dos sensores pode gerar atribuições indevidas (e.g., para um outro animal ou outro evento que não os que originaram o dado coletado). Para esses casos, cabe ao analista conscientizar a equipe de campo sobre a responsabilidade da qualidade de coleta de dados e exigir que a mesma saiba manusear e utilizar corretamente todos os dispositivos. Falhas nesse nível podem inviabilizar todas as etapas posteriores.

Após a seleção dos dados, procede-se ao pré-processamento dos mesmos. Essa etapa é marcada pelo ajuste de variáveis, transformações de unidades, identificação de dados faltantes, eliminação de dados ruidosos e identificação de outliers. Muitos equipamentos possuem algoritmos internos (i.e., não completamente controlados pelo usuário) que se destinam a realizar esse tipo de pré-processamento. Embora este procedimento automatizado reduza o trabalho do analista e, frequentemente, torne os dados mais limpos, pode mascarar falhas dos sensores ou, muitas vezes, dificultar o casamento e integração da informação com outros dispositivos. Cabe aqui salientar que os dados podem ser de qualquer natureza, incluindo imagens, que podem ser pré-processadas para obtenção de dados, como biometria animal, temperatura (câmeras de infravermelho), etc. Esse tipo de procedimento foi, por exemplo, utilizado para determinação da angulação de dorso de vacas ao se locomoverem com o intuito de predizer escores de claudicação.

As etapas seguintes do fluxograma do KDD, tal qual em sua essência, não são muito comuns na pecuária de precisão. Elas consistem da formatação e mineração de dados, cujo objetivo é buscar padrões no banco.

Como pode ser percebido, as análises acima dependem da integração de muitas variáveis, e até então poucos trabalhos avaliaram essas técnicas no âmbito da pecuária leiteira, usando dados não completamente coletados automaticamente e com sucesso questionável. A maioria dos dispositivos encontrados no mercado para detecção ou auxílio no manejo sanitário de rebanhos leiteiros falham no quesito integração de dispositivos. Nesse contexto, o diagrama proposto na Figura 2 é mais coerente com o que atualmente ocorre com os dados obtidos na pecuária de precisão leiteira.

 

Captura de tela 2016-10-04 a?s 14.39.30.png (92 KB)

 

Captura de tela 2016-10-04 a?s 14.43.37.png (132 KB)

 

O processo de geração de suporte para tomadas de decisão, a partir de dados coletados automaticamente por um sensor, pode ser dividido em quatro estágios. No primeiro estágio ou nível, o sensor captura dados à partir de um animal ou do ambiente. No próximo nível, os dados gerados são interpretados, e um status é gerado, ou um valor é computado (e.g., o animal está em estro). O final da etapa 2, no fluxograma em questão, é caracterizado pela síntese da informação em si, objetivo similar ao processo de KDD. Os níveis 3 e 4 são relativos à tomada de decisão, e serão abordados no próximo tópico.

 

Tomada de decisão

Modelos de suporte a tomadas de decisão (DSS, do inglês decision supporting systems) têm como objetivo principal assistir o usuário durante a solução de problemas cotidianos, muitas vezes subestimados quanto à sua complexidade. O uso desses modelos traz como benefício simplificar ou apontar soluções mais eficientes para se atingir um ou mais objetivos concomitantes. O cenário da pecuária leiteira é demasiadamente complexo, e uma miríade de forças são impostas simultaneamente ao sistema (e.g., sustentabilidade social, econômica e ambiental), tornando humanamente impossível maneja-lo ao ponto de atender, de forma equilibrada, a todas essas demandas. Agrava-se, neste cenário, o fato de que os níveis de um sistema são altamente integrados, e interações diversas podem ocorrer, de forma que uma decisão tomada em um nível pode causar distúrbios nos demais. Esse tipo de cenário é altamente propício para aplicação de DSS; todavia, na pecuária leiteira, a adoção dessas ferramentas é muito baixa.

A falha na integração de dispositivos é recorrente entre os produtos disponíveis no mercado, e é uma das queixas de fazendeiros que limitam a adoção da pecuária de precisão.

