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Manejo, Sanidade

Entenda as múltiplas causas da estomatite bovina e sua implicações para a saúde e produtividade

Entenda as múltiplas causas da estomatite bovina, inflamação que acomete a cavidade oral dos bovinos, e suas implicações para a saúde e para a produtividade dos rebanhos

Entenda as múltiplas causas da estomatite bovina e sua implicações para a saúde e produtividade

Apesar do nome sugerir uma enfermidade que acomete o estômago, a estomatite bovina afeta, na verdade, a cavidade oral dos ruminantes. Essa doença pode ser causada por bactérias, vírus e fungos. É importante que o produtor rural compreenda os diversos mecanismos de ação dessa enfermidade e sua importância dentro do rebanho. A estomatite é um processo inflamatório que pode afetar a região das narinas e outros locais, além da boca. Animais acometidos por essa doença podem apresentar dificuldades para se alimentar, dor, febre e prostração, sintomas que resultam na diminuição do consumo de alimento e no ganho de peso diário das bezerras. 

A doença é causada por diferentes agentes e, em geral, resulta no surgimento de lesões na mucosa oral das bezerras. Essas lesões enfraquecem as barreiras naturais de proteção do local, tornando os animais mais susceptíveis a infecções secundárias. 

Por que é tão importante conhecer essa patologia?

A estomatite em bovinos, caracterizada pela inflamação da cavidade oral e pelo surgimento de lesões nas mucosas, é frequentemente negligenciada e subdiagnosticada no Brasil. Essa condição torna-se uma causa significativa de morbidade no rebanho, acarretando graves prejuízos à produtividade tanto na pecuária de corte quanto na de leite. É crucial compreender os riscos associados a essa enfermidade e implementar medidas que priorizem a saúde das bezerras e a minimização das perdas econômicas. Um dos principais desafios é a dificuldade de diagnóstico ou o diagnóstico incompleto. Em grandes propriedades, não é comum o manejo individual e a análise cautelosa da cavidade oral de cada bezerra, práticas essenciais para verificar a saúde e a integridade das mucosas. Além disso, a estomatite é frequentemente negligenciada devido às suas causas multifatoriais, que incluem substâncias químicas, agentes infecciosos e erros de manejo, como a higienização inadequada de milk bars e mamadeiras que podem servir como meio de contaminação entre os animais. 

Vale destacar que os quadros de estomatite causam significativas perdas econômicas para as propriedades. As bezerras afetadas reduzem o consumo de leite e/ou da alimentação sólida, pois as feridas na cavidade bucal dificultam a sucção e a deglutição do alimento. Consequentemente, há diminuição da eficiência alimentar e do ganho de peso, comprometendo o potencial produtivo do animal. Além disso, bezerras com estomatite frequentemente desenvolvem hipertermia, apatia e depressão, o que aumenta a susceptibilidade a doenças secundárias e eleva os custos com tratamentos e medicamentos, representando mais prejuízos econômicos para a produção.

OS QUADROS DE ESTOMATITE CAUSAM SIGNIFICATIVAS PERDAS ECONÔMICAS PARA AS PROPRIEDADES. AS BEZERRAS AFETADAS REDUZEM O CONSUMO DE LEITE E/OU DA ALIMENTAÇÃO SÓLIDA, POIS AS FERIDAS NA CAVIDADE BUCAL DIFICULTAM A SUCÇÃO E A DEGLUTIÇÃO DO ALIMENTO. CONSEQUENTEMENTE, HÁ DIMINUIÇÃO DA EFICIÊNCIA ALIMENTAR E DO GANHO DE PESO, COMPROMETENDO O POTENCIAL PRODUTIVO DO ANIMAL

Etiologia e fatores de risco

Vários agentes etiológicos podem causar estomatite, manifestando-se de formas distintas: 

