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Manejo, Sanidade

Diagnosticar a mastite diretamente na fazenda permite tratamento rápido e eficaz

Diagnosticar a mastite diretamente na fazenda permite tratamento rápido e eficaz, reduzindo custos e promovendo a saúde do rebanho e a qualidade do leite

Diagnosticar a mastite diretamente na fazenda permite tratamento rápido e eficaz

A infecção e inflamação da glândula mamária, conhecida como mastite, é uma doença complexa e multifatorial, que ocorre principalmente em decorrência de infecção bacteriana. Essa doença é de grande preocupação na indústria leiteira pelas perdas econômicas resultantes da redução na quantidade e qualidade do leite e, até mesmo, descarte do animal. 

A mastite pode se manifestar clinicamente com sinais visíveis como inchaço e aumento de temperatura do úbere, presenças de grumos, pus ou alterações no leite, ou subclinicamente, sem sinais visíveis de inflamação, mas com alterações na qualidade do leite (aumento de células somáticas e da contagem de bactérias). É uma das principais razões para o uso de antimicrobianos na produção leiteira, representando aproximadamente 80% do uso total desses medicamentos. 

Importância do diagnóstico microbiológico para o controle da mastite

Nem todos os casos clínicos de mastite justificam tratamento com antibióticos, já que cerca de 40% não têm isolamento de microrganismos específicos. Além disso, mesmo em casos positivos na cultura de microrganismos, alguns agentes causadores da mastite respondem mal ao tratamento com antibióticos ou têm alta taxa de cura espontânea (sem tratamento). Diagnosticar rapidamente os patógenos é crucial para um protocolo eficaz de terapia seletiva, ou seja, tratar apenas os casos que realmente precisam de tratamento.

A cultura do leite na propriedade auxilia a identificar os agentes da forma clínica e subclínica da mastite, sendo fundamental para um manejo eficaz do tratamento da doença no rebanho. O diagnóstico precoce, seja por meio de exames diretos nos animais ou por análises laboratoriais, permite intervenções oportunas que minimizam os prejuízos. Métodos de diagnóstico como o teste da caneca telada, a contagem de células somáticas (CCS), os testes California Mastitis Test (CMT) e Wisconsin Mastitis Test (WMT), e a contagem padrão em placas (CPP), que quantifica o número total de bactérias no leite, são ferramentas valiosas na detecção e avaliação da mastite, bem como para estabelecimento de estratégias de controle. Enquanto a mastite clínica apresenta sinais visíveis, a forma subclínica exige métodos mais sensíveis para o seu diagnóstico, como a análise da CCS.

O tratamento da mastite busca a produção de leite comercializável com qualidade, o rápido retorno da vaca à ordenha e a diminuição ou prevenção da doença sistêmica. Dessa forma, deve-se levar em conta a idade e o histórico do animal, além do conhecimento do agente causador da mastite para realizar um tratamento efetivo. Normalmente, é recomendado o tratamento com antibióticos intramamários quando a mastite é causada por bactérias Gram-positivas. Entretanto, o tratamento com antibióticos pode não ser necessário quando a mastite é causada por patógenos Gram-negativos, considerando que o sistema imune da vaca, na maioria das vezes, consegue combater os microrganismos, levando à cura espontânea. Sendo assim, a terapia deve ser otimizada e ser usada apenas em casos que possam responder ao antimicrobiano, com o intuito de diminuir custos desnecessários com a medicação, reduzir o descarte de leite com resíduos e evitar resistência antimicrobiana, grande problema atual em saúde pública.

A mastite demanda o uso frequente de antibióticos; entretanto, muitas vezes, eles são empregados sem necessidade. A cultura microbiológica na fazenda ajuda a usar os antibióticos de forma mais racional, evitando o tratamento indiscriminado dos casos de mastite e reduzindo o uso de antibióticos em cerca de 50%. Além de diminuir os custos com medicamentos e evitar o descarte de leite, essa prática contribui para a saúde pública. O uso indiscriminado de antimicrobianos promove a resistência bacteriana, dificultando o tratamento de infecções em animais. 

A resistência antimicrobiana é uma preocupação crescente para a saúde pública global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), infecções humanas com microrganismos resistentes causam cerca de 700.000 mortes anuais no mundo e, sem medidas adequadas, até 2050 essas mortes poderão superar as causadas por tumores malígnos, com um custo econômico global estimado em até 100 trilhões de dólares.

