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As boas novas

Congresso realizado nos Estados Unidos apresentou novidades surpreendentes, entre elas a possibilidade de uma vaca com hipocalcemia produzir mais leite que outra com níveis de cálcio adequados

As boas novas

Dairy Science Association.JPG (2.67 MB)

A última edição do ADSA (American Dairy Science Association) Annual Meeting, realizada entre os dias 23 e 26 de junho em Cincinnati, Ohio, nos Estados Unidos, reuniu 1.869 inscritos, a grande maioria pesquisadores e professores, mas também profissionais da indústria, pós-graduandos e graduandos, de dezenas de países. Durante o evento, foram apresentados 1.119 trabalhos, 544 em apresentações orais e 575 no formato de pôsteres.

Um grande desafio dos congressistas é ter que escolher entre os painéis, pois no mesmo horário pode haver 10 a 15 apresentações orais simultâneas, todas excelentes, ministradas pelos maiores especialistas do mundo. Assim, uma dica para quem vai pela primeira vez é: no dia anterior programar cuidadosamente sua agenda para o dia seguinte. O interessante desse Congresso é que cada um monta sua programação de acordo com seus interesses e linhas de pesquisa que mais lhe chamam a atenção. 

 

Reconhecimento ao professor Barbano

Já no primeiro dia do Congresso, um evento interessante foi o simpósio de reconhecimento a David M. Barbano, professor do Departamento de Nutrição da Cornell University, NY, que está prestes a se aposentar. Barbano é um pesquisador muito prolífico em publicações relevantes à pecuária leiteira, com mais de 100 artigos publicados no conhecido Journal of Dairy Science. Na sua carreira trabalhou em muitas áreas importantes para a indústria leiteira, como métodos químicos e analíticos para determinação da qualidade de leite e queijo, análises de amostras de leite por infravermelho, métodos de filtração e homogeneização do leite, leite com CLA (ácido linoleico conjugado), e mais recentemente está trabalhando com o diagnóstico de enfermidades através das análises de leite. Sobre essa última linha de pesquisa, ele tem chamado isto como “Cow of Interest” ou “Vaca de Interesse”, uma curiosa analogia a uma conhecida série de TV chamada “Person of Interest” ou “Pessoa de Interesse”. Com a tendência irreversível de termos rebanhos cada vez maiores e com o avanço de tecnologias que permitem coletar dezenas de parâmetros no leite em poucos segundos, análises frequentes do leite podem ser usadas como ferramenta auxiliar no diagnóstico de enfermidades. O Grupo do Leite da Universidade Federal do Paraná (UFPR), muito modestamente, começou a trabalhar nessa área, em particular com o perfil de ácidos graxos da gordura do leite como indicativo de uma intensa lipomobilização em vacas recém-paridas.

 

Metionina: aminoácido funcional

O papel do aminoácido metionina no aumento dos sólidos do leite já está bem estabelecido. Embora muitos ainda afirmem que os aminoácidos lisina e metionina são os mais essenciais na produção leiteira, aumenta a percepção na comunidade científica que a metionina é, de longe, o aminoácido mais essencial. A deficiência de metionina nas nossas dietas de vacas em lactação também já é bem conhecida, em particular porque o farelo de soja, suplemento proteico mais usado nas dietas brasileiras, é pobre neste aminoácido. O que há de novo é que no período pré e pós-parto de vacas leiteiras, a deficiência de metionina parece ser ainda mais relevante do que em outros momentos da vida produtiva de uma vaca leiteira. Esse foi o tema de dois pôsteres apresentados pelo doutorando Guilherme Leão do Grupo do Leite da UFPR.

Além do seu papel na síntese proteica, a metionina atua como doadora de grupo metil e precursor de vários outros componentes antioxidantes e lipotrópicos essenciais para o sucesso da vaca periparturiente, incluindo cisteína, taurina, glutationa, metalotionina, colina, carnitina, creatina e S-adenosil metionina. O ponto central é que a metionina não deve ser vista tão somente como um aminoácido estrutural das proteínas, pois ela possui várias outras funções, dando suporte a função hepática, balanço oxidativo e melhoria do status imunitário. A propósito, num evento paralelo ao evento principal, o Prof. Dr. Barry Bradford, da Kansas State University, explicou em palestra como alguns aminoácidos impactam o sistema imune. Em resumo, a suplementação de aminoácidos (e em particular de metionina) para bovinos leiteiros foi o tema nutricional de maior destaque no congresso desse ano.

 

Hipocalcemia e suplementação de cálcio (Ca) oral

Outro destaque entre os trabalhos na área de nutrição e metabolismo de vacas periparturientes é que a hipocalcemia subclínica continua a ser estudada por vários grupos de pesquisa espalhados no mundo. Nessa área, a professora Jéssica McArt do Departamento de Medicina Veterinária Populacional da Universidade de Cornell apresentou resultados de trabalhos evidenciando que nem todos os eventos de hipocalcemia no pós-parto são necessariamente prejudiciais, principalmente no primeiro dia após a parição. Aliás, na opinião dela, muitas vacas hipocalcêmicas produzem mais leite do que vacas normocalcêmicas. Ainda de acordo com a professora McArt, o problema é quando uma vaca apresenta hipocalcemia no primeiro dia e também no quarto dia, o que ela categorizou como hipocalcêmica “persistente”. Vacas com níveis adequados de cálcio no primeiro dia e deficientes quanto a esse mineral no quarto dia, categorizadas como hipocalcêmicas “atrasadas”, também apresentaram pior desempenho produtivo e maior incidência de enfermidades (metrite, cetose, deslocamento de abomaso e descarte precoce).

