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Qualidade do Leite

Fatores que alteram a estabilidade do leite

Fatores que alteram a estabilidade do leite

Texto: Cristian M. de Magalhães, Marcos V. dos Santos

Foto: Weizur do Brasil

O termo “estabilidade do leite” refere-se à resistência relativa do leite em suportar o tratamento térmico industrial sem sofrer coagulação. O leite com baixa estabilidade térmica pode coagular durante o processo de pasteurização ou UHT, aderindo-se aos equipamentos de processamento, o que resulta em elevação dos custos de limpeza e aumento no descarte de leite.

Introdução

Para a produção de derivados lácteos com alta qualidade e maior segurança alimentar para o consumidor final, é importante que o setor produtivo e as indústrias de processamento tenham conhecimento da composição, grau de contaminação e estabilidade do leite. A composição e estabilidade do leite são importantes para destinar a matéria prima para o processamento mais adequado e evitar problemas durante a industrialização e armazenamento dos derivados lácteos.

O termo “estabilidade do leite” refere-se à resistência relativa do leite em suportar o tratamento térmico industrial sem sofrer coagulação. O leite com baixa estabilidade térmica pode coagular durante o processo de pasteurização ou UHT, aderindo-se aos equipamentos de processamento, o que resulta em elevação dos custos de limpeza e aumento no descarte de leite. Desse modo, para estimar a estabilidade e acidez do leite nas propriedades, antes do carregamento para a indústria, é utilizado o teste do álcool ou alizarol (solução alcoólica com alizarina), cujos procedimentos são regulamentados pela Instrução Normativa Nº 62 (IN 62).

 

Fatores que afetam a estabilidade do leite

Alterações na estabilidade do leite na prova do álcool são descritas em diferentes regiões do mundo e do Brasil. A estabilidade do leite no teste do álcool tem um sentido prático e, em princípio, é utilizada para detectar amostras de leite com alta contaminação bacteriana devido a más condições de higiene e de conservação durante a produção primária, o que causa menor estabilidade durante o tratamento térmico. Isso ocorre devido a queda de pH pela formação de ácido lático, em decorrência da degradação de lactose por bactérias mesófilas, o que altera a estabilidade das micelas de caseína do leite, tornando-as instáveis quando em contato com o álcool; ou pela degradação da caseína por bactérias psicrotróficas.

A estabilidade do leite durante o tratamento térmico ou no teste do álcool é regulada pelas micelas de caseína (proteínas lácteas), devido à desnaturação das proteínas. Essas micelas são compostas por subunidades proteicas (α, β, e ?-caseína) ligada a íons como o fosfato de cálcio. Estudos indicam que a estabilidade da caseína do leite está relacionada a mecanismos como pH, temperatura, adição de álcool, hidrólise enzimática da κ-caseína e excesso de íons de cálcio. Dentre os principais fatores que alteram a estabilidade do leite, e que não estão ligados ao pH, podemos destacar as subunidades da caseína e a concentração de cálcio iônico no leite:

• Subunidades da caseína: as α e β-caseínas são as frações que se apresentam em maior proporção entre as caseínas do leite, porém são hidrofóbicas (não se dissolvem na água) e sensíveis à presença de cálcio (um dos fatores que alteram a estabilidade do leite), o que pode levar à coagulação. Já a ?-caseína é a fração hidrofílica (estável na presença de água) da micela de caseína e estável na presença de íons de cálcio, que se projeta na parte externa da micela e reage com a água, impedindo a agregação das micelas por repulsão eletrostática. Portanto, a estabilidade da caseína depende da presença de ?-caseína, pois a mesma protege a região hidrofóbica da micela  da água e do cálcio solúvel. O teor de ?-caseína na micela pode ser influenciado pela degradação enzimática devido à contaminação microbiana, ou a fatores não relacionados à acidez do leite, como nutrição, ambiente e genética das vacas lactantes.

• Cálcio iônico: está relacionado positivamente com a prova do álcool. Cerca de 10% do cálcio total encontrado no leite está na fase iônica. Conforme pode ser visualizado na Figura-1, os íons de cálcio e fósforo atuam como adjuvantes, fazendo ligação entre as micelas de caseína. O equilíbrio da fase iônica de cálcio com a sua fase coloidal (associados a fósforo na micela de caseína) e solúvel (sais de cálcio) é determinante para a estabilidade do leite. As cargas das micelas de caseína são controladas pela quantidade de cálcio ligado e, consequentemente, pelo teor de cálcio livre no leite. Com o aumento de cálcio total no leite, aumenta a quantidade de cálcio ligado e reduz as cargas negativas das micelas, o que diminui a barreira energética para a coagulação. Quando o teor de cálcio é reduzido, ocorre aumento de cargas negativas das micelas e, como consequência, aumenta a repulsão entre elas, dificultando a coagulação. Portanto, amostras de leite instáveis ao teste do álcool (concentração de etanol de 75%) apresentam teores de cálcio iônico mais altos quando comparadas às estáveis.

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Alguns estudos indicam que há variações na estabilidade do leite relacionadas ao período do ano, à fase de lactação, e à variações genéticas. No entanto, na maioria das vezes, as alterações que melhor explicam a variação na estabilidade do leite são as nutricionais. Parte dos efeitos sazonais da estabilidade do leite pode ser associada com alterações na dieta das vacas, como a proporção entre alimentos volumosos e concentrados, e a composição nutricional desses alimentos, que varia conforme a época do ano.

