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O leite no mundo

2067: Como estará o leite?

Em revisão publicada no Journal of Dairy Science, um grupo de renomados pesquisadores apresentou perspectivas de como irão se comportar as vacas e fazendas produtoras de leite.

2067: Como estará o leite?

Edição #109 - Abril/2018

2067: COMO ESTARÁ O LEITE?

Em revisão publicada no Journal of Dairy Science, um grupo de renomados pesquisadores apresentou perspectivas de como irão se comportar as vacas e fazendas produtoras de leite.

O trabalho publicado por Jack Britt e colaboradores fornece uma projeção do futuro da produção leiteira, das fazendas, do consumo e do mercado de leite, colocados em perspectiva frente às transformações globais já previstas, como aumento da população e mudança climática. O artigo inicia com uma afirmação: “A produção e demanda por tecnologias e produtos relacionados ao leite irão aumentar nos próximos 50 anos”. Isso deve ocorrer por duas razões: 1) aumento global da renda per capita, e 2) capacidade dos lácteos de suprir as demandas nutricionais humanas do ponto de vista agrícola.

Primeiramente, o aumento da renda per capita levará à maior demanda por produtos lácteos, que, por sua vez, irão cada vez mais fornecer nutrientes essenciais para as dietas dos habitantes dos países em desenvolvimento. Segundo a FAO (Food and Agriculture Organisation of the United Nations), “mesmo pequenas quantidades de alimentos de origem animal podem melhorar o estado nutricional de famílias de baixa renda”. O segundo ponto (suprimento das demandas nutricionais humanas) é embasado em pesquisas que mostram o leite como uma das fontes de proteína - entre animais e vegetais - que utiliza a menor quantidade de terra em sua produção. Também são citados estudos que indicam que dietas à base de lácteos são superiores àquelas veganas ou baseadas em ovos, quanto à maximização da capacidade da terra de alimentar o maior número de pessoas, respeitando as recomendações para práticas agrícolas. Essa vantagem é enfatizada, ainda, pelo fato de que dietas com proteína oriunda de leite ou ovos contêm aminoácidos essenciais (aqueles que o nosso corpo não sintetiza em quantidades suficientes) em proporções adequadas, o que não ocorre nas dietas à base de proteínas vegetais.

MUDANÇAS GLOBAIS QUE IRÃO INFLUENCIAR A PRODUÇÃO NOS PRÓXIMOS 50 ANOS

População

Somos aproximadamente 7,6 bilhões de pessoas no mundo. Em 2067, estima-se que a população mundial alcance 10,5 bilhões de habitantes. Diferentes nações e continentes apresentarão perfis de crescimento diversos. Enquanto as nações da Ásia, e principalmente da África, crescerão em ritmo acelerado (correspondendo a 93% do aumento da população mundial), as das Américas e da Oceania terão crescimento moderado, e a da Europa irá diminuir. Os autores indicam os 10 países onde metade das pessoas que habitam a Terra será encontrada em 50 anos: Índia, China, Nigéria, Estados Unidos da América, Paquistão, Indonésia, República Democrática do Congo, Etiópia, Brasil e Bangladesh. As mudanças em densidade populacional que estão por vir aumentarão ainda mais a desigualdade na distribuição de terras aráveis per capita.

Terra Arável

Você já se perguntou quantos hectares de terra estão disponíveis para produzir os alimentos que consome? Para quem mora na América Latina, o número é 0,28 ha per capita. Na América do Norte, há 0,59 ha por habitante. Já no Oriente Médio, Norte da África, Leste da Ásia e Pacífico são apenas 0,10 a 0,13 ha per capita. Em 2067, globalmente, teremos 0,15 ha de terra arável por habitante.  

Entre as alternativas para reduzir a pressão por terra arável para produção de alimentos está o uso de áreas de pastagens e de subprodutos de outras indústrias para alimentar vacas leiteiras, o que irá aumentar a segurança alimentar em países que têm áreas de pastagens permanentes. No entanto, nações com área agrícola limitada irão, cada vez mais, utilizar a terra para produzir alimentos para a população humana em detrimento dos animais de produção. Assim, alguns países como a China já utilizam estratégias de aquisição de fazendas e plantas de processamento em outras nações onde há maior disponibilidade de terras aráveis, de modo a direcionar a importação para o seu próprio mercado.