Do ponto de vista estatístico, o processo de suporte a tomadas de decisão é uma evolução da clássica abordagem da modelagem preditiva, uma vez que o intuito é gerar opções a partir das predições e informações geradas a priori, demonstrando os possíveis impactos advindos das decisões tomadas. Esse tipo de técnica é denominado modelagem prescritiva, uma vez que o sistema irá prescrever soluções e atitudes a serem tomadas e, em algumas situações, poderá ele mesmo tomar a decisão diretamente. Esse tipo de situação somente é possível para sistemas altamente sensíveis e específicos, pois para algumas decisões, erros podem ser inviáveis e drásticos. Na pecuária de precisão, exemplos de sistemas prescritivos automatizados podem ser citados, como aqueles nos quais os animais, baseado em dados coletados por dispositivos, são colocados em uma lista para apartação, e ao passarem por um corredor (e.g., brete) são automaticamente apartados por portões eletrônicos, ou ao menos são identificados por painéis eletrônicos, sirenes, ou algo do tipo, para que o usuário saiba que aquele animal demanda atenção.

Na pecuária de precisão, exemplos desse nível de integração e fluxo bidirecional entre dispositivos e algoritmos em funcionamento ainda são muito raros.

 

Exploração das informações

Em cenários de alta complexidade, como o manejo de atividades leiteiras, por mais que dados sejam coletados automaticamente, modelos preditivos e prescritivos atuem eficientemente e soluções sejam propostas, faz-se essencial o desenvolvimento de ferramentas adequadas para visualização dos dados e interação entre homem e máquina. A evolução acelerada dos dispositivos pessoais portáteis, como tablets e smartphones, aproximou bastante as aplicações e ferramentas da informática com seus usuários, de forma que muitas pessoas se mantêm conectadas a internet ou redes pessoais 100% do dia. Esse fenômeno é altamente favorável à pecuária de precisão, contudo é essencial, principalmente em telas pequenas como a dos dispositivos móveis, que a informação seja apresentada da forma mais concisa possível, fomentando rápida interpretação e interação intuitiva. Criar interfaces entre máquina e humano é um desafio muito grande, e muitos profissionais da área da ciência da informação têm se especializado nessa área que requer, não só habilidade com os dados em si, mas também conhecimento de design, entre outras disciplinas.

Surge nesse contexto a utilização de ferramentas visuais denominadas dashboards. Esse termo, que quer dizer "painel de avião", foi figurativamente adotado por cientistas da comunicação, pois resume o objetivo de seu emprego na visualização de dados, visto que o piloto de avião tem de ter disponível aos olhos, ainda que em frações de segundo, todas as informações necessárias para pilotar a aeronave, principalmente em momentos de emergência, para que possa tomar as decisões cabíveis.

Segundo Stephen Few, especialista da área da tecnologia da informação, a maior parte dos dashboards desenvolvidos para empresas, falham em passar a informação, muitas vezes por design pobre, outras por focar em informação não necessária para o monitoramento.

Na pecuária de precisão, dashboards têm de ser desenvolvidos para trazer ao usuário as notificações, alertas e status de forma clara e direta. Devem, além disso, ser personalizáveis, de acordo com o perfil do usuário, visto que, a depender do mesmo, diferentes tomadas de decisão deverão ser propostas, assim como as atitudes a serem tomadas. Esse tipo de ferramenta ainda é escassa no mercado, e a maior parte dos softwares trabalha com relatórios tradicionais, que requerem muitas vezes interpretação excessiva dos usuários.

 

Considerações finais

A pecuária de precisão envolve mensurações, predições e análise de dados de variáveis dos animais e do ambiente, permitindo um extraordinário fluxo de informações coletadas automaticamente, gerando uma infinidade de possibilidades de controle e intervenções que são impossíveis dentro dos sistemas tradicionais de produção.

Apesar de estar em fase inicial de desenvolvimento e adoção, o avanço tecnológico em diversas áreas tem permitido que novos sensores e equipamentos cheguem à pecuária com custos cada vez mais acessíveis. Entretanto, para que estas novas tecnologias possam auxiliar a rápida tomada de decisões pelos produtores, os dados registrados precisam ser devidamente interpretados por softwares e modelos matemáticos, sendo imprescindível a interdisciplinaridade no desenvolvimento de novas ferramentas úteis ao setor produtivo.

A aplicação destas novas tecnologias pode gerar grandes modificações dentro da cadeia produtiva, com a criação de novos setores de serviço, novas demandas pelos consumidores, rastreabilidade dos produtos, melhoria na eficiência do uso de recursos, aumento no bem-estar animal e das pessoas que trabalham nas fazendas, redução do impacto ambiental e maior lucro e sustentabilidade do sistema. Em um futuro muito próximo, a pecuária de precisão mudará a maneira como rebanhos leiteiros serão gerenciados.

 

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