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Qualidade e segurança

Embora seja a principal estratégia de manejo para garantir o sucesso da criação de bezerras, a colostragem pode representar riscos para a biosseguridade das fazendas leiteiras.

Qualidade e segurança

Edição #96 - Março/2017

QUALIDADE E SEGURANÇA

Embora seja a principal estratégia de manejo para garantir o sucesso da criação de bezerras, a colostragem pode representar riscos para a biosseguridade das fazendas leiteiras.

INTRODUÇÃO

O fornecimento de colostro de alta qualidade é o fator mais importante capaz de influenciar a transição bem-sucedida de uma bezerra recém-nascida em uma unidade produtiva eficaz. Discutiremos brevemente a contribuição do colostro como fonte imediata de energia prontamente disponível, essencial para a sobrevivência da bezerra durante as primeiras horas de vida, seu papel como transferência da proteção imunológica materna, para prevenir doenças nas primeiras semanas de vida, e o impacto que as boas práticas de manejo do colostro têm sobre a produtividade de longo prazo das novilhas.

A colostragem é inegavelmente benéfica, porém a contribuição da mesma na transmissão de doenças é muitas vezes esquecida. Por isso, neste artigo, será dada uma ênfase especial na importância do manejo da colostragem na biosseguridade de fazendas leiteiras.

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Foto: A probabilidade de transmissão de doenças será, significativamente, reduzida, se a bezerra for imediatamente separada da mãe e receber o colostro por meio de mamadeira

BENEFÍCIOS DO COLOSTRO

A bezerra recém-nascida precisa de nutrientes prontamente disponíveis, que possam ser usados como substratos imediatos para suas necessidades metabólicas. Um colostro de boa qualidade fornece gorduras altamente digestíveis e de rápida utilização metabólica, juntamente com níveis mais baixos de outros componentes, que são substratos-chave para a gliconeogênese e para a síntese proteica.

Outro papel fundamental do colostro é gerar calor no organismo do animal. A temperatura corporal de uma bezerra recém-nascida aumenta em 15%, uma hora após o consumo de colostro.

Os substitutos do leite, mesmo aqueles com níveis semelhantes de gordura, não conferem status metabólico semelhante ao colostro, demonstrando que suas propriedades são únicas.

No início da vida, a proteção contra agentes infecciosos é totalmente dependente da transferência passiva de anticorpos da mãe. Assim, a ingestão de colostro durante as primeiras horas de vida é o único meio de propiciar a transferência de imunidade passiva, essencial para proteger a recém-nascida, até que ela seja capaz de produzir respostas imunológicas secundárias eficazes.

As boas práticas de manejo do colostro também têm mostrado influência sobre os parâmetros de produtividade de longo prazo. Em um estudo, níveis mais altos de IgG em bezerras recém-nascidas foram correlacionados com maior produção de leite na primeira lactação. Nesse trabalho, estimou-se que, para cada unidade de IgG sérica acima de 12 mg/mL (medida entre 24 e 48 horas após o fornecimento do colostro), houve um aumento de 8,5 Kg na produção de leite e de 0,24 Kg na produção de gordura na primeira lactação. Essa observação foi confirmada por um estudo mais recente, que mostrou que bezerras alimentadas com 4 litros de colostro ao nascer produziram, significativamente, mais leite (uma média de 1 kg de leite a mais por dia, durante duas lactações) do que os grupos alimentados com 2 litros. Qual é o impacto econômico? Neste estudo, em particular, as bezerras que receberam 4 litros de colostro produziram 1.026 kg de leite a mais no final da segunda lactação.

DESAFIOS DE BIOSSEGURIDADE

Neste artigo, vamos definir a biosseguridade como práticas de manejo implementadas para prevenir a propagação de agentes infecciosos em um rebanho. Com base nesta definição, é geralmente aceito que as práticas relacionadas à maternidade e criação de bezerras (vacas pós-parto e bezerras recém-nascidas) apresentam o primeiro e maior desafio de biosseguridade para as fazendas leiteiras. O risco de transmissão de doenças da mãe para o recém-nascido é claramente influenciado pela famosa tríade epidemiológica (hospedeiro – ambiente – agente infeccioso). Esta tríade é fortemente influenciada pelos fatores de criação e manejo, e reconhecer como essas práticas afetam cada componente desta tríade é importante, porque elas representam a fonte de oportunidades para reduzir o risco de infecções para a recém-nascida.

O parto e o período pós-parto inicial proporcionam aos patógenos grandes oportunidades para entrar em um novo hospedeiro. Quanto maior o contato da recémnascida com o ambiente dos animais adultos, como as áreas da maternidade, maior será a oportunidade de transmissão de doenças. De fato, o USDA relata que as bezerras jovens têm taxas mais altas de morbidade e mortalidade do que qualquer outra faixa etária em uma fazenda leiteira. Além disso, estudos demonstraram redução da incidência de doenças em bezerras deixadas com suas mães por menos de 2 horas, possivelmente devido à menor exposição a agentes infecciosos na maternidade.

