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Gestão

Sol de primavera

Sol de primavera

As mudanças são constantes e necessárias para a evolução de qualquer atividade. Com as grandes transformações ocorridas na atividade leiteira nas últimas três décadas, temos hoje um novo cenário, no qual cada elo dessa complexa cadeia deve buscar eficiência para se manter em atividade.

 

A atividade leiteira tem passado por grandes transformações nas últimas três décadas. Mudanças iniciadas no início dos anos 90, como a não interferência do estado na formação do preço pago ao produtor, que deu liberdade para que o mercado ditasse as regras do setor, abriram as porteiras para o desenvolvimento da cadeia produtiva do leite.

A partir desse novo cenário, cada elo dessa complexa cadeia deveria buscar eficiência para se manter em atividade. A indústria foi rápida, a chegada do leite longa vida às prateleiras dos supermercados, fato que alterou significativamente o hábito de consumo do brasileiro, trouxe ao conhecimento da população o leite em uma embalagem moderna e que garantia vida longa a um produto até então perecível.

Através de uma bem-sucedida estratégia de marketing, que ia desde comerciais com crianças vestidas de mamíferos que encantavam os consumidores em horário nobre, até grandes investimentos no futebol, o leite se popularizou.

Usar o futebol, um esporte até então incompatível com o produto, como ferramenta para divulgar uma marca de leite, parecia uma ideia sem cabimento, tudo levava a crer que a estratégia seria um grande fracasso, porém não foi isso o que se viu. Apesar de arriscada, a iniciativa foi um sucesso, a ponto de que o time patrocinado pela Parmalat, principal marca de leite da época, que amargava um jejum de quase vinte anos sem ganhar nenhum título significativo no futebol, foi campeão estadual e brasileiro no ano seguinte.

Ainda dentro das quatro linhas, a Batavo, outra marca muito conhecida e respeitada, foi a patrocinadora da camisa do Corinthians nos títulos de campeão brasileiro no ano de 1999, do mundial da Fifa de 2000 e da copa do Brasil em 2009, expondo cada vez mais a marca para o Brasil e o mundo. A estratégia de valorização das marcas de leite deu certo, maior prova disso foi o crescimento do consumo de produtos lácteos, apontado por todos como um dos gargalos para o desenvolvimento da atividade no país. No momento do pontapé inicial dado naqueles já distantes anos 90, o consumo per capta do leite estava estacionado ao redor dos 100 kg/hab/ano, de lá para cá o crescimento do consumo acelerou, chegando a 174 kg/hab/ano em 2014, fazendo do leite um produto cada vez mais comum na mesa do brasileiro. O leite passou, ainda, por outras transformações nesse período, a qualidade, a constância e o volume da matéria-prima produzida passou a ter interferência no preço recebido pelo produtor e grandes empresas sugiram, brigando por um mercado cada vez mais competitivo e exigente.

Grande parte dessas mudanças por que passou a atividade leiteira nos últimos anos foram abordadas pelo corintianíssimo Prof. Vidal Pedroso de Faria nos editoriais da revista Balde Branco.

De 1992 a 2015, mensalmente, eram abordados com clareza e profundidade ímpar cada ponto de importância da produção de leite, principalmente aqueles capazes de influenciar a melhoria da renda e da qualidade de vida do produtor rural, esse que sempre recebeu especial atenção nos editoriais escritos pelo professor. Em 2016, todos esses editoriais foram compilados em uma coletânea de três volumes, intitulada “Pensando o Leite”, e que pode ser baixada gratuitamente via internet no site da Faerj – Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Estado do Rio de Janeiro no endereço http://sistemafaerj.com.br/noticia/download-dos-livrospensando-o-leite/.

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Nos seus mais de 50 anos militando no ensino, pesquisa e extensão, abordando temas de grande importância na produção e gestão da atividade leiteira, Prof. Vidal contribuiu de maneira decisiva para o estabelecimento de padrões e de conceitos fundamentais para que técnicos e produtores pudessem enxergar a produção de leite pelas lentes da eficiência zootécnica e do sucesso econômico da atividade, nos convidando sempre a deixar para trás a miopia das crendices e da tradição atrelada ao atraso tecnológico de grande parte das fazendas leiteiras no Brasil.

