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Nutrição

Exigências nutricionais de bovinos leiteiros no Brasil

Exigências nutricionais de bovinos leiteiros no Brasil

Texto: Ana Luiza da Costa, Ricardo Reis e Silva, Helena F. Lage, Alexandre Ferreira

A formulação de dietas para bovinos leiteiros no Brasil baseia-se em tabelas internacionais, principalmente a Americana (NRC, 2001). Esta tabela foi feita para animais da raça Holandesa, de alta produção, com dietas à base de volumosos bem diferentes dos brasileiros. Recentemente, mais trabalhos de exigências nutricionais têm sido realizados. Apesar de já estarmos pesquisando esta área específica há alguns anos, as informações ainda são poucas, pois o caminho é longo. Entretanto, já foi dado um pontapé inicial, que nos permite arriscar a traçar um perfil da necessidade nutricional do animal especializado para leite no Brasil. As perguntas que não calam, no nosso entender, são: Em que pé estamos? Quais dados já temos? E afinal, o que é de fato o estudo da exigência nutricional?

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Introdução

A formulação de dietas para bovinos leiteiros no Brasil baseia-se em tabelas internacionais, principalmente a Americana (NRC, 2001). Esta tabela foi feita para animais da raça Holandesa, de alta produção, com dietas à base de volumosos bem diferentes dos brasileiros. Acredito que esta informação já seja de conhecimento amplo. Que há carência de dados nacionais, particularmente de animais especializados para leite, também é consenso. Não temos dúvidas de que há necessidade de estudos na área de exigências nutricionais de bovinos leiteiros. Não é à toa que muitos países, além dos Estados Unidos, têm desenvolvido tabelas de exigências nutricionais adaptadas às suas condições, como é o caso do Reino Unido, França, Alemanha, Austrália, entre outros. Mesmo nos Estados Unidos, existem grupos de pesquisadores propondo métodos específicos, como o de Cornell, cujos dados podem ser ou não incorporados aos do NRC.

Recentemente, mais trabalhos de exigências nutricionais têm sido realizados.  Apesar de já estarmos pesquisando esta área específica há alguns anos, as informações ainda são poucas, pois o caminho é longo. Entretanto, já foi dado um pontapé inicial, que nos permite arriscar a traçar um perfil da necessidade nutricional do animal especializado para leite no Brasil. As perguntas que não calam, no nosso entender, são: Em que pé estamos? Quais dados já temos? E afinal, o que é de fato o estudo da exigência nutricional? Buscando essas respostas tentamos escrever este artigo dentro de uma abordagem explicativa, ressaltando alguns pontos que consideramos importantes.

 

O estudo das exigências nutricionais

A formulação de dietas se baseia em dados: dados de composição dos alimentos e da necessidade do animal. Os estudos desses dados, tanto da dieta quanto do animal, constituem a base dos estudos em exigência nutricional. Ou seja, quanto o animal tem que ingerir de matéria seca por dia, e quanto de proteína, energia e minerais deve ter esta dieta ingerida, para atender à sua demanda destes nutrientes?

 

Exigência de Matéria Seca

Quando trabalhamos com animais confinados, a formulação fica mais simples, pois temos condição de estimar o consumo diário de alimentos. Com isso, a diferença entre a dieta calculada no computador e a ingerida pela vaca fica menor. Mas, quando o assunto é pasto, a situação se complica. Partimos do pressuposto de que o animal tem uma determinada ingestão de matéria seca (normalmente dada por uma tabela), expressa em kg/dia, e que a diferença, o déficit, será suprido pelos alimentos concentrados. Nesse ponto é impossível levar em conta que um dia está mais quente que outro, que um piquete tem sombra e o outro não, qual a distância da água, com que tipo de animal estamos trabalhando, em que local e época do ano, se o relevo é acidentado, qual a distância percorrida por dia, entre vários outros itens que podem levar uma vaca a comer mais ou menos que outra. Ou pior: nossa vaca come mais ou menos do que diz aquele número da tabela, para a vaca de “x” kg de peso vivo e produzindo “x” kg de leite/dia. São tantas as variáveis que podem interferir no consumo de matéria seca, que quase sempre acabamos apelando para o jeitinho brasileiro da observação: pela produção de leite, escore corporal e reprodução buscamos ajustar a necessidade do animal, normalmente alterando a proporção entre alimentos volumosos e concentrados. E aqui temos que reconhecer que no Brasil há nutricionistas, pesquisadores ou não, que realmente têm um olho “clínico”. O mérito deles, o conhecimento aliado à prática, é inegável. Nós, pesquisadores da área de exigências nutricionais de bovinos, temos um grande desafio: precisamos encontrar fórmulas matemáticas que gerem tabelas, que transcrevam estes conhecimentos aliados à prática em números, dados, que possam ser consultados por todos.