A CULTURA DO LEITE NA PROPRIEDADE AUXILIA A IDENTIFICAR OS AGENTES DA FORMA CLÍNICA E SUBCLÍNICA DA MASTITE, SENDO FUNDAMENTAL PARA UM MANEJO EFICAZ DO TRATAMENTO DA DOENÇA NO REBANHO

Metodologia da cultura microbiológica na fazenda

A cultura microbiológica é um grande aliado no controle da mastite e para o aprimoramento do sistema produtivo leiteiro. A identificação do agente causador da mastite em até 24 horas, na própria fazenda, facilita a tomada de decisão. Baseado em dados técnicos, é possível utilizar antibióticos apenas nos casos que necessitem de tratamento. Logo, o diagnóstico na fazenda ou “a campo” possibilita a ação no foco, mais adequada ao agente causador e ao estabelecimento de medidas de controle da mastite na propriedade, colaborando para a diminuição de novos casos da doença.

Os processos de inoculação das amostras de leite a serem testadas em meios de cultura e a interpretação dos resultados variam conforme o tipo de ferramenta utilizada, uma vez que várias estão disponíveis no mercado. No entanto, para todas, é necessário realizar uma cultura microbiológica (Figura 1) de maneira apropriada, o que demanda estrita adesão a um protocolo de coleta bem definido e realizado da forma mais asséptica possível.

Em geral, inicia-se com a higienização do teto da vaca utilizando álcool a 70%. Em seguida, deve-se coletar o leite sem contato do teto com o tubo. As informações da amostra coletada, incluindo a identificação do animal e a suspeita de mastite clínica (MC), mastite subclínica (MSC) ou pós-parto, devem ser registradas. A amostra de leite pode ser mantida fora da geladeira por até 1 hora, refrigerada por 48 horas e congelada por até 45 dias. Deve-se evitar descongelar amostras por meio do aquecimento e também não é recomendado congelar amostras de leite de mastite clínica, devido ao risco de resultados incorretos. 

Após a coleta, a próxima etapa é a inoculação das placas, que deve ser realizada na cabine de inoculação. Nessa etapa, inocula-se uma amostra do leite na placa contendo os meios de cultura conforme recomendações do fabricante e com o auxílio de um swab estéril. Por fim, a placa inoculada deve ser colocada na estufa, que deve estar entre 36 e 37°C. É recomendável que as amostras permaneçam na estufa por um período de 24 horas para a interpretação dos resultados, com uma margem de flexibilidade de até 2 horas. Isso permite que a leitura seja realizada entre 22 e 26 horas após o início do processo. Esse intervalo é essencial para garantir uma interpretação precisa e confiável dos resultados microbiológicos da cultura de leite.

Diagrama, Linha do tempo

Descrição gerada automaticamente

Figura 1. Passo a passo da cultura microbiológica na fazenda

A placa para inoculação das amostras de leite é composta por diferentes meios de cultura cromogênicos seletivos, geralmente destinados à detecção de Streptococcus spp., Staphylococcus aureus e bactérias Gram-negativas. A identificação do crescimento em cada seção da placa é feita de acordo com as cores das colônias, conforme recomendação do fabricante (Figura 2).

A CULTURA MICROBIOLÓGICA É UM GRANDE ALIADO NO CONTROLE DA MASTITE E PARA O APRIMORAMENTO DO SISTEMA PRODUTIVO LEITEIRO

Bandeja com potes de comida

Descrição gerada automaticamente

Figura 2. Resultados de placa com meio cromogênico para cultura na fazenda após o período de incubação


A. Meio seletivo para crescimento de bactérias Gram-positivas. Crescimento de colônias cinzas sugere Staphylococcus não aureus

B. Meio seletivo para crescimento de bactérias Gram-negativas. Colônias brancas com aspecto cremoso sugerem o crescimento de Gram-negativas (com exceção de Klebesiella spp, Enterobacter spp, E. coli que alteram o meio de cultura para outras cores)

C. Meio seletivo para crescimento de bactérias Gram-negativas. Colônias azuis escuro sugerem crescimento de Klebsiella spp.