Clima

As mudanças climáticas que vêm pela frente irão redirecionar a localização das fazendas e dos bovinos no mundo. O tipo de gado, pensando em animais mais adaptados a determinadas regiões, também passará por mudanças.

“AS VACAS SERÃO MAIS ROBUSTAS, LONGEVAS E SAUDÁVEIS, EM GRANDE PARTE DEVIDO À SELEÇÃO GENÔMICA” - BRITT E COLABORADORES

As previsões para o hemisfério Norte, onde atualmente se encontra 81% da população mundial e 86% da produção de leite, são de continuidade do aumento da temperatura, maior variação nas chuvas, e estações de cultivo mais longas em regiões mais afastadas da Linha do Equador. Estas previsões são aplicáveis também para o hemisfério Sul, mas aqui há maior infl uência dos oceanos. Globalmente, teremos maiores períodos de secas e de chuvas excessivas e eventos climáticos mais severos. A mudança climática pode gerar novas áreas aráveis mais ao Norte, ao mesmo tempo em que levaria à perda de terras agricultáveis em outros locais. Um exemplo desta previsão é a mudança da produção de leite do Sudoeste dos EUA, onde faltará água, para o Nordeste do país e para a área central do Canadá.

CONSUMO E PRODUÇÃO DE LEITE

Atualmente, o consumo médio de leite é de 87 kg/pessoa/ ano. Além do aumento da população, o consumo per capita também irá crescer até 2067 (previsão de 119 kg/habitante/ano), potencializando a demanda. Outro fator que sustenta a crescente procura é a migração em direção aos centros urbanos, o que normalmente aumenta a renda e o consumo de lácteos em países em desenvolvimento. Esse padrão ilustra o crescimento esperado na África e Ásia. A migração aumenta também a mecanização e automação das fazendas, para que seja possível produzir alimento para os consumidores da cidade, e a exigência por qualidade e padronização.

Os autores indicam uma estimativa de que serão necessários 600 bilhões de kg de leite, além da produção atual, para suprir a demanda em 2067. Para tal, seria necessário dobrar a produção média global por vaca (de 2.405 kg/vaca/ano para 4.531 kg/vaca/ano). Dr. Britt e colaboradores sugerem que este aumento é pouco provável, porque a maior parte dos bovinos está nos países com as menores médias de produção por vaca. Países que têm modernizado sua indústria leiteira devem atingir tal potencial produtivo, mas as fazendas do futuro deverão ser rentáveis para serem sustentáveis e é aí que está o desafio.

Especialistas apontam a rentabilidade como fator fundamental para a sustentabilidade da produção leiteira. Os fatores-chave são valor do leite no mercado, custos alimentares e custos fixos por vaca ou por unidade de leite vendido. Os alimentos representam o maior custo da produção de leite, e impactam tanto os grandes quanto os pequenos produtores, apesar de os grandes terem o benefício da escala de produção. Os autores relatam que rebanhos maiores também são mais propensos à produção de leite de alta qualidade (CCS e CBT), e que os rebanhos com maior margem financeira têm a menor emissão de gases efeito estufa por litro de leite produzido.

O leite como commodity tem valor de mercado volátil, e muda rapidamente com o desequilíbrio entre demanda e produção. Este padrão deve continuar, pois produtores aumentam a produção rapidamente quando a demanda aumenta, mas reduzem devagar quando a produção excede a procura. Como exemplo, na Nova Zelândia o preço ajustado pela infl ação, pago por sólidos do leite variou até 200% nos últimos 20 anos. Esta variação nos valores pagos ao produtor é o que leva muitas das fazendas menos rentáveis a deixarem a atividade.