Prolongar o tempo de manutenção da bezerra com a mãe, aumenta o risco de infecção por Cryptosporidium e doenças respiratórias. Estudos mostram que a chance de óbito aumenta quando as bezerras permanecerem com a vaca por mais de 24 horas.

Além da contaminação ambiental, o próprio colostro pode ser uma fonte significativa de infecção por agentes infecciosos que persistem nos rebanhos leiteiros. A presença de patógenos no colostro pode ocorrer por transmissão direta dentro da glândula mamária de uma vaca infectada ou por contaminação do colostro com fezes, urina e/ou outras secreções.

Assim, o colostro tem o potencial de ser contaminado com qualquer patógeno presente na fazenda e, em alguns casos, a infecção das bezerras pode ser parcialmente responsável pela manutenção da transmissão da doença no rebanho. Boas práticas de higiene e saneamento durante a ordenha do colostro, certamente, reduzirão o risco de contaminação por alguns agentes infecciosos, mas não têm efeito sobre o risco de transmissão de patógenos que podem ser secretados pela glândula mamária, incluindo Mycobacterium avium subsp. paratuberculosis (MAP, o agente causal da Doença de Johnes), Salmonella spp., Mycoplasma bovis, Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus e Streptococcus agalactiae, vírus da Diarreia Viral Bovina e da Leucose Bovina, dentre outros. Em países onde a tuberculose e a brucelose não foram erradicadas, o colostro também pode ser uma importante fonte de transmissão de Mycobacterium bovis e Brucella abortus.

Para enfatizar como as práticas de manejo de colostro mal feitas aumentam os riscos de transmissão de doenças para a recém-nascida, e porque mudanças nessas práticas podem reduzir a prevalência de infecções no rebanho, precisamos descrever dois conceitos epidemiológicos básicos. O primeiro conceito-chave em epidemiologia, que nos ajuda a entender a transmissão de doenças, é conhecido como a razão reprodutiva básica R0 (R Zero). R0 é definido como o número esperado de infecções secundárias provenientes de um único indivíduo, durante todo um período infeccioso, numa população de indivíduos suscetíveis.

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Foto: A temperatura corporal de uma bezerra recém-nascida aumenta em 15%, uma hora após o consumo de colostro.

Em outras palavras, é a média de animais suscetíveis que são infectados por cada animal infectado. Esta é uma medida da facilidade de transmissão de um agente infeccioso. Por exemplo, o R 0 para uma doença como a Rinotraqueite Infecciosa Bovina (IBR), causada pelo herpes vírus bovino tipo 1, em um rebanho leiteiro é de cerca de 7, o que significa que, em circunstâncias normais, um animal infectado é capaz de infectar 7 animais susceptíveis. Se o R 0 pode ser reduzido para menos de um, eventualmente, o agente será erradicado do grupo. O objetivo das estratégias de biosseguridade para doenças infecciosas é reduzir o R0 para abaixo de um e, se possível, zero.

O termo “Imunidade do Rebanho” é o segundo conceito epidemiológico que ajuda a compreender a importância de se fornecer colostro de alta qualidade a todas as bezerras recém-nascidas, o mais rapidamente possível. A transmissão da maioria dos agentes infecciosos não continuará, dentro de um grupo de animais expostos, se a proporção de indivíduos resistentes nesse grupo estiver acima de um limiar. Este limiar depende do agente e dos fatores que influenciam a probabilidade de transmissão, tais como a contaminação ambiental, a densidade animal e a dose de desafio. No caso do recém-nascido, esta resistência é devida à imunidade passiva (anticorpos adquiridos) proporcionada pela IgG presente no colostro. As bezerras que não são alimentadas com quantidades adequadas de IgG sofrem de uma condição clínica conhecida como “Falha de transferência de imunidade passiva” (FPT). Se a prevalência de FPT em um grupo de bezerras for baixa, a proporção de animais suscetíveis à infecção será baixa, reduzindo assim o R0 potencial de um dado agente infeccioso. 

AS PRÁTICAS RELACIONADAS À MATERNIDADE E À CRIAÇÃO DE BEZERRAS APRESENTAM O PRIMEIRO E MAIOR DESAFIO DE BIOSSEGURIDADE PARA AS FAZENDAS LEITEIRAS

PRÁTICAS DE MANEJO PARA MELHORAR A BIOSSEGURIDADE

Como dito anteriormente, quanto mais tempo as bezerras permanecem com suas mães, maior a oportunidade de transferência direta e imediata de um agente infeccioso, a partir de um animal infectado (mãe), para um animal suscetível (bezerro recémnascido). Isto pode ocorrer através de gotículas provenientes da tosse ou urina, por contato direto, durante comportamentos sociais, como a lambida, e/ou pela mamada. A probabilidade da transmissão de doenças será, significativamente, reduzida se a bezerra for imediatamente separada da mãe e receber o colostro por meio de mamadeira.