Pesquisas realizadas na região sul do Brasil indicam que a restrição alimentar e o teor de energia da dieta influenciam na estabilidade do leite, sendo que vacas com restrição no consumo de matéria seca ou alimentadas com dietas de baixa energia produzem leite com menor estabilidade do que aquelas alimentadas de modo a atender as exigências de consumo de matéria seca e de energia para a produção de leite. Alguns resultados revelaram que a deficiência de nutrientes, pela redução do consumo ou pelo fornecimento de dietas pobres, pode reduzir o teor de ?-caseína do leite.

Já a concentração de íons de cálcio no leite pode ser modificada por meio da dieta como uma resposta à acidose metabólica. Semelhante ao que ocorre no período pré-parto com o fornecimento de dieta aniônica, durante a lactação o metabolismo do cálcio pode ser modificado pela ocorrência de acidose metabólica, alterando os níveis de cálcio no sangue e no leite por mecanismos que afetam a absorção intestinal, a reabsorção óssea e a excreção renal. Durante a lactação, a acidose metabólica pode ocorrer em decorrência da acidose ruminal, devido à alta ingestão de carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen, e/ou ao baixo fornecimento de fibra efetiva. Dessa forma, para avaliar, prevenir e controlar a ocorrência de leite com menor estabilidade, sem acidez adquirida, deve ser levado em conta o atendimento das exigências nutricionais das vacas e o controle de distúrbios digestivos, como a acidose ruminal.

Além da nutrição, deve-se considerar as variações do estágio de lactação das vacas, que também são responsáveis por variações na concentração de proteínas (fase inicial), de cátions bivalentes, proporção de ânions e equilíbrio salino que, possivelmente, afetam a estabilidade do leite.

Os resultados de pesquisas indicam que o início e o final da lactação das vacas são períodos mais propensos à produção de leite com menor estabilidade. Porém, ainda não foi determinado como ocorre essa influência na estabilidade das micelas de caseína.

O estresse térmico também pode alterar a estabilidade do leite, ocasionando acidose respiratória, em decorrência do aumento da ventilação (frequência respiratória) e, portanto, ser uma das razões para a produção de leite com menor estabilidade no período de temperaturas elevadas.

Desse modo, os mecanismos que afetam a repulsão eletrostática entre as micelas de caseínas do leite (cálcio iônico) e o teor de ?-caseína podem ser influenciados pela alimentação, estágio de lactação, e estresse térmico das vacas lactantes. Estes dois últimos fatores, também são variáveis que afetam o consumo de matéria seca dos animais, contribuindo para variação no atendimento das exigências nutricionais das vacas lactantes, e a ocorrência de acidose ruminal.

Ainda não existem estudos que mensurem o quanto cada variante (nutricional, ambiental e genético) influencia na estabilidade do leite e, dessa forma, medidas como descarte de animais e seleção de reprodutores ainda não podem ser recomendadas para melhorar a estabilidade do leite.

 

Composição e utilização do leite com baixa estabilidade

A composição química do leite com menor estabilidade (Tabela-1) não prejudica seu uso como alimento, pois apresenta apenas limitações quanto ao grau de tratamento térmico a ser aplicado durante o processamento.

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A maioria das amostras de leite com menor estabilidade, sem acidez adquirida, apresenta-se estável ao aquecimento e, portanto, o leite com estabilidade maior ou igual a 72% de álcool pode ser destinado a tratamentos térmicos menos agressivos, como a pasteurização. No entanto, também faltam estudos referentes ao destino do leite com baixa estabilidade para o processamento térmico de acordo com o grau de estabilidade (precipitação em determinadas concentrações de álcool) no teste do álcool, o que poderia evitar o descarte desnecessário de matéria prima que poderia ser utilizada para fabricação de derivados como o queijo, que sofre tratamento térmico menos agressivo (pasteurização).

Além dos estudos sobre os fatores que influenciam a estabilidade do leite e seu aproveitamento, deve-se considerar que os atuais testes de avaliação da estabilidade do leite, antes da coleta na fazenda, podem apresentar limitações. As indústrias de processamento necessitam de medidas rápidas, de baixo custo e confiáveis para recolhimento do leite nas propriedades e na plataforma de recebimento. Neste contexto, o teste do álcool ainda é uma boa alternativa. No entanto, ainda há controvérsias em relação à estabilidade do leite no teste do álcool e no tratamento térmico quando o mesmo não apresenta acidez elevada. O leite que precipita no teste do álcool, não necessariamente precipita nos tratamentos térmicos, e pode ser equivocadamente condenado na indústria.

Existem outros testes para estimar a estabilidade do leite no tratamento térmico, como o teste da fervura e o tempo de coagulação no tanque. Ambos apresentam baixa correlação com o teste do álcool. O tempo de coagulação consiste em elevar o leite em capilares de vidro (com dimensões pré-estabelecidas) a 140ºC, e registrar o tempo necessário para ocorrer à coagulação. Portanto, o leite que apresentar maior tempo é considerado mais estável.

Devido às dificuldades em estimar a estabilidade do leite por testes alternativos, e a crescente produção de leite em pó e leite longa vida (ambos tratados termicamente com elevadas temperaturas), as indústrias muitas vezes aumentam a concentração de etanol no teste do álcool para estimar uma maior estabilidade, o que pode agravar os prejuízos no setor primário, nas próprias unidades de processamento, e aumentar os riscos com contaminação ambiental devido ao descarte inadequado de leite por parte dos produtores.

 

Conclusões

A ocorrência de leite com baixa estabilidade representa prejuízos em todos os elos da cadeia produtiva do leite. Essa situação é agravada por lacunas no conhecimento das causas da modificação da estabilidade da caseína não relacionadas à acidez do leite, na utilização do leite com menor estabilidade por parte da indústria, e na própria identificação, na propriedade, de leite com menor estabilidade.

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