Nesta coluna, e no trabalho diário da Cooperideal, temos nos apoiado nos ombros desse gênio da raça, buscando, dentro das limitações de meros alunos diante de um grande mestre, discutir como tais conceitos se comportam e podem ser manipulados no dia a dia da fazenda produtora de leite.

Para tanto, apresentaremos a seguir alguns conceitos e índices relacionados à eficiência econômica e zootécnica da atividade leiteira, já apresentados neste espaço em outras ocasiões, mas que são fundamentais para a gestão eficiente da produção de leite.

 

  • Estruturação do Rebanho - % de vacas na composição do rebanho: Diagnósticos realizados em várias regiões do Brasil descrevem o excesso de animais improdutivos como um dos principais problemas da atividade leiteira no país. Entende-se por improdutivos todos os animais que permanecem sem produzir leite na fazenda, machos e fêmeas em crescimento, reprodutores e vacas secas. Enquanto fazendas leiteiras de países como a Nova Zelândia possuem 100% de vacas em seus rebanhos, mantendo os animais para reposição em outras propriedades especializadas na recria, no Brasil as fazendas de leite dificilmente possuem mais de 50% de vacas na composição do rebanho, e quando se considera a porcentagem de vacas que estão produzindo na fazenda, esta porcentagem cai para menos de 40% do total de animais mantidos na propriedade. Um rebanho pode ser considerado bem estruturado quando possuir entre 60 e 70% de vacas em sua composição, sendo que dessas, 80 a 85% deverão estar em produção no decorrer do ano. O restante do rebanho (de 30 a 40%) deverá ser composto por bezerras e novilhas.

Uma maior participação de bezerras e novilhas na estrutura aumenta o ritmo de crescimento do rebanho, porém reduz o potencial de geração de renda da propriedade em função da menor participação de vacas no processo produtivo, além de aumentar os custos do sistema pela maior participação de animais em crescimento, que promovem despesas e não geram renda imediata. Nessas condições, com uma taxa de mortalidade de fêmeas nascidas menor que 3% e com novilhas parindo ao redor dos 24 meses, é possível uma taxa de reposição ou de crescimento do rebanho superior a 25%. Tomemos como exemplo um rebanho estruturado com 64% de vacas na sua composição, sendo o restante, 36%, composto por bezerras e novilhas. Do total de vacas do rebanho, neste caso, 83% estão em lactação na média do ano, mantendo assim um rebanho com 53% de vacas em lactação em sua composição (83% de vacas em lactação x 64% de vacas no rebanho). Em uma estrutura como esta, com animais tendo o primeiro parto aos 24 meses, os 36% de animais em crescimento permitiriam uma reposição de 28% ao ano (equivalente a 18 animais entrando em produção anualmente em um rebanho com 64 vacas). Vale lembrar que quanto maior a longevidade das vacas do rebanho, normalmente superiores a 5 lactações em propriedades onde os animais são mantidos a pasto na maior parte do tempo, menor será a taxa anual de reposição do rebanho.

É importante ressaltar que o trabalho de estruturação do rebanho na propriedade procura ajustar a proporção das categorias animais, de maneira que a propriedade possa priorizar a geração de renda na atividade. É necessário que a propriedade tenha vacas em lactação o suficiente para que a renda gerada possa pagar as despesas operacionais da propriedade, garantir sobra de renda ao produtor, permitir investimentos e ainda disponibilizar recursos para a recria e futura reposição ou aumento do rebanho. O produtor não tem, necessariamente, que manter um rebanho estruturado na fazenda, principalmente em períodos em que se busca a expansão do rebanho, mas ele tem que estar ciente das implicações econômicas que tal estratégia traz sobre a condução da atividade.

 

  • VL/ha (vacas em lactação por hectare): Esse índice é composto pela participação de uma série de outros índices e seu valor encerra todas as perdas ou ganhos obtidos por eles, tendo grande impacto sobre o resultado econômico da propriedade. Por ser obtido de maneira simples (divisão do número médio de vacas em lactação no período pela área utilizada) esconde sua grande complexidade. A estruturação do rebanho (participação adequada do número de vacas em relação às demais categorias do rebanho), a melhoria na reprodução e qualidade produtiva dos animais (fatores que atuam no aumento da % de vacas em lactação na fazenda) e maior eficiência no uso da terra (aumento da capacidade de suporte na propriedade pela maior produção de forragem), permitem grandes saltos em produção e geração de renda nas propriedades leiteiras.

