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Nutrição

Além do Rúmen

Cresce interesse dos pesquisadores pelo estudo do intestino dos ruminantes e como ele responde aos desafios relacionados à saúde e produção

Além do Rúmen

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Autores: DAVID M. BRAVO e EMMA H. WALL

 

Os ruminantes vivem em simbiose com um ecossistema complexo hospedado em seu primeiro compartimento do sistema digestivo (rúmen), o que lhes permite beneficiar de compostos dietéticos não digeríveis. O exemplo mais óbvio é a fermentação ruminal de celulose não digerível, que produz ácidos graxos voláteis (AGVs), um produto final para as bactérias do rúmen e a principal fonte de energia do hospedeiro.

Em encontro anual da American Dairy Science Association, realizado em Orlando, na Flórida (EUA), algumas questões relacionadas à nutrição de ruminantes foram levantadas: o conhecimento proveniente da fisiologia do desenvolvimento, imunologia e/ou endocrinologia nutricional de outras espécies (humanos, roedores ou outros animais de criação) tem implicações na nutrição de ruminantes? Este novo conhecimento ajuda a romper os atuais conceitos de nutrição e produção em ruminantes e criar um novo paradigma? Doenças que ocorrem com frequência, como cetose e acidose, poderiam ser reinterpretadas dentro desse possível novo paradigma para ajudar a descobrir novas condutas mais eficientes?

A nutrição, apoiada pelas pesquisas, permitiu uma melhor compreensão dos mecanismos de fermentação de modo a maximizar sua eficiência e a entrega de nutrientes microbianos ao hospedeiro. Esses avanços acompanharam a melhoria dos genótipos e aumentaram a eficiência da produção. Um estudo recente, coordenado por um pesquisador americano, destacou que os programas nutricionais refinados, combinados com a seleção genética para o aumento da produção de leite e o gerenciamento da fazenda, mais que dobraram a eficiência alimentar nos últimos 100 anos.

Nutricionalmente, o aumento da eficiência foi desencadeado pela diluição dos requisitos de manutenção, permitindo que mais energia se tornasse disponível para a produção de leite. Essa abordagem está atingindo seus limites, enfatizando a importância de novas estratégias para continuar a melhorar a produtividade. Indivíduos com baixo consumo de ração comem quantidades semelhantes, mas produzem mais leite do que outros, ou seja, sua digestão, metabolismo e/ou outras funções de aproveitamento de nutrientes são mais eficientes.

Pesquisadores sugeriram que uma compreensão dos fatores que sustentam as variações no consumo de ração poderia levar a novas estratégias para melhorar a eficiência da produção de leite. Considerando sua importância na produção de vacas leiteiras, não é de surpreender que o rúmen e seu ecossistema tenham monopolizado a maioria das pesquisas nutricionais. Isso se reflete muito bem em requisitos, conceitos nutricionais e tecnologias aditivas para ruminantes, como a monensina, ionóforo que permite a menor produção de acetato e mais propionato, o que é energeticamente mais lucrativo para a vaca na fermentação ruminal. Esse é um bom exemplo de como um paradigma leva ao desenvolvimento de programas nutricionais e às tecnologias correspondentes.

 

CONSIDERANDO SUA IMPORTÂNCIA NA PRODUÇÃO DE VACAS LEITEIRAS, NÃO É DE SURPREENDER QUE O RÚMEN E SEU ECOSSISTEMA TENHAM MONOPOLIZADO A MAIORIA DAS PESQUISAS NUTRICIONAIS

 

No entanto, os cientistas de ruminantes devem mudar seu foco para incluir outros órgãos como alvos potenciais e conceituar novas estratégias. A nutrição humana e a medicina, por exemplo, estão dando grandes passos para estabelecer o intestino como um dos órgãos principais para a fisiologia. O intestino é um órgão sensorial inteligente que detecta permanentemente seu ambiente complexo. Esse órgão vive em constante mudança, “processando” as informações e reagindo a elas. Infelizmente, em ruminantes, pouquíssimos cientistas se interessaram pelo intestino, pois a maioria considera-o um tubo simples com a menor tarefa de digerir e absorver mais compostos dietéticos oriundos do rúmen. Para se ter ideia, em uma pesquisa realizada num portal de publicações científicas com as palavras-chave “ruminantes” e “intestino” foram localizados, no ano de 2014, cerca de 120 artigos, a maioria deles não nutricionalmente relevantes.