1. Estomatite vesicular: causada pelo vírus do gênero Vesiculovirus da família Rhabdoviridae, essa doença acomete várias espécies animais, incluindo bovinos e pequenos ruminantes, e é considerada uma zoonose. Devido aos sinais clínicos semelhantes aos da febre aftosa, é uma doença de notificação imediata. A fácil disseminação ocorre por meio de fômites contaminados, pele e mucosas lesionadas. O vírus é eliminado por secreções e excreções dos animais. A transmissão também é facilitada por moscas hematófagas, que podem transferir o vírus de um reservatório animal para outro, mantendo-o no rebanho; 

2. Estomatite necrótica (difteria das bezerras): com maior prevalência em bezerras de 60 a 90 dias, essa doença é causada pela bactéria anaeróbia gram-negativa Fusobacterium necrophorum, parte da microbiota do trato gastrointestinal de animais e humanos. Geralmente, a infecção ocorre em associação com outras bactérias como Arcanobacterium pyogenes e Pasteurella multocida, que podem causar mastite e septicemia hemorrágica, respectivamente; 

3. Actinobacilose: essa doença é causada pelo cocobacilo gram-negativo Actinobacillus lignieresii. Considerada oportunista, a bactéria reside na cavidade bucal e no rúmen dos bovinos, também sendo encontrada no solo e no esterco. A infecção ocorre geralmente quando há feridas nas mucosas do trato gastrointestinal, frequentemente resultantes da mastigação de alimentos grosseiros e fibrosos durante a fase de desaleitamento; 

4. Estomatite papular bovina e pseudovaríola (BPSV): causada pelo vírus do gênero Parapoxvirus da família Poxviridae, a estomatite papular bovina acomete bovinos de todas as idades, especialmente animais com menos de 2 anos (Figura 1). De distribuição mundial, a doença tem características benignas e baixa mortalidade, mas pode ser mais severa em bezerras imunossuprimidas ou com doenças concorrentes;

5. Estomatite por BVD (diarreia bovina viral): este vírus da família Flaviviridae causa lesões nos cascos e na cavidade oral e possui alta capacidade de replicação em várias células do organismo, resultando em alta morbidade e perdas econômicas significativas nos rebanhos. As infecções pelo vírus BVD podem manifestar-se como doenças gastrointestinais, reprodutivas, respiratórias e cardíacas. A transmissão ocorre por meio de secreção oronasal, sangue, fezes e urina de animais infectados, com transmissão vertical possível no útero, resultando em animais persistentemente infectados (PI) que mantêm o vírus na população.

Figura 1. Sinais claros de estomatite papular: lesões visíveis na região oral, indicando inflamação que pode gerar desconforto 

Como identificar a estomatite em bovinos?

a) Estomatite vesicular: essa condição geralmente se manifesta com lesões arredondadas e esbranquiçadas, notadamente na região da gengiva, próximo aos dentes, no palato duro, narinas e focinho. Os animais afetados frequentemente exibem salivação excessiva. Com o progresso da doença, essas vesículas podem se agravar, formando úlceras e erosões. Em casos de mamada cruzada ou quando a bezerra se alimenta diretamente da vaca, as lesões podem se estender até a região dos tetos, causando dor durante a ordenha e aumentando o risco de mastite. Também foram observados casos em que, por lambedura e/ou mordedura, as lesões características de estomatites apareceram nos cascos; 

b) Estomatite necrótica: os sinais iniciais dessa condição incluem lesões ulceradas na região da boca, que podem evoluir para abcessos (Figura 2). Em casos mais graves, os sintomas podem incluir febre, tosse e dificuldade respiratória, acompanhados de ruídos audíveis na inspiração. Esses sintomas podem facilitar o desenvolvimento de pneumonia aspirativa, agravando significativamente a saúde do animal;