Exemplo disso é o que se viu no Sítio Machado, atendido pela Cooperideal no município de Planalto, na região Sudoeste do Paraná. A manipulação dos fatores citados acima permitiu que a propriedade saísse de 1,48 vacas em lactação por hectare em 2007 (11,9 vacas em lactação ÷ 8,0 hectares da propriedade) para 3,93 vacas em lactação por hectare atualmente (31,5 vacas em lactação ÷ 8,0 hectares). Se considerarmos a diferença de 2,45 vacas entre um período e outro, é possível conhecermos o impacto que essa estratégia teve sobre a geração de renda na fazenda.

Com 2,45 vacas a mais por hectare, a renda acrescida no último período de 12 meses no Sítio Machado foi de R$ 170.515,59 (2,45 vacas/ha x 8,0 ha x 22,7 litros/vaca em lactação x R$ 1,05 [preço médio do leite no último período na propriedade] x 365 dias), o que equivale a um acréscimo de R$ 21.314,48 de receitas para cada um dos oito hectares de área total da propriedade, demonstrando o impacto impressionante causado por este índice na geração de renda da propriedade. O gráfico 1, que relaciona a produção de leite com os incrementos no índice VL/ha no Sítio Junqueira, outra propriedade assistida pela Cooperideal no Paraná, dessa vez no município de Santo Antônio da Platina, demonstra claramente os reflexos da melhoria desse índice com o aumento do volume de leite produzido na fazenda. De maneira geral, é possível se pensar em mais de 4 vacas em lactação por hectare em sistemas intensificados, desde que se trabalhe com bons índices reprodutivos e rebanhos bem estruturados. O valor obtido por este índice, quando multiplicado pela produção média das vacas em lactação do rebanho, resulta na produtividade do sistema.

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A melhoria dos índices zootécnicos, quando obtida de maneira planejada e coerente, normalmente se traduz em bons resultados econômicos. Os dois índices analisados anteriormente atuam na estrutura produtiva da fazenda, permitindo aumento efetivo da participação de animais produtivos no sistema. Animais em produção é que garantem a sustentabilidade econômica do sistema produtivo, permitindo ao produtor pagar as despesas operacionais da propriedade, fazer os investimentos necessários, gerar sobra sufi ciente para pagar depreciações, remunerar o capital investido e obter lucro. A avaliação da situação econômica da propriedade pode ser feita pela análise de uma série de indicadores, dois deles são abordados a seguir:

 

  • Fluxo de Caixa Anual: As palavras do Prof. Vidal Pedroso de Faria evidenciam a importância do fluxo de caixa para a atividade leiteira: “fluxo de caixa é um índice que revela de que maneira o dinheiro é aplicado, e quando existe falta de conhecimento do significado de gasto produtivo, gasta-se sem racionalidade em custeio e investimentos e não se obtém alteração no dinheiro que sobra, seja na forma de margem bruta ou fluxo de caixa.

Muitas vezes os gastos irracionais estão relacionados com aplicação de ‘tecnologia de ponta’ sem retorno em curto prazo. Um bom fluxo de caixa é o sonho de todo produtor, porque viabiliza o processo produtivo sob o ponto de vista operacional e, em minha opinião de não economista, é o fundamento para a sustentabilidade da atividade porque permite enfrentar períodos de ‘vacas magras’”. O fluxo de caixa, ou sobra financeira, representa o valor que efetivamente fica no bolso do produtor, sendo calculado pela diferença entre o volume de todas as receitas (venda de leite, venda de animais, etc.) e todos as desembolsos (pagamento de despesas de custeio e pagamento de investimentos) da atividade na fazenda.

Durante a avaliação da situação financeira da fazenda, o produtor pode se deparar com a perigosa situação de falta de recursos sufi cientes para cobrir o pagamento de despesas e/ou pagamento de investimentos feitos no passado, mas cujas parcelas estão sendo pagas neste momento, caracterizando assim uma situação de Fluxo de Caixa negativo.

Tal situação exige ações que favoreçam o aumento da renda e/ou que reduzam os gastos com despesas operacionais da fazenda. Ações de curto prazo, voltadas para o aumento imediato da renda gerada na fazenda, normalmente estão relacionadas à identificação e descarte de animais problemáticos ou improdutivos.