 

Exigência de Proteína

A exigência proteica era expressa inicialmente como proteína bruta, que evoluiu para proteína digestível e, mais recentemente, para proteína degradável (PDR) e proteína não degradável no rúmen (PNDR), em função principalmente das taxas de passagem da digesta pelo sistema digestivo e das características do alimento. A taxa de passagem é consequência principalmente do nível de ingestão de matéria seca. Esta abordagem é interessante porque tem levado à adaptação dos até então chamados sistemas estáticos para um sistema dinâmico de exigência nutricional e cálculo de rações. Ou seja, o valor nutricional da dieta – aqui enfatizando a proteína - ou de um alimento específico, depende da condição de alimentação.

Os últimos trabalhos sobre metabolismo da proteína têm descrito a proteína como proteína metabolizável. Essa é a forma que o NRC (2001) expressa a necessidade do animal em proteína. Proteína metabolizável pode ser definida como a proteína que é absorvida no intestino delgado. Isso quer dizer que para conhecê-la, para sabermos quanto de aminoácidos e peptídeos será absorvido no intestino delgado, precisamos saber quanto de proteína microbiana é sintetizada no rúmen e quanto de proteína não degradável ingerida chega ao intestino. De cada uma destas frações, precisamos saber quanto é proteína verdadeira, e quanto desta proteína verdadeira é digestível. O resultado disso tudo, mais um pouco de proteína endógena que chega ao intestino, é a proteína metabolizável, que será absorvida e utilizada pelos animais para manter suas funções vitais, produção de leite, ganho de peso e reprodução. As exigências nutricionais de proteínas pelos bovinos leiteiros são expressas em proteína metabolizável nas tabelas atuais.

É importante lembrar que a proteína de fato depositada nos produtos (leite, músculos, gestação, além da mantença do animal) é a proteína líquida, ou seja, na realidade, são utilizados fatores de conversão de proteína líquida para proteína metabolizável. E estes fatores de conversão foram determinados em trabalhos clássicos, há bastante tempo atrás, em pesquisas realizadas no exterior.

Até agora falamos do animal, da necessidade do animal em proteína, que atualmente é expressa em proteína metabolizável. Mas e a dieta? Qual o dado de proteína dos alimentos temos em mãos? Normalmente temos o dado de proteína bruta. Por que ainda trabalhamos com proteína bruta nos alimentos? Porque é um método rápido, barato, de alta repetibilidade e difundido nos laboratórios de nutrição. Ele dosa o nitrogênio da amostra de alimento. Entretanto, para usar este dado de proteína bruta (ou simplesmente nitrogênio) na formulação, precisamos saber também quanto desse nitrogênio é degradável no rúmen, deste último quanto é solúvel, ou seja, rapidamente degradável, e quanto de proteína (não apenas nitrogênio) verdadeira chega ao intestino. Alguns laboratórios já realizam análises específicas que permitem determinar a solubilidade ou, pelo menos, estimar a digestibilidade do nitrogênio. Mas ainda é comum a consulta a tabelas para se utilizarem os dados de PDR e PNDR.

A maior parte dos trabalhos de exigências estuda alimentos e dietas por meio de animais fistulados no rúmen e no intestino, de forma a tentar estimar as frações da proteína descritas no parágrafo anterior. Não são pesquisas simples e, além disso, muitas vezes esbarram na dificuldade de repetir o que ocorre em um animal em produção, com alta ingestão de matéria seca e, consequentemente, uma dinâmica digestiva provavelmente diferente do animal experimental. É um desafio constante. Precisamos ter mais dados sobre a degradabilidade da proteína da dieta em diferentes condições de alimentação, e da PNDR conhecer quanto é digestível, quanto de proteína microbiana é sintetizada, e desta última, quanto é digestível.

 