Nesse contexto, vacas com deficiências “transitórias” de cálcio, ou seja, baixas concentrações do mineral no primeiro dia pós-parto, mas com calcemia restabelecida nos dias seguintes, parecem se adaptar bem a lactação, não apresentando mais enfermidades do que vacas normocalcêmicas e melhor, produzindo mais leite. Essas descobertas nos desperta o desejo de aplicar esse conhecimento às nossas vacas no Paraná. Esperamos ter novidades em breve.

A profª Jéssica McArt ainda ministrou uma concorrida palestra sobre o uso de suplementos de Ca oral no tratamento da hipocalcemia e seus efeitos na saúde e na produção. Ela questionou o uso desses suplementos, inclusive afirmando que para primíparas e para vacas de baixa produção estes suplementos até podem ser prejudiciais, por serem irritantes à mucosa oral dos animais e por alterarem a homeostase do cálcio. Por outro lado, há evidências que a suplementação de Cálcio oral funciona para vacas multíparas e de alto potencial produtivo, elevando a calcemia até 24 horas após a suplementação. Assim, McArt não recomenda a suplementação do mineral via oral de forma generalizada, onde todas as vacas recém-paridas são tratadas, independentemente da sua idade e do seu histórico produtivo.

 

Tecnologias e automação

Temas como nutrição de precisão em rebanhos leiteiros, uso de tecnologias de precisão para monitorar e tratar seletivamente bezerras leiteiros, tecnologias para otimizar manejo reprodutivo, além de monitoramento do comportamento alimentar de vacas visando melhorar o manejo nutricional dos rebanhos leiteiros foram tratados em um simpósio dentro da programação do evento. Foi possível perceber também um foco crescente na saúde preventiva de rebanhos com o uso de indicadores para se antecipar a ocorrência de desordens, tais como mudanças diárias em produção, taxa de ruminação, oscilação no consumo alimentar, mudanças no escore de condição corporal e metabólitos como BHB (beta-hidroxibutirato). A prioridade é desenvolver ferramentas para identificar as vacas que precisam de atenção.

 

O futuro dos rebanhos

Alguns pesquisadores estão investigando prós e contras de trabalhar com rebanhos mais jovens, renovando o rebanho com maior frequência, em contraste com rebanhos que priorizam longevidade, mantendo vacas mais velhas por mais tempo. Com a melhoria das técnicas reprodutivas, disponibilidade crescente de sêmen sexado, preços do leite estagnados, pressionados por um consumo não crescente, aliado ao fato de que alguns rebanhos já estão grandes demais e não podem mais crescer, alguns rebanhos norte-americanos (e alguns brasileiros) já estão começando a ter novilhas em excesso. Se essas propriedades não conseguirem vender as novilhas a um preço satisfatório (hoje a cria e recria de uma novilha leiteira custa R$ 5.300 no Paraná), qual será o destino desses animais? Colocá-las no rebanho em lactação é obviamente uma opção, mas se o rebanho não está crescendo mais, elas somente podem entrar se as vacas mais velhas saírem. Como o mercado consumidor verá a indústria leiteira se começarmos a permitir que vacas leiteiras nem cheguem à idade adulta, descartando-as precocemente com no máximo 2 lactações? Se a opção for manter um rebanho mais longevo, para que recriar tantas novilhas? Será que no futuro alguns rebanhos não poderão inseminar as fêmeas de menor potencial produtivo com sêmen Angus, por exemplo? Muitas são as perguntas e especulações. Entendo que a indústria leiteira tem que começar a encará-las. A ciência pode ser correta e economicamente mais lucrativa, mas se a percepção do público for diferente, teremos que nos adaptar. A recente e intensa diminuição do uso de somatotropina bovina em rebanhos leiteiros norte-americanos é um exemplo disso.

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Brasileiros em destaque

Tradicionalmente há muitos congressistas do Brasil no Dairy Science Meeting. Depois dos norte-americanos, canadenses e mexicanos, brasileiros representam as delegações mais numerosas. É comum em alguns corredores do evento, o português ser a segunda língua mais frequente. A maioria dos nossos compatriotas no congresso este ano era composta por pós-graduandos que estão estudando na América do Norte, fazendo mestrado, doutorado, especializações ou estágios. Outro fato que tem chamado a nossa atenção é o grande número de brasileiros ingressando como docentes em universidades americanas e canadenses nos últimos anos. Isto sem dúvida deve ser motivo de muito orgulho para nós, mas por outro lado também nos preocupa o fato que as universidades e institutos de pesquisa nacionais não estão proporcionando condições para receber de volta profissionais tão gabaritados, tema polêmico que merece discussão mais aprofundada. Já estou ansioso para a edição 2020 do Dairy Science que será em West Palm Beach na Flórida (EUA).

 

 

Rodrigo de Almeida

Doutor em Ciência Animal e Pastagens pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, professor associado do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná e professor orientador do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFPR

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