c) Actinobacilose: essa doença se manifesta com a inflamação dos vasos linfáticos, acometendo principalmente os linfonodos da cabeça e do pescoço. Pode também afetar a língua, que se torna rígida, aumentada de tamanho e dolorida, apresentando lesões nodulares de consistência firme e coloração esbranquiçada com pontos amarelados. Devido a essas alterações, a bezerra pode ter dificuldades significativas para engolir, mastigar e apreender alimentos, além de apresentar excesso de saliva; 

d) Estomatite papular bovina ou pseudovaríola: caracterizada por lesões proliferativas e pustulosas, principalmente nos lábios, língua, focinho e narinas, que evoluem para úlceras de superfície irregular e coloração vermelho escuro. A doença pode ser acompanhada por diarreia sanguinolenta e febre. Em casos extremamente graves, as ulcerações podem se espalhar para o tórax e pescoço e infectar os tetos das vacas se a bezerra afetada mamar na mãe; 

e) Estomatite causada por BVD (diarreia viral bovina): essa forma da doença é caracterizada por lesões graves que sangram, frequentemente encontradas na boca, laringe e esôfago, podendo se estender por toda a mucosa gastrointestinal. Esses sintomas vêm acompanhados por outros sinais de BVD, como diarreia, febre, baixo desenvolvimento e uma imunidade comprometida, predispondo o animal a outras doenças, incluindo pneumonia.  

Figura 2. Abscesso na região mandibular, indicador de estomatite necrótica

Formas de transmissão

A estomatite possui causas multifatoriais e, consequentemente, diversas vias de transmissão. A lesão na mucosa oral da bezerra pode ocorrer devido a erros de manejo, como a utilização inadequada da sonda esofágica, que torna a lesão uma porta de entrada para bactérias e fungos patogênicos. Outros fatores incluem o contato com substâncias químicas irritantes e tóxicas, além da introdução de alimentos muito duros e fibrosos durante o período de desaleitamento. 

A transmissão também pode ocorrer por contato direto por meio de secreções, feridas na pele e contato físico entre animais. Fômites contaminados, como bebedouros, mamadeiras, ração e equipamentos de ordenha, representam importante fonte de contaminação. 

Embora pouco se saiba sobre as formas específicas de transmissão dos vírus causadores de estomatite, há relatos de que esses microrganismos foram encontrados em vários insetos, incluindo o mosquito Aedes aegypti (mosquito da dengue), Lutzomyia (mosquito palha) e Musca, além de outros como gafanhotos. Quando um animal infectado é picado por um desses vetores, o inseto passa a ser portador do agente patológico e pode transmiti-lo para outros animais do rebanho e até para outros insetos.  

FÔMITES CONTAMINADOS, COMO BEBEDOUROS, MAMADEIRAS, RAÇÃO E EQUIPAMENTOS DE ORDENHA, REPRESENTAM IMPORTANTE FONTE DE CONTAMINAÇÃO.

Como diagnosticar?

O diagnóstico da estomatite inicia com o exame minucioso da cavidade oral do animal. É fundamental avaliar a cor e a textura da mucosa, buscando sinais de inflamação, como vermelhidão e inchaço. A língua, região do palato mole e duro, face interna das bochechas e gengivas também devem ser examinadas para verificar a presença de lesões, vesículas, erosões e/ ou úlceras. 

Além dos sinais clínicos, é possível realizar a análise de achados teciduais. A coleta de amostras pode ser realizada usando um swab para capturar fluidos das lesões ou fragmentos do tecido epitelial bucal. Técnicas diagnósticas como microscopia eletrônica, isolamento viral e bacteriano com cultura em ágar, ELISA, rt-PCR, imunofluorescência e imuno-histoquímica são utilizadas para identificar os agentes etiológicos responsáveis pela inflamação, que podem ser bacterianos, virais ou micóticos. 

É importante realizar um diagnóstico diferencial entre estomatite vesicular e febre aftosa, pois são clinicamente indistinguíveis. Portanto, diagnósticos laboratoriais específicos são necessários para confirmar a presença de febre aftosa e evitar sua disseminação no rebanho, dada a alta contagiosidade dessa doença. 