D. Meio seletivo para crescimento de bactérias Gram-negativas. Colônias roxas sugerem crescimento de Escherichia coli

E. Meio de cultura não seletivo com colônias brancas sugere que houve crescimento bacteriano.

Para uma correta interpretação dos resultados, é necessária uma equipe treinada e experiente, o que pode ser uma limitação na adoção da cultura microbiológica em rebanhos leiteiros. A automação por meio de softwares e inteligência artificial na avaliação dos meios de cultura pode ser uma alternativa para diminuir a subjetividade na interpretação dos resultados. O uso de inteligência artificial para analisar as placas de culturas cromogênicas, em tempo real, colabora para caracterizar os patógenos específicos com base na interpretação da cor e características das colônias dos microrganismos.

A cultura na fazenda apresenta várias limitações significativas. Primeiramente, exige estrutura adequada e profissionais treinados para operar o laboratório, o que pode ser um desafio logístico e financeiro para muitas fazendas. Além disso, é necessário um número mínimo de casos e amostras a serem analisadas para justificar a manutenção da estrutura de cultura na fazenda, o que pode não ser viável para operações menores. 

Por fim, mesmo com a realização de culturas na fazenda, há a necessidade de se confirmar os resultados positivos em laboratórios especializados, especialmente no caso de patógenos específicos como Staphylococcus aureus e outros Gram-positivo, para garantir a precisão e a confiabilidade dos diagnósticos.

Hoje, existem diversas empresas no mercado que oferecem os meios, infraestrutura e treinamento necessários para que o diagnóstico microbiológico na fazenda seja utilizado como mais uma ferramenta para o controle da mastite. Essas empresas fornecem kits de cultura, equipamentos, suporte técnico e capacitação profissional, facilitando a implementação do método diretamente na fazenda. Contudo, é crucial que o produtor avalie cuidadosamente o que melhor se encaixa na sua rotina, nos objetivos e no orçamento, garantindo que a adoção dessa tecnologia seja viável e eficaz dentro do contexto específico de sua operação pecuária.

Considerações finais

No âmbito veterinário, para a melhor eficiência do tratamento da mastite, é importante identificar o agente causador da enfermidade para que a terapia adequada seja utilizada. Devido à alta incidência de casos de mastite, é inviável, considerando os custos financeiros, de mão de obra, de logística e de tempo, que todas as amostras de leite com suspeita de mastite sejam devidamente coletadas e transportadas para laboratórios especializados. Dessa forma, a utilização de métodos de diagnóstico que podem ser realizados na própria fazenda auxilia os produtores no controle da doença, na medida em que possibilita um diagnóstico precoce (aproximadamente em 24 horas) e o tratamento oportuno da enfermidade. De fato, o protocolo pode ser rapidamente estabelecido e aplicado, contendo o avanço e o agravamento da doença no animal e permitindo o retorno da sua produtividade e a redução de prejuízos causados pela mastite ao produtor.

Ademais, os métodos disponíveis no mercado são simples e não exigem conhecimento especializado em microbiologia, uma vez que se baseiam em alterações visíveis, como alteração de cor em meios de cultura de acordo com o tipo da bactéria presente. A adoção da cultura microbiológica na fazenda tem vantagens do ponto de vista econômico e de saúde pública, considerando que permite a implementação do tratamento seletivo de animais, pois nem todos os casos respondem ou precisam de tratamento. Isso reduz o gasto com tratamento, o descarte de leite e a seleção de agentes resistentes a antimicrobianos na propriedade.

A partir do diagnóstico, é crucial implementar medidas de controle, desde boas práticas de ordenha até estratégias de higiene e manejo do rebanho. A detecção precoce e a adoção de protocolos adequados são essenciais para mitigar os impactos da mastite na produção leiteira. A conscientização sobre a importância do controle da doença, especialmente da forma subclínica, é fundamental para garantir a saúde do rebanho e a qualidade do leite produzido. Ao priorizar a vigilância e a implementação de boas práticas, produtores e profissionais podem trabalhar juntos para preservar a sustentabilidade e a rentabilidade da produção leiteira.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro - processo RED-00132-22.


Autores:

BRUNO BORGES SILVA - Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

ANNA PAULA PIRES MARTINS - Graduanda do Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

MAISA CARTER VILELA - Graduanda do Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA

ISADORA APARECIDA REIS BARBOSA - Graduanda do Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA 

ANDREY PEREIRA LAGE - Professor Titular do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, EV, UFMG 

ELAINE MARIA SELES DORNELES - Professora Adjunta do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA


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LeiteInova

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