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DESAFIOS PARA OS EXPORTADORES

Os maiores exportadores são a Nova Zelândia, a União Europeia e os EUA. O processamento de leite é dominado por empresas multinacionais, a maioria centralizada nas principais regiões exportadoras e com plantas ao redor do mundo. De acordo com este perfil, os atuais exportadores e suas empresas estão em posição vantajosa para suprir a demanda futura (tanto em produção quanto em processamento) e gerar capital com exportações. Quinze dos 20 países com maior produção anual por vaca estão fora da África e Ásia e têm populações que crescem lentamente ou que estão em regressão. Ainda, as regiões de maior produtividade são aquelas com menor emissão de gases de efeito estufa por litro de leite produzido, enquanto seis dos dez países com os maiores rebanhos estão em regiões com alta emissão de gases de efeito estufa por unidade de leite produzido.

O desafio que estas regiões exportadoras irão enfrentar é o desenvolvimento de produtos lácteos capazes de fornecer nutrientes com custo acessível para os habitantes de países onde a demanda irá exceder a produção local. Essa necessidade irá mudar o foco das exportações no futuro. Ao invés de exportar o que não é consumido internamente, serão vendidos produtos com valor agregado e foco no perfil de consumo dos países importadores. A demografia de cada país também irá ditar o perfil das exportações. Como exemplo, os autores destacam o que em 2067, 31% da população da Nigéria terá 15 anos ou menos, enquanto 24% da população dos EUA terá 65 anos ou mais.

Os autores listaram países com potencial para aumento das exportações nos próximos 50 anos. Entre eles, Rússia, EUA, Canadá, Argentina e também o Brasil. Este potencial vem da disponibilidade de terras agricultáveis, áreas produtivas menos afetadas pelas mudanças climáticas, populações que não irão aumentar em ritmo tão acelerado, e da existência de estrutura para produção e processamento de leite que permite crescimento em escala e adoção de tecnologias. Um exemplo é citado: a Rússia anunciou em 2017 que irá construir 800 novas fazendas com 3000 vacas, cada, nos próximos anos.

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VACAS E REBANHOS DO FUTURO

O artigo de Britt e colaboradores apresenta também previsões para vacas e rebanhos. As vacas serão mais robustas, longevas e saudáveis, em grande parte devido à seleção genômica. O bem-estar animal continuará em foco: veremos a adaptação de instalações para melhorar este aspecto. Automação, sensores e tecnologias estarão cada vez mais presentes para promover a sustentabilidade. Integrações lateral e vertical levarão a maior especialização em manejo e produção. O número de fazendas e de vacas irá diminuir, enquanto o tamanho dos rebanhos e a produção por vaca irá aumentar.

Produção de leite por vaca: Será que já atingimos o limite biológico?

Os autores pensam que não. Segundo eles, tanto o volume quanto os sólidos de leite produzidos pelas vacas irão aumentar consideravelmente, dobrando em países como EUA e Nova Zelândia. Isso terá duas principais causas: seleção genômica e melhoria da qualidade e digestibilidade dos alimentos. A seleção no futuro terá ainda maior ênfase em sólidos de leite, em detrimento de volume. Isso é coerente com os padrões de consumo, que favorecem maior produção de gordura e proteína em menor volume de leite. Fórmulas que ajustem a produção de leite para suas concentrações de gordura e proteína serão úteis para realizar comparações entre sistemas.

Dois fatores irão colaborar para a maior produção por vaca: maior acurácia da seleção para características de produção e de saúde, e modernização da produção de leite em países em desenvolvimento. Genes serão movidos entre e dentro das raças por edição genética, para favorecer características como resistência ao calor ou saúde. Marcadores genéticos e epigenéticos serão incluídos nos programas de seleção, e até mesmo genes sintéticos podem vir a serem inseridos no genoma.

Mudanças na genética do gado de leite: Qual o impacto da seleção genômica?

O intervalo entre gerações para o gado de leite foi reduzido com o uso de seleção genômica, fertilização in vitro (FIV) e outras tecnologias reprodutivas. A seleção tem sido mais acelerada para volume de leite produzido do que em características de saúde ou longevidade. Novos fenótipos serão acrescentados às listas de avaliação genômica, acelerando o progresso genético com foco em saúde, bem-estar, eficiência alimentar e excreção de poluentes como o metano.