Este é um bom momento para a melhoria da qualidade do rebanho através do descarte de vacas com problemas reprodutivos, de baixa persistência de lactação, de baixa produção, com problemas recorrentes de mastite, casco etc. Ações relacionadas à estruturação do rebanho, capazes de promover a adequação da quantidade de animais em crescimento em relação ao total de vacas da fazenda, também permitem a imediata geração de renda pela venda do excesso de animais em crescimento e também atuam na redução de custo de produção pela diminuição de gastos com animais que ainda não geram renda para a atividade.

A adequação das despesas operacionais em relação à renda gerada pela atividade permitirá a obtenção de sobra financeira na fazenda; é necessário, porém, que o produtor identifique com precisão quais pontos devem ser atacados e estabeleça uma lista de prioridades nesse processo de adequação de gastos. Em relação à realização de investimentos, ação também de impacto direto sobre o valor de fluxo de caixa da fazenda, é preciso que o produtor esteja atento ao direcionamento desses recursos, pois a falta de critério na sua aplicação afeta de maneira significativa o resultado econômico do negócio. Quando o investimento é feito de maneira racional, no sentido de eliminar gargalos e no momento certo, o dinheiro aplicado contribui diretamente para uma maior geração de renda; porém, quando é feito sem critérios específicos, em instalações e maquinário superdimensionados ou pouco utilizados, acabam por aumentar as despesas da fazenda com manutenções e depreciações, além de aumentar o valor do capital empatado na atividade.

A eficiência na realização dos gastos é um dos motivos que explicam a melhoria do fluxo de caixa da fazenda. Produtores que têm na atividade leiteira sua única fonte de renda devem trabalhar sempre com fluxo de caixa positivo, sob pena de não obterem recursos suficientes para a manutenção de suas despesas pessoais.

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  • R$ Investidos/litro de leite produzido:

Um ponto importante a ser considerado no momento da escolha da atividade a ser implementada, ou na avaliação do desempenho da atividade já existente na fazenda, é o nível de investimentos necessários para a produção de determinado volume de leite. No cálculo desse investimento devem ser computados os valores investidos em terra, animais, instalações e máquinas.

Fazendas com excesso de investimentos em fatores imobilizados e não produtivos, com aproveitamento inadequado do potencial da terra disponível para a atividade e com um rebanho não especializado e/ou desestruturado, tendem a colocar um grande peso sobre os custos de produção da atividade.

O índice “Reais Investidos/Litro Produzido” pode nos ajudar a avaliar com exatidão como está o nível de investimento feito na atividade em relação ao volume de leite produzido pela fazenda. A divisão do patrimônio da atividade (soma COLUNA GESTÃO de todos os investimentos com terra, animais, máquinas e instalações) pela produção média diária da fazenda resultará no valor investido para cada litro de leite produzido na atividade. Valores para este índice, quando superiores a R$ 1.500/litro, indicam possíveis excessos de investimentos em relação ao volume de leite produzido (comunicação pessoal, Prof. Vidal Pedroso de Faria), demonstrando haver espaço para melhoria da produção sem necessidade de aumento de investimento. Em regiões onde os preços de terras são mais altos, este fator representa a maior parte do investimento na atividade, havendo uma necessidade maior de eficiência no seu uso, de maneira a propiciar aumentos de produtividade e, assim, diminuir seu impacto sobre os custos da atividade.

Uma das implicações do excesso de investimentos por litro de leite produzido será o alongamento do tempo necessário para que o capital investido retorne para o bolso do produtor; outro ponto negativo poderá ser o aumento nas despesas operacionais pelos gastos com manutenção de máquinas e instalações oriundos destes investimentos. Em regiões onde não ocorre uma valorização tão grande do patrimônio, em especial da terra, e se aplicam conceitos de intensificação e estruturação do sistema produtivo, os valores investidos por litro de leite produzido tendem a se estabilizar com valores entre R$ 500,00 e R$ 700,00.

As mudanças são constantes e necessárias para a evolução de qualquer atividade. Na produção de leite, essas mudanças ocorridas nas últimas décadas expurgaram um grande contingente de produtores que se negaram a aceitar e a se adequar às exigências desses novos tempos da atividade. Porém, para aqueles que perseveraram, que acreditaram e que trabalham incansavelmente por melhorias, o futuro que se apresenta é claro, como um sol de primavera!

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