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Manejo, Nutrição, Sanidade

Entenda mais sobre a cetose e saiba manter o equilíbrio energético nos animais

A cetose, doença metabólica que ocorre devido ao acúmulo excessivo de corpos cetônicos no organismo, resultante do balanço energético negativo, provoca prejuízos significativos na saúde e na produtividade das vacas leiteiras

Entenda mais sobre a cetose e saiba manter o equilíbrio energético nos animais

Com o avanço das últimas décadas, grandes progressos têm sido feitos em relação aos desafios da produtividade leiteira. As fazendas mais produtivas adotaram intensificações nos diversos eixos de manejo, incluindo nutrição, sanidade dos rebanhos, status reprodutivo e gestão de pessoas, entre outros. No entanto, alguns fatores são mais difíceis de controlar, como alinhar a capacidade produtiva da vaca aos limites do seu corpo.

Sem dúvida, um dos momentos mais desafiadores para os animais de alta produção e, em consequência, para o trabalho de médicos veterinários e produtores, é o período de transição. Esse período é caracterizado pela mudança da vaca de um estágio gestante e não lactante para um estágio não gestante e lactante, abrangendo os 21 dias antes do parto até os 21 dias após o parto.

Nesse período, muitas mudanças ocorrem no organismo da vaca. Como resultado, animais até então saudáveis podem desenvolver uma variedade de doenças, incluindo retenção de placenta, infecções uterinas e redução do cálcio circulante, resultando em hipocalcemia, entre outras. A ocorrência dessas e outras doenças geralmente está interligada e é decorrente do intenso desafio metabólico enfrentado pelas vacas nesse momento. É comum que as vacas, em meio a esse desafio, precisem acumular certos substratos energéticos para atender às demandas metabólicas. Um dos principais substratos energéticos são os chamados corpos cetônicos. As vacas que acumulam e aumentam a concentração de corpos cetônicos desenvolvem a cetose.

Características da cetose

À medida que se aproxima a data do parto, a vaca reduz a ingestão de alimentos, enquanto a demanda por nutrientes aumenta para o feto, para a síntese de colostro e a lactação que virá. A redução no consumo é causada por fatores como a menor capacidade do rúmen devido à presença do feto, além de efeitos hormonais e comportamentais. Assim, o animal enfrenta uma ingestão baixa com alta demanda, caracterizando um balanço nutricional negativo, ou seja, gasta mais do que consome.

Nesse estado, a vaca adota estratégias para obter os nutrientes necessários, especialmente energia e minerais como o cálcio. Inicialmente, ela utiliza a glicose já disponível no sangue. No fígado e nos músculos, as reservas de glicose (glicogênio) são quebradas para aumentar a disponibilidade de glicose na circulação.

Em ruminantes, a disponibilidade de glicose é menor do que em monogástricos, como cavalos, cães e humanos. Isso ocorre porque microrganismos no rúmen convertem grande parte da glicose em ácidos graxos voláteis (acetato, propionato e butirato), que são absorvidos e convertidos em glicose no fígado por gliconeogênese, a síntese de glicose a partir de outros precursores.


Manejo nutricional adequado é essencial para prevenir a cetose e garantir a saúde do rebanho.

Para compensar o déficit energético, o animal mobiliza gordura corporal e aminoácidos das proteínas musculares. A gordura é quebrada em ácidos graxos, que são transportados ao fígado e convertidos em energia por enzimas hepáticas. No entanto, a capacidade do fígado de transformar ácidos graxos em energia é limitada. Quando o organismo continua a quebrar gordura, duas situações podem ocorrer: os ácidos graxos se acumulam no fígado, resultando na síndrome do fígado gorduroso, ou são convertidos parcialmente em corpos cetônicos (acetoacetato, acetona e β-Hidroxibutirato), que, em excesso, levam à cetose. Por isso, a doença recebe esse nome.

A cetose resulta do acúmulo de corpos cetônicos devido ao balanço nutricional negativo, especialmente energético. Embora as causas exatas ainda não sejam completamente claras, o controle da mobilização de gordura é regulado por hormônios como a insulina, que limita a lipólise (quebra de gordura) e estimula a lipogênese (síntese de gordura). Animais no período de transição têm baixo nível de insulina circulante e alta resistência à insulina, aumentando a lipólise e a concentração de corpos cetônicos.

Para a síntese do leite, a glândula mamária necessita de glicose para produzir lactose. Portanto, a glândula mamária é grande consumidora de glicose, resultando em menores níveis circulantes e exigindo a mobilização das reservas corporais. A lactação, especialmente no início, é um grande fator de risco para a cetose.

Durante o período de transição, a vaca enfrenta um processo inflamatório sistêmico devido a doenças e processos fisiológicos, como a involução uterina, desafiando o sistema imunológico. As células de defesa, que dependem de glicose, têm sua atividade intensificada durante a inflamação, aumentando a demanda por glicose e energia, frequentemente obtida pela mobilização das reservas corporais.