As tecnologias reprodutivas já reduziram o intervalo de geração de 7 (2009) para 2,5 anos (2016). As estimativas são de que cheguemos muito perto do limite teórico deste intervalo até 2067. Oócitos e espermatozoides poderiam ser obtidos de animais de oito meses de idade, resultando em intervalo de gerações de 17 meses. Uma redução ainda maior seria possível de acordo com os estudos em camundongos que demonstraram a possibilidade de produção de oócitos viáveis a partir de células-tronco. Juntamente à avaliação do genoma do embrião, tal tecnologia permitiria intervalo de gerações abaixo de 1 ano. A seleção genômica de raças menos difundidas que a Holandês, assim como animais mestiços, também passará por mudanças. No entanto, a criação de linhagens dentro das raças pode reduzir o uso de cruzamentos, mas estes ainda serão valiosos pela heterose. 

O melhoramento genético para saúde, bem-estar, eficiência alimentar e excreção de metano irá expandir à medida que novos indicadores de seleção genômica forem criados. Genes ou alelos que beneficiam determinada característica, como a resistência ao estresse térmico, poderão ser movidos entre raças. Outras áreas a serem exploradas são a imunidade, resistência a doenças, reprodução e mastite.

Um teste genômico que identifica vacas Holandês com melhor imunidade já foi patenteado, o que permite também a seleção de touros que carregam estes genes. Estas vacas apresentam também melhor longevidade e desempenho reprodutivo. Outra característica para a qual o componente genômico foi identificado é a mudança metabólica no início da lactação em vacas Pardo-Suíço. A perda de condição corporal pós-parto se repete nas cinco primeiras lactações de uma mesma vaca, está associada à infertilidade, e há evidências de que podemos selecionar vacas metabolicamente mais robustas.

O PRODUTO PRIMÁRIO NÃO SERÁ MAIS O SÊMEN, E SIM EMBRIÕES PRODUZIDOS POR CULTURA CELULAR. AS DECISÕES GENÉTICAS SERÃO FEITAS NO LABORATÓRIO DE FIV, E NÃO NA FAZENDA

A seleção para consumo residual aumenta a eficiência de produção de leite e reduz a emissão de metano por unidade de leite produzido, mas pode ser antagônica a aspectos de saúde e bem-estar. Logo, os indicadores provavelmente serão relativizados na seleção e podem diferir entre regiões. Uma área de melhoramento que tem apelo mundial é a resistência a doenças como febre aftosa, leptospirose, rinotraqueíte infecciosa bovina e diarreia viral bovina.

Várias destas linhagens caracterizadas por fenótipos específicos serão desenvolvidas por empresas, que serão donas de seus diretos de reprodução e venda. Isso mudará o modo de comercialização da genética. O produto primário não será mais o sêmen, e sim embriões produzidos por cultura celular. As decisões genéticas serão feitas no laboratório de FIV, e não na fazenda.

Os efeitos epigenéticos:

Além do genoma, veremos mudanças também em características que não estão escritas no DNA e em seus efeitos no funcionamento dos genes em resposta ao ambiente. Muitas das sequências de DNA são transcritas em RNAs não traduzidos que regulam a função gênica sem servir como molde para síntese proteica. Exemplos de efeitos epigenéticos, observados meses ou mesmo anos após o evento que causou a resposta, são o impacto da perda de condição corporal, entre 3 e 5 semanas pós-parto, na concepção às 12 semanas pós-parto, e a maior produção de leite por vacas melhor alimentadas quando bezerras, ou por vacas ordenhadas mais frequentemente no início da lactação. Estes efeitos epigenômicos latentes serão alvo importante dos ajustes de manejo nos próximos anos.

O genoma da microbiota:

Os avanços em sequenciamento de DNA e RNA também levaram à identificação e conhecimento do microbioma dos organismos presentes nos bovinos. Hoje sabemos que o microbioma fecal é mais diverso entre localidades do que o microbioma ruminal. Mesmo assim, diferenças no microbioma ruminal levam à produção de leite com diferentes percentuais de gordura quando a mesma dieta total é fornecida. No futuro, é possível que a seleção genômica seja usada até para manipular o microbioma gastrointestinal, e que a manipulação do microbioma mamário seja uma prática de manejo comum.