Conforme mencionado acima, infelizmente, o colostro, em si, pode ser uma fonte de infecção, e a única maneira de garantir que a bezerra não seja infectada por patógenos que têm o potencial de serem secretados no colostro, é tendo certeza de que o mesmo não está contaminado. Existem, concebivelmente, duas maneiras de verificar se o colostro está livre desses patógenos: coletá-lo de vacas que são conhecidas por não estarem infectadas ou usar colostro que tenha sido tratado termicamente para destruir patógenos. O teste individual de vacas para uma grande quantidade de agentes patogênicos é caro e impraticável. A segunda alternativa é mais viável, e já mostrou ser eficaz. Já foi demonstrado que a pasteurização é praticável na fazenda, usando um método de baixa temperatura, por mais tempo (60°C por 60 minutos). Muitas fazendas, estão adotando esta tecnologia com diferentes graus de sucesso. A pasteurização mantém a atividade de IgG e as características do colostro, eliminando ou reduzindo significativamente agentes patogênicos importantes, incluindo E. coli, Salmonella spp, Mycoplasma bovis e MAP. É importante salientar que a pasteurização reduz as contagens bacterianas, mas não esteriliza o colostro. Se o colostro estiver muito contaminado, a pasteurização pode não matar todos os patógenos presentes. Além disso, o equipamento deve ser cuidadosamente mantido e rotineiramente calibrado, para garantir a qualidade do processo de pasteurização. Infelizmente, não há nenhum teste que possa ser feito nas fazendas para avaliar a carga microbiana ou a quantidade de IgG antes e depois da pasteurização. Assim, a qualidade e segurança do colostro, ainda permanecem incertas.

A única maneira de eliminar esta incerteza é usando suplementos comercialmente disponíveis, produzidos com colostro natural, e licenciados por agências reguladoras federais. Um estudo recente demonstrou uma redução significativa no risco de transmissão da MAP em bezerras alimentadas com suplemento de colostro comercial, quando comparadas com aquelas alimentadas com colostro materno cru.

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Foto: As boas práticas de fornecimento do colostro têm um grande impacto sobre a produtividade de longo prazo das novilhas.

Estes resultados demonstraram que o fornecimento de um substituto comercial do colostro pode ser uma estratégia efetiva de atenuação do risco de transmissão da doença. É razoável presumir que o fornecimento de colostro não contaminado poderia reduzir o risco de transmissão de muitas outras doenças.

A outra abordagem para reduzir a R0 de agentes infecciosos é ter um rebanho com imunidade alta. No caso de bezerras recém-nascidas, isto só pode ser conseguido com práticas eficazes de fornecimento de colostro, para assegurar que a maioria das bezerras tenha níveis eficazes de transferência passiva de anticorpos. Infelizmente, as práticas atuais de manejo do colostro ainda são muito deficientes em todo o mundo, e a prevalência de FPT em fazendas continua alta. Em uma pesquisa realizada em 2007, a prevalência estimada de FPT em bezerras leiteiras, dos EUA, foi de 19,2%. É importante destacar que, neste estudo, a probabilidade de FPT foi maior para as bezerras amamentadas pelas mães (OR = 2,4), e que para aquelas que receberam o colostro mais de 4 h após o nascimento (OR = 2,7). A prevalência de FPT em bezerras tem sido associada ao aumento da morbidade e mortalidade neonatal e a diminuições de produtividade a longo prazo. As alterações no manejo para reduzir a prevalência de FPT (isto é, melhorar a resistência na população) conduzirão a um nível mais elevado de imunidade do rebanho, e terão como resultado uma redução na R0 da circulação de agentes infecciosos.

Para fornecer proteção contra infecções e, assim, sólida imunidade de rebanho, colostro em quantidade e qualidade adequadas deve ser consumido por todas as bezerras, o mais rápido possível após o nascimento (dentro de 1-2 horas), a fim de assegurar a transferência bem-sucedida de imunidade passiva. As bezerras devem receber um mínimo de 100 gramas de IgG1 no colostro, que deve ter uma concentração mínima de 50 gramas/L de IgG. O nível médio mínimo da concentração sérica de IgG, atualmente aceito no recém-nascido, após a ingestão de colostro, é de 10 gramas/L. Vale ressaltar que bezerras recém-nascidas expostas a situações de estresse, como temperaturas extremas, parto difícil, dentre outras, precisam consumir níveis mais altos de IgG, devido à reduzida eficiência de absorção. 

MANUEL CAMPOS DVM, MSc, PhD, Professor Adjunto no Department of Veterinary Microbiology, Western College of Veterinary Medicine, University of Saskatchewan, Saskatchewan, Canadá e Consultor de Imunologia para SCCL

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