Como identificar a cetose

A cetose pode se manifestar de forma clínica ou subclínica. A cetose clínica ocorre quando a concentração de corpos cetônicos excede a concentração de glicose no sangue, podendo atingir maior gravidade em situações de desequilíbrio hormonal acentuado. Nesse momento, o animal pode manifestar sinais mais evidentes de balanço energético negativo e síndromes digestivas. É comum observar perda de peso no início da lactação, redução na produção de leite, diminuição da taxa de fertilidade, maior chance de descarte, entre outros. Além disso, o rúmen funciona menos, a temperatura corporal pode estar mais baixa, pode haver odor de acetona no hálito ou no leite, e é comum que a vaca apresente ritmo cardíaco e respiração mais lentos do que o normal, além de desidratação (olhos fundos, pele com pouco turgor). De forma menos comum, o desbalanço da glicose pode ser tão avançado que resulta em distúrbios nervosos, como excitação, fraqueza ou dormência nos membros. Em casos mais graves, esses animais apresentam comportamentos como mastigação a vazio, perda de visão, ranger de dentes, vocalização e salivação excessiva. Em razão disso, essa síndrome também é conhecida como cetose nervosa.

A cetose subclínica, por sua vez, é uma condição mais comum, podendo afetar de 7,5% a 14% das vacas em lactação. Essa manifestação é também denominada fase latente e é caracterizada por não apresentar sinais clínicos tão visíveis quanto a cetose clínica, sendo marcada por uma redução na produção de leite, alteração na composição do leite, com aumento de gordura e queda de proteína, menor eficiência reprodutiva, entre outros. Além disso, a cetose subclínica é reconhecida por aumentar a predisposição à ocorrência de outras doenças do período de transição, como metrite, deslocamento de abomaso e desenvolvimento de lesões no casco.

QUANDO O ORGANISMO CONTINUA A QUEBRAR GORDURA, DUAS SITUAÇÕES PODEM OCORRER: OS ÁCIDOS GRAXOS SE ACUMULAM NO FÍGADO, RESULTANDO NA SÍNDROME DO FÍGADO GORDUROSO, OU SÃO CONVERTIDOS PARCIALMENTE EM CORPOS CETÔNICOS (ACETOACETATO, ACETONA E Β-HIDROXIBUTIRATO), QUE, EM EXCESSO, LEVAM À CETOSE

Uma das principais formas de diagnóstico da cetose é por meio do monitoramento dos níveis de corpos cetônicos no sangue, na urina ou no leite. O monitoramento utilizando amostras de sangue é o mais comum e permite diagnosticar de forma mais precoce. Existem aparelhos e testes rápidos que podem ser aplicados a campo com este fim. Os valores usados como ponto de corte para cetose clínica e subclínica podem variar, mas geralmente, valores superiores a 1,2 – 1,4 mmol/L de BHB sanguíneo indicam cetose subclínica e valores superiores a 3,0 mmol/L de BHB no sangue, acompanhados de sinais clínicos, são preditores de cetose clínica.

O monitoramento de corpos cetônicos na urina também é bastante eficiente, fácil e prático, mas deve ser realizado rapidamente após a coleta, pois essas substâncias cetônicas são muito voláteis e uma demora pode afetar os resultados. Em ruminantes, um nível normal de BHB na urina seria entre 1 a 3 mg/dL. Em animais com cetose subclínica, esses níveis ficam entre 10 a 15 mg/dL. Em animais com a forma clínica, os corpos cetônicos totais estão em torno de 15 mg/dL e corpos cetônicos urinários acima de 80 mg/dL. Vale ressaltar que uma opção ainda mais prática e barata são as tiras reagentes, que indicam de forma simples a excreção de corpos cetônicos na urina, com variações na sensibilidade e especificidade dos testes, dependendo do fabricante da fita.

UMA DAS PRINCIPAIS FORMAS DE DIAGNÓSTICO DA CETOSE É POR MEIO DO MONITORAMENTO DOS NÍVEIS DE CORPOS CETÔNICOS NO SANGUE, NA URINA OU NO LEITE 

Sentindo no bolso

A cetose, seja na sua forma clínica ou subclínica, está associada à diminuição da produção leiteira, menor desempenho reprodutivo, abate precoce e maior probabilidade de provocar outras desordens no rebanho. A quantificação dos custos permite que proprietários e médicos veterinários tomem decisões mais precisas quanto à prevenção e ao tratamento dessa condição.

O acúmulo de corpos cetônicos provoca degeneração a nível de oócitos, induzindo a morte das células que compõem esses oócitos. Como resultado, ocorrem perda de fertilidade, aumento do período de serviço e maior número de inseminações necessárias. Todos esses fatores refletem em um desempenho produtivo inferior. Além disso, vacas com altos níveis de corpos cetônicos circulantes têm maior predisposição para desenvolver cistos ovarianos, que atrasam a reprodução e podem levar ao descarte, além de gerarem custos com tratamento, incluindo medicações e serviços veterinários.