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ORGANIZAÇÃO E MANEJO DAS FAZENDAS DO FUTURO

Fazendas maiores e com integração lateral:

A escala de produção continuará aumentando para otimizar eficiência e custos de produção. Eventuais limitações ao tamanho dos rebanhos virão de regulamentações ambientais, proximidade de áreas populosas e restrições do mercado de leite. Vamos testemunhar crescente especialização em manejo e instalações, o que os autores chamam de “integração lateral”. Neste modelo, produtores compartilham recursos e se concentram em unidades de produção específicas, ao contrário da integração vertical, na qual os animais são de propriedade do integrador, que fornece também o alimento, e o produtor cria esses animais. A integração lateral caracteriza-se pelo compartilhamento de instalações de período de transição (foco em ordenha 3 a 4 vezes por dia, saúde e bem-estar) e centros de alimentação (estoque de alimentos e distribuição para diversas fazendas), por exemplo.

Este modelo de compartilhamento pode reduzir custos de construção e operação. Ainda, permitirá padronização de manejos e equipamentos, facilitando a movimentação de vacas entre diferentes centros de produção. Entre os pequenos rebanhos, alguns serão verticalizados pela integração de pequenas unidades de produção, enquanto outros servirão de nichos e mercados locais. Outro aspecto citado é a criação de bezerros leiteiros para corte, o que representa oportunidade de produção de carne com menor pegada de carbono. A geração de prenhezes com sêmen ou embriões com aptidão para carne em vacas de menor mérito genético para leite será uma opção para aumentar a renda das fazendas.

Automação, robotização e sensores irão substituir parte do trabalho manual:

Tecnologias permitirão melhor manejo, conformidade com as regulamentações e redução da pegada de carbono. Inteligência artificial e aprendizado de máquina já estão sendo usados para transformar dados em informações e ações, como predição do momento do parto e controle do consumo de alimento e da qualidade das lavouras. Teremos também sensores biodegradáveis que, implantados nos animais, coletarão informações sobre diversos órgãos. Na ordenha, sensores irão monitorar a saúde da glândula mamária, composição do leite e hormônios-chave. Outros sensores irão medir claudicação, condição corporal e peso. Fica evidente que haverá redução da mão de obra necessária e contínuo crescimento dos rebanhos, para compensar o investimento em tecnologia. O leite será concentrado nas fazendas para reduzir custos de transporte, permitindo reutilização de lactose e minerais nas dietas.

Maior foco no manejo do microbioma e dos efeitos epigenéticos:

O manejo do microbioma vai depender de claro entendimento de como ele é estabelecido e mantido em animais saudáveis. Eventualmente, este conhecimento permitirá sua manipulação em prol de saúde, bem-estar e produtividade animal. Entre futuras possibilidades estão o desenvolvimento de inóculos para colostro, de modo a criar um microbioma benéfico ao nascimento, e a utilização de produtos microbianos com objetivo terapêutico. Outras aplicações são em produtividade de lavouras, qualidade da cama e aumento do valor do esterco. Já o manejo epigenético terá foco nos indivíduos, por exemplo, via fornecimento de terapias de suporte para animais em risco de estresse térmico (prevenindo, assim, o efeito epigenético).

Lavouras e alimentos necessitarão de menos fertilizantes e pesticidas e serão mais digestíveis:

No futuro, veremos o desenvolvimento de forrageiras com menos lignina e mais amido, incorporação de leguminosas às pastagens, gramíneas que utilizam nitrogênio de forma mais eficiente e variedades resistentes à seca ou ao sal. Também haverá culturas de milho perenes e novos suplementos.