Os métodos laboratoriais permitem a identificação e diferenciação dos diversos agentes etiológicos, tais como estomatite vesicular (Vesiculovirus), estomatite necrótica (Fusobacterium necrophorum), actinobacilose (Actinobacillus lignieresii), estomatite papular bovina e pseudovaríola (Parapoxvirus), e estomatite por diarreia viral bovina (Pestivirus). Com um diagnóstico preciso, é possível implementar medidas de tratamento mais eficazes e específicas contra o agente etiológico envolvido. 

Como é o tratamento? 

O tratamento eficaz da estomatite em animais começa com a consulta a um médico veterinário qualificado. O profissional é responsável por realizar o diagnóstico correto, conduzir os procedimentos no campo, aplicar técnicas de contenção adequadas e administrar os medicamentos apropriados para controlar a infecção. 

O foco do tratamento está na resolução dos sinais clínicos, o que inclui a limpeza das feridas. É recomendado o uso de soluções antissépticas para promover a cicatrização e eliminar patógenos que possam causar infecções secundárias. Além disso, é essencial a administração de medicamentos específicos prescritos pelo veterinário.

É importante destacar que muitas infecções podem ser combatidas pelo próprio sistema imunológico do animal, especialmente se ele estiver recebendo nutrição adequada e manejo correto. Nos casos em que os animais apresentam dificuldades para mastigar, pode ser necessário adaptar a dieta para torná-la mais macia e fácil de ingerir, garantindo assim a adequada nutrição e suporte à recuperação do animal. 

Controle e prevenção

É essencial realizar a correta desinfecção das estruturas do curral, incluindo equipamentos de ordenha e mamadeiras. Vacas com lesões devem ser ordenhadas por último para evitar a propagação da doença. Evitar alimentos muito duros e abrasivos no período pós-aleitamento é crucial para proteger a mucosa oral dos animais. Isolar os animais sintomáticos do restante do rebanho sempre que possível ajuda a minimizar a disseminação da doença. Assegurar uma boa colostragem aos animais recémnascidos fortalece o sistema imunológico das bezerras. Segregar animais por idade pode prevenir o contato entre animais mais jovens e mais velhos, reduzindo a transmissão de patógenos. Implementar medidas para controlar insetos que se alimentam de sangue, como o uso de iscas, armadilhas, inseticidas e a eliminação dos locais de reprodução dos insetos é vital para reduzir a disseminação do vírus no ambiente. Essas medidas, quando implementadas adequadamente, podem ajudar não apenas a controlar surtos existentes, mas também a prevenir a ocorrência de novos casos de estomatite dentro do rebanho. 

Conclusão

A estomatite em bezerras representa um problema significativo em muitas propriedades rurais e, apesar de sua prevalência, frequentemente não recebe a atenção necessária. Os prejuízos associados a essa doença são consideráveis, incluindo estresse para os animais, redução do consumo alimentar, maior susceptibilidade a infecções secundárias, debilidade geral e redução no ganho médio diário de peso. 

Com um melhor entendimento dos fatores que contribuem para a estomatite, os produtores podem adotar medidas preventivas mais eficazes e saber quando é essencial consultar um médico veterinário. A conscientização e educação continuada sobre a estomatite são cruciais para mitigar seus impactos e melhorar a saúde e a produtividade do rebanho.

 

Autores: 

ALLINE GRASIELE SILVEIRA MATOS Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG 

GABRIELA FERNANDA DA SILVA CUSTODIO Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG 

JOÃO DE PAULA GONÇALVES FREIRE Graduando em Medicina Veterinária, EV/UFMG 

LARISSA LARA CRISPIM FERNANDES Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG 

ISABELLA MARIA PINTO CLAUDIANO Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG 

GIAN CARLOS DE OLIVEIRA Mestrando em Ciência animal, EV/UFMG 

RODRIGO MELO MENESES Professor de clínica de ruminantes, EV/UFMG


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