Exigência de Energia

Da mesma forma que a proteína, a energia dos alimentos e a exigência de energia do animal também têm sido descritas de diferentes formas. Os dados de Energia Digestível (ED) já foram e ainda são bastante utilizados, e descrevem a energia do alimento, subtraindo-se o que foi eliminado pelas fezes. A partir da energia digestível, se subtrairmos quanto da dieta é perdido pela urina e por gases, podemos chegar à Energia Metabolizável (EM). A partir desta última, se for medida a quantidade de calor oriunda do metabolismo do animal e do processo digestivo, chegamos à Energia Líquida, que pode ser definida como a energia que é de fato utilizada para mantença e formação de produtos, como leite, gestação e ganho de peso. Além das formas descritas acima, que expressam a energia em calorias (cal, Kcal e Mcal), temos também o NDT, ou nutrientes digestíveis totais, que expressa o teor energético do alimento em porcentagem da matéria seca. O NDT foi utilizado há muitos anos, depois foi “abandonado” por ser considerado ultrapassado, mas na última edição do NRC voltou a ser indicado como a forma mais prática de se formular, principalmente pelo grande banco de dados existente. Felizmente, no Brasil também temos um número considerável de dados de NDT dos alimentos, principalmente oriundos de experimentos que mediram o consumo de alimento e a produção fecal, ou seja, a quantidade de nutrientes digestíveis na dieta ingerida. São os chamados ensaios de digestibilidade, que permitem o cálculo não só da digestibilidade em si, mas também a determinação do NDT e da energia digestível da dieta. O que precisamos estudar mais, ou talvez incrementar em relação aos dados existentes, seria quais são as ferramentas para se estimar o NDT de um alimento ou dieta por meio de análises de rotina dos laboratórios de nutrição. A maior parte dos laboratórios estima o NDT a partir dos teores de FDA (fibra em detergente ácido), utilizando uma equação desenvolvida na década de 1970 (“Latin American Tables of Feed Composition”, McDOWELL, 1974). É uma equação muito boa, robusta, mas que com certeza pode muitas vezes subestimar ou superestimar o NDT, principalmente quando levamos em conta a grande variabilidade dos volumosos utilizados, mesmo que tenham teores de FDA similares, além das condições de alimentação, que podem ser distintas. Alguns formuladores recorrem a laboratórios que realizam a digestibilidade “in vitro”, que tem alta correlação com a digestibilidade da dieta. É uma excelente estimativa, especialmente para volumosos, mas esbarra na dificuldade dos laboratórios de manterem animais fistulados no rúmen para retirada de suco ruminal. A outra alternativa que temos e, infelizmente, muito comum, é consultarmos uma tabela, que pode ser nacional ou não, para sabermos o NDT de cada alimento e, assim, estimarmos o NDT da dieta.

Recentemente têm ocorrido refinamentos nos valores de NDT, que dizem respeito à dinâmica digestiva da dieta, como nível de consumo de matéria seca e taxa de passagem, correções para nitrogênio indigestível, e fração perdida nas fezes de origem endógena. Isso quer dizer que os dados de NDT de uma dieta não devem mais ser vistos de forma estática, podendo variar de acordo com a condição de alimentação. Ou seja, além de estimarmos o NDT, precisamos saber o que pode interferir na sua utilização pelo animal, fazendo com que seu valor seja maior ou menor. O NRC (2001) faz correções do NDT principalmente para nível de consumo e processamento da dieta. É importante ressaltar aqui que o banco de dados do NRC baseia-se em animais em mantença, não em lactação. Por isso, na edição de 2001, considera-se que, para animais em lactação, a partir de 15 kg de leite/dia, aproximadamente, haveria queda na digestibilidade da dieta (e com isso queda no NDT da dieta) devido ao aumento do consumo de uma vaca em lactação em relação a uma vaca seca. Isso porque o maior consumo acaba levando a uma maior velocidade no trânsito digestivo, com maior perda de alguns nutrientes nas fezes. Essa correção é realizada para dietas a partir de 60% de digestibilidade. Já com relação ao processamento, considera-se que o amido tem sua digestibilidade aumentada quando é processado, o que faz com que, por exemplo, o milho floculado tenha mais NDT que um milho moído fino que, por sua vez, tem mais NDT que um milho moído grosseiramente. Todas essas correções são totalmente pertinentes e necessárias. A questão é criar as equações de correção para estes fatores em condições brasileiras de produção de leite, uma vez que os alimentos aqui disponíveis (o milho é um bom exemplo) diferem dos americanos.

O estudo das exigências de energia tem sido o foco do nosso trabalho. Já realizamos experimentos com fêmeas das raças Gir Leiteiro, F1-Holandês-Gir e Holandês puro. Trabalhamos com animais pós-desmama até a idade adulta, provenientes da Epamig, em Felixlândia-MG, selecionados para produção de leite.  Atualmente, estamos desenvolvendo uma pesquisa com animais gestantes, das raças Gir Leiteiro e F1 Holandês-Gir, e em 2013 pretendemos estudar estes mesmos animais durante a lactação, assim como seus bezerros. Nossos trabalhos têm sido realizados no Laboratório de Calorimetria e Respirometria da Escola de Veterinária da UFMG. Utilizando-se uma câmara respirométrica, estimamos a produção de calor do animal em diferentes estados fisiológicos e condições de alimentação, o que nos permite calcular sua exigência de energia para mantença e para as diferentes funções produtivas. São experimentos complexos, longos, mas cujos resultados são muito promissores, uma vez que