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Manejo, Sanidade

Saiba como mitigar a neosporose bovina e garantir a saúde do rebanho

Entenda como a conscientização, o manejo adequado e as estratégias de controle podem ajudar a mitigar a neosporose bovina e garantir a saúde e a produtividade do rebanho

Saiba como mitigar a neosporose bovina e garantir a saúde do rebanho

No cenário atual da pecuária leiteira, a importância da saúde animal é destacada em diferentes esferas, sobretudo no que diz respeito à garantia da eficiência reprodutiva, alicerce fundamental para manutenção da lucratividade e do constante desenvolvimento do setor. Entretanto, doenças que resultam em perdas reprodutivas, como a neosporose, configuram-se como desafios crescentes na atividade, gerando preocupação entre produtores e especialistas devido aos significativos prejuízos econômicos que acarretam à cadeia do leite. Nessa perspectiva, destacam-se, além dos custos gerados no diagnóstico e controle da enfermidade, o ônus gerado por desordens reprodutivas permanentes, como aumento da incidência de abortos, descarte prematuro de matrizes, aumento das taxas de reposição, irregularidade de ciclos estrais e falhas reprodutivas. Desse modo, esses impactos afetam diretamente a pecuária leiteira, pois estão intimamente associados com gastos excessivos e redução da produção leiteira.

A neosporose é uma doença parasitária causada pelo Neospora caninum, um protozoário intracelular amplamente difundido e prevalente nos rebanhos do mundo todo. Inicialmente, o protozoário foi identificado como um patógeno em cães e emergiu como causa significativa de aborto em bovinos no final da década de 1980. Desde então, tornou-se uma preocupação global na pecuária, especialmente devido aos desafios quanto à detecção e diagnóstico da doença nos rebanhos, bem como do combate à dinâmica de infecção dessa enfermidade. Assim como a brucelose, leptospirose, IBR (rinotraqueíte infecciosa bovina), BVD (diarreia viral bovina) e demais doenças reprodutivas, a infecção por N. caninum apresenta o aborto como sinal clínico mais frequente, o que torna o diagnóstico diferencial da neosporose, em casos de aborto sem diagnóstico definitivo, dificultado, uma vez que a doença não é incluída como rotina em exames laboratoriais e é pouco conhecida entre os produtores. Somado a esse desafio, a dinâmica da infecção produz latência (animais persistentemente infectados) e transmissão transplacentária, conferindo à neosporose uma condição de difícil visualização nas propriedades, pois a permanência de vacas soropositivas e assintomáticas no rebanho contribui para a disseminação silenciosa da doença.

Diante disso, a partir da conscientização sobre os riscos e os impactos que a neosporose acarreta à atividade leiteira, é fundamental estabelecer boas práticas de manejo que visem a redução da prevalência da doença e, consequentemente, redução dos prejuízos econômicos que as perdas reprodutivas provocam.

A PARTIR DA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE OS RISCOS E OS IMPACTOS QUE A NEOSPOROSE ACARRETA À ATIVIDADE LEITEIRA, É FUNDAMENTAL ESTABELECER BOAS PRÁTICAS DE MANEJO QUE VISEM A REDUÇÃO DA PREVALÊNCIA DA DOENÇA E, CONSEQUENTEMENTE, REDUÇÃO DOS PREJUÍZOS ECONÔMICOS QUE AS PERDAS REPRODUTIVAS PROVOCAM

Como ocorre a transmissão da neosporose?

O N. caninum possui três formas biológicas que podem ser transmitidas aos hospedeiros: taquizoítos (Figura 1), cisto tecidual e os oocistos, e um ciclo heteroxeno, ou seja, que necessita de dois hospedeiros para completar o ciclo biológico. Os canídeos, como os cães domésticos, o lobo cinzento e os coiotes, são hospedeiros definitivos do protozoário, pois eliminam o parasita nas fezes na forma de oocisto. Esses oocistos recém eliminados não são infectantes, entretanto, no meio ambiente, em condições adequadas de temperatura e umidade, se tornam capazes de infectar os animais, como os bovinos. Hospedeiros intermediários, como, equinos, gatos, galinhas, búfalos, bovinos, caprinos e ovinos, podem desenvolver cistos.


Taquizoítos de Neospora caninum 

A transmissão do parasita para os bovinos ocorre, portanto, por meio da ingestão de alimentos e água contaminados com o parasita na forma de oocistos, que são resistentes ao meio ambiente. Já os cães se infectam com a ingestão de cistos presentes nos tecidos, como placenta e anexos fetais, fetos e carcaças dos hospedeiros intermediários cronicamente infectados.

Sabe-se que a neosporose em bovinos possui duas formas de transmissão:

  • Transmissão horizontal: Ocorre por meio do consumo de água e alimentos contaminados pelos oocistos presentes nas fezes dos cães;
  • Transmissão transplacentária: Ocorre devido à recrudescência de cistos em vacas persistentemente infectadas, que transmitem o parasita aos fetos (ciclo endógeno); ou quando as vacas se infectam por meio da ingestão de água e alimentos contaminados por oocistos durante o período gestacional e transmitem o N. caninum ao feto (ciclo exógeno) (Figura 2).