A ampla maioria dos trabalhos localizados nessa busca, no total de 521, tinha foco no rúmen. Nesse contexto, pesquisadores americanos sugeriram três áreas para a melhor “exploração” intestinal: função da barreira intestinal, efeito do desmame na saúde e função do órgão, e adaptações gastrintestinais às alterações dietéticas e ambientais.

Em ruminantes jovens, a função de barreira epitelial intestinal comprometida aumenta a suscetibilidade à doenças, mortalidade e diminui a produtividade ao longo da vida. O crescimento do tecido intestinal é crítico e deve ser explorado nos níveis funcional, celular e molecular, para proporcionar oportunidades de melhor desempenho animal por meio da função da barreira intestinal otimizada. Já em ruminantes adultos, os autores apontaram que a acidose e patologias associadas poderiam ser devido ao aumento da permeabilidade da parede do rúmen e à inflamação no intestino grosso. Desenvolver esse argumento pode levar a uma nova maneira de atenuar as consequências da acidose, por meio de novos conceitos e intervenções dietéticas que visem proteger a função de barreira do trato total.

Outra pesquisa foi desenvolvida para compreender a importância do intestino, ligando a função intestinal à mudanças fisiológicas e ambientais em ruminantes. Os autores discutiram duas situações que sabidamente afetam a função e a integridade intestinal: o período de transição de vacas leiteiras e o estresse térmico pelo calor. Eles propuseram uma ligação de causalidade entre a função comprometida do trato gastrointestinal e a ocorrência da cetose periparto e os danos causados pela exposição ao calor. As pesquisas sugeriram que o período de transição, o estresse térmico ou a ingestão restrita de alimento desencadeiam a permeabilidade intestinal levando à captação de LPS e, consequentemente, inflamação sistemática, que por sua vez afeta a sinalização de insulina e o metabolismo de glicose e gordura. Seguindo esse argumento, intervenções direcionadas ao intestino poderiam mitigar a cetose e a suscetibilidade ao estresse térmico em vacas leiteiras periparturientes.

Em mais um estudo americano, pesquisadores enfatizaram que a compreensão dos fatores nutricionais que influenciam a imunidade é fundamental para otimizar a conversão de nutrientes. Além disso, os ingredientes alimentares fornecidos com deficiência, ou em excesso, podem levar à inflamação sistêmica, disfunção imunológica e, eventualmente, perda de produtividade. Portanto, a pesquisa sobre o intestino constitui uma oportunidade porque, além de ser uma barreira e um órgão endócrino, é um órgão linfóide primário capaz de montar uma resposta imune. Da mesma forma, sua mucosa é um alvo acessível para manipulações

dietéticas que podem influenciá-lo, bem como afetar as superfícies da mucosa distal. Isso contribui para melhorar a saúde intestinal e o quadro geral do animal. Alimentos que compõem a dieta de vacas leiteiras agem como sinais para múltiplos sistemas, e esses sinais afetam a saúde, o desempenho e a produtividade desses animais. Com base nessa observação, pesquisadores contrastaram a tarefa clássica dos nutricionistas (ou seja, atender às necessidades nutricionais do animal) ao seu possível futuro papel de forma aprimorada, que consistiria em utilizar tais sinais nutricionais para influenciar o metabolismo, a endocrinologia, a imunidade, a fisiologia e, eventualmente, a produtividade.

Nesse contexto, o progresso na ciência biológica abriu caminhos para a nutrição animal. Além do equilíbrio nutritivo, a dieta controla a imunidade, o desenvolvimento da microflora intestinal e os processos neuroendócrinos. Essa tríade intestinal afeta dramaticamente o resultado produtivo. Isso evidencia a importância de mudar o paradigma da ciência dos alimentos, especialmente no que diz respeito à nutrição de ruminantes.

Cientistas têm destacado o fato de que o desenvolvimento molecular e fisiológico do intestino do ruminante, e sua função (sensorial e superfície imune, por exemplo) são áreas pouco estudadas, ainda que exerçam impacto potencial sobre a saúde e o desempenho dos animais. Isso é ainda mais pertinente, considerando que problemas economicamente importantes, como exemplo a resposta ao estresse pelo calor e a cetose foram, agora, ligados ao intestino. Esforços para entender as maneiras de manipular a resposta do intestino das vacas aos vários desafios fisiológicos, dietéticos e ambientais, certamente sinalizam para uma nova fronteira de progresso, revelando o papel importante desse órgão na produção leiteira

 

DAVID M. BRAVO

EMMA H. WALL

Republicação do Journal of Dairy Science®, publicado originalmente em 2016

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