Instalações serão modificadas para favorecer saúde e comportamentos naturais:

Sistemas de confinamento restringem comportamentos naturais, limitam a expressão de cio e contribuem para problemas de casco, comprometendo o bem-estar. Muitos destes problemas estão associados à prevalência de superfícies de concreto, em oposição a pisos mais confortáveis e macios. No futuro, serão desenvolvidos materiais que possuem tanto a durabilidade e resistência do concreto quanto a fl exibilidade dos polímeros. É possível que as instalações possuam áreas para que as vacas se exercitem, como arenas, e que limpeza e reposição de camas sejam automatizadas. Finalmente, as instalações permitirão maior período de contato entre vacas e bezerras recém-nascidas, o que deverá ser controlado por sistemas eletrônicos que permitam o fl uxo natural das vacas dentro das instalações.

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Foto: A produção e demanda por produtos lácteos irá aumentar. Serão necessários 600 bilhões de litros de leite, além do volume produzido atualmente

Rebanhos manejados como superorganismos:

Colônias, como as de abelhas ou cupins, que funcionam como unidade são denominadas “superorganismos”. Os autores sugerem que olhemos para os rebanhos desta forma, uma vez que vacas de um mesmo rebanho estão expostas às mesmas condições ambientais, doenças, alimentos e instalações. Esta visão poderia ajudar a entender por que rebanhos geograficamente próximos têm desempenhos tão diferentes, e esclarecer quais as práticas de manejo mais importantes para o sucesso. Ainda considerando o rebanho como superorganismo, os autores colocam diversas perguntas: como as vacas se comunicam a respeito de pessoas, instalações, alimentos, ameaças? Será que a comunicação entre vacas difere entre rebanhos? Podemos desenvolver meios para nos comunicar com as vacas?

Exemplos de respostas para esta última pergunta seriam a identificação de sinais voláteis ou solúveis no leite, urina, fezes, que nos indicariam diversos estados fisiológicos e patológicos. Outro aspecto importante desta visão do rebanho como unidade será a coleta de dados e a investigação do uso de procedimentos operacionais padrão e protocolos. Este tipo de estudo irá requerer a participação de diferentes áreas da indústria, além de pesquisadores de diversos campos do conhecimento. Os autores concluem: “vamos aprender muito sobre os fatores que infl uenciam o desempenho, produtividade, saúde e bem-estar de um rebanho, e isso será essencial para alimentar o mundo em 2067”.

ALÉM DE PREVISÕES, HÁ TAMBÉM INCERTEZAS

A produção de leite, como a conhecemos, não irá mudar tanto até 2067, mas novas tecnologias e maior sustentabilidade serão essenciais. Existem ameaças quanto ao produto, como uma imitação de leite de vaca feito em laboratório via fermentação industrial, utilizando leveduras geneticamente modificadas por inserção de genes bovinos. O desenvolvimento de tecnologias de dessalinização da água, por outro lado, poderia favorecer a produção de leite em áreas costais, onde há previsão de chuvas irregulares nas próximas cinco décadas.

Finalmente, as preferências sociais continuarão a infl uenciar a produção de alimentos, principalmente porque as próximas gerações estarão ainda mais desconectadas do meio rural. Muitas práticas serão desenvolvidas e aplicadas nos próximos anos para solucionar confl itos e atender exigências dos consumidores. Exemplos citados pelos autores incluem o confinamento dos animais, desaleitamento precoce, uso de fármacos, pesticidas e fertilizantes, e contaminação de cursos d’água e lençóis freáticos com resíduos de origem animal.

TEMOS UM GRANDE DESAFIO PELA FRENTE

Os autores concluem esta abrangente revisão reforçando uma questão principal: alimentar 10,5 bilhões de pessoas em 2067. Para tal, a produção leiteira irá explorar novos conhecimentos e tecnologias, para que tenhamos vacas e rebanhos mais produtivos e sustentáveis. Novas práticas envolvendo microbioma, genoma e sistemas inteligentes estarão estre os pilares para maior produtividade. Eles afirmam: “Nossa visão é que a produção de leite, no futuro, irá retratar uma intensificação sustentável, que favorece os animais, os sistemas agroecológicos e a humanidade pela produção de nutrienteschave para o consumo humano”.

BRUNA FIGUEIREDO SILPER - Editora-assistente da Revista Leite Integral. Médica veterinária, MSc e PhD em Ciência Animal

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