Vias de transmissão do Neospora caninum 

Sabe-se que a principal manifestação clínica da neosporose é a ocorrência de abortos e mumificações em qualquer fase gestacional, apresentando-se com maior frequência no terço médio, entre o 5º e o 7º mês de gestação. No entanto, os impactos causados por essa enfermidade não se restringem apenas aos abortamentos. Podem ocorrer casos de natimortalidade e nascimento de bezerras fracas, com distúrbios de crescimento, comumente observados em casos de infecção congênita. Além disso, bezerras podem apresentar sinais de distúrbios neurológicos, pois o N. caninum pode afetar cérebro e vários outros órgãos, como coração e pulmões.

Vale ressaltar que, apesar de ocorrerem abortos, os animais persistentemente infectados podem dar origem a crias infectadas e assintomáticas. Esse mecanismo torna a neosporose uma doença silenciosa e de difícil detecção, até mesmo em rebanhos que adotam medidas sanitárias rigorosas, porque as bezerras atuam como reservatórios do parasita e, consequentemente, mantêm a doença nas propriedades leiteiras. Partindo deste pressuposto, nota-se que a persistência da infecção ao longo da vida do animal representa um importante pilar da neosporose bovina.

Deve-se destacar que o cão atua como fonte de eliminação do parasita no ambiente. Dessa maneira, a contaminação de água e alimentos pelas fezes caracteriza uma importante fonte de transmissão para os bovinos, embora a transmissão pós-natal seja considerada de baixa incidência.

Sabe-se ainda que, além da presença do agente causador, existem fatores que interferem na propagação da infecção e até na manifestação da doença. Nesse sentido, as diferenças genéticas dos animais, as práticas de manejo inadequadas e a má nutrição podem influenciar a suscetibilidade à infecção. Tal condição pode indicar desafios, especialmente para os pequenos produtores, que podem enfrentar dificuldades para implementar, por exemplo, práticas de biosseguridade adequadas.

Existe tratamento?

As grandes perdas econômicas têm sido incentivo para pesquisas que desenvolvam vacinas e estabeleçam tratamentos efetivos contra a neosporose bovina. No entanto, atualmente não há tratamento para os animais positivos devido a diferentes fatores, como o elevado custo e os resíduos de medicamentos em leite e carne. Paralelamente, as vacinas são reconhecidas como uma alternativa promissora para a prevenção de doenças. Contudo, para neosporose, os estudos têm demonstrado eficácia limitada e, atualmente, não existe nenhuma vacina comercialmente disponível.

Como são realizadas a prevenção e o controle?

Enfatiza-se a importância da prevenção e do controle por meio de medidas de manejo e biosseguridadae da propriedade, assim como a educação e a conscientização dos produtores sobre os riscos associados à infecção (Figura 3). Medidas como o armazenamento adequado de alimentos e a prevenção do acesso de cães ao rebanho, seja no galpão de ração, silos, piquetes, comedouro, bebedouro, ou a material bovino (carcaças, placentas, fetos abortados). Além disso, podem ser realizadas medidas direcionadas aos cães, incluindo o controle da população e o tratamento da infecção por N. caninum, diminuindo o risco de transmissão.

VALE RESSALTAR QUE, APESAR DE OCORREREM ABORTOS, OS ANIMAIS PERSISTENTEMENTE INFECTADOS PODEM DAR ORIGEM A CRIAS INFECTADAS E ASSINTOMÁTICAS. ESSE MECANISMO TORNA A NEOSPOROSE UMA DOENÇA SILENCIOSA E DE DIFÍCIL DETECÇÃO, ATÉ MESMO EM REBANHOS QUE ADOTAM MEDIDAS SANITÁRIAS RIGOROSAS

Medidas de prevenção e controle da neosporose em bovinos 

Deve-se realizar exames sorológicos nos bovinos para diagnóstico da enfermidade dentro do rebanho. Dentre os testes diagnósticos empregados, enfatiza-se a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e o teste imunoenzimático (ELISA), que identificam anticorpos contra o protozoário, além da PCR (reação em cadeia de polimerase), que identifica o agente. A identificação e o descarte de animais soropositivos do rebanho irão prevenir a transmissão endógena e, consequentemente, auxiliarão na redução da principal forma de manutenção da neosporose em rebanhos bovinos. Tal medida de controle envolve custos dos testes e de perdas em relação ao descarte do animal. Sendo assim, há fazendas que optam por uma “reprodução seletiva”, emprenhando apenas vacas soronegativas e induzindo a lactação nas soropositivas, diminuindo a propagação da doença.

Considerações finais

Em suma, apesar dos desafios apresentados pela neosporose bovina, é possível reduzir a incidência e mitigar os impactos negativos na produção leiteira com vigilância, manejo adequado, medidas profiláticas, eliminação ou reprodução seletiva baseada em testes diagnósticos e educação contínua. Ao adotar medidas preventivas e estratégias de controle, os produtores podem proteger a saúde dos animais e garantir e aumentar a rentabilidade do rebanho leiteiro.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelas bolsas concedidas - processo RED-00132-22.


Autores:

VITÓRIA EMRICH CANESTRI SANTOS - Graduanda do Curso de Medicina Veterinária, Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras, UFLA 

ANA CAROLINA CHALFUN DE SANT’ANA - Graduanda do Curso de Medicina Veterinária, Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

ANA FLÁVIA MINUTTI - Pós-doutoranda do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

LUIZ DANIEL DE BARROS - Professor Adjunto do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

ANDREY PEREIRA LAGE - Professor Titular do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG 

ELAINE MARIA SELES DORNELES - Professora Adjunta do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA


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