Um estudo produzido na Holanda, em 2020, considerou os custos das perdas devido à diminuição na produção de leite, crias vendidas, tratamento, manejo de bezerras, abate e nutrição dos animais para calcular os valores envolvidos. Como resultado, em casos subclínicos, as perdas foram estimadas em uma média de 173 litros de leite por lactação, com um custo total médio, incluindo a perda de receita, de R$ 830,00 por caso. Já para cada caso clínico, o custo total foi estimado em R$ 3.900,00.


O que fazer?

Conforme mencionado, tanto a cetose clínica quanto a cetose subclínica podem representar prejuízos à saúde e ao desempenho produtivo dos animais. Sendo assim, a implementação de estratégias de tratamento e prevenção é fundamental. Uma forma eficiente de manejo é a detecção precoce de animais acometidos por meio do monitoramento frequente do rebanho de vacas gestantes no periparto (cerca de três semanas antes do parto até três semanas após o parto) por meio da dosagem de corpos cetônicos séricos.

Estudos recentes têm demonstrado que animais de alta produção podem desenvolver cetose na segunda semana de lactação sem comprometimento da produção leiteira. Dessa forma, a cetose na segunda semana de lactação pode ser um indicativo de vacas de alta produção. Todavia, caso as vacas apresentem-se hipercetonêmicas na primeira semana de lactação, isso tem sido associado a efeitos indesejáveis, impactando negativamente a saúde e a produção leiteira. Por isso, o manejo nutricional é fundamental para a prevenção da severidade dos quadros de cetose. A promoção de dietas com energia controlada, que forneçam um bom aporte de aminoácidos e vitaminas sem deprimir o consumo, pode mitigar o efeito do balanço energético negativo.

Além disso, é importante evitar que as vacas entrem no periparto com um escore de condição corporal (ECC) superior a 4, pois vacas obesas possuem altos níveis do hormônio leptina. Isso leva a uma redução mais abrupta do consumo, intensificando o balanço energético negativo. Ainda, estudos demonstraram que o uso de aditivos ionóforos, como a monensina sódica, também é uma forma eficaz de prevenção da cetose, já que modulam o metabolismo do animal, ocasionando mudanças na fermentação, na velocidade de passagem e na população microbiana. Isso se dá pela diminuição da perda de energia por meio da metanogênese e pelo aumento da produção de propionato via fermentação ruminal.

No que diz respeito ao tratamento de animais já acometidos, a administração lenta de soluções glicosadas a 50% por via intravenosa é um método amplamente utilizado, visando aumentar a concentração de glicose sérica, fornecendo o substrato necessário para a síntese de lactose e diminuindo o uso de reservas corporais. Em contrapartida, existem pesquisas sonbre o uso de glicocorticoides no tratamento da cetose, pois eles podem reduzir a síntese de lactose e diminuir a demanda energética (os glicocorticoides impedem a captação de aminoácidos pela glândula mamária e pela musculatura, deixando-os disponíveis para a gliconeogênese). No entanto, o uso de glicocorticoides não é recomendado devido à imunossupressão causada em um momento tão delicado quanto o período de transição.


O período de transição, que vai de três semanas antes até três semanas após o parto, é crítico para a saúde do animal. Monitoramento rigoroso durante esse período é essencial para prevenir a cetose e garantir alta produtividade.

O tratamento de eleição é a administração via oral de 250 mL de propilenoglicol por cinco dias. O uso do propilenoglicol tem sido uma das abordagens mais comuns, pois ele é capaz de fornecer substratos que serão convertidos no rúmen e utilizados pelo animal para a síntese de glicose (gliconeogênese).

Por fim, estudos demonstraram que o uso de vitaminas do complexo B, em especial a cianocobalamina (Vitamina B12), tem efeitos benéficos para vacas com cetose. Acredita-se que o uso de B12 em associação com o propilenoglicol melhora a eficiência de conversão da glicose, maximizando a capacidade gliconeogênica do animal.

Em suma

Em suma, a acetonemia causa grandes perdas econômicas para a pecuária leiteira, podendo se manifestar de forma clínica e subclínica. Além disso, a prevenção por meio de um manejo nutricional adequado para vacas em transição, a detecção precoce do acometimento e o tratamento correto de casos clínicos são grandes aliados na prevenção da cetose no rebanho e na mitigação dos prejuízos resultantes.


Autores:

ENZO FREIRE SANTANA DO AMARAL - Graduando em Medicina Veterinária, UFMG 

DIEGO LUIZ DA CRUZ - Graduando em Medicina Veterinária, UFMG

GIAN CARLOS DE OLIVEIRA - Mestrando em Ciência Animal, UFMG

JOÃO LUÍS BATISTA DE JESUS Graduando em Medicina Veterinária, UFMG 

STELLA ASSUNÇÃO DE ALMEIDA COSTA - Graduanda em Medicina Veterinária, UFMG 

TIAGO FACURY MOREIRA Professor de Medicina Veterinária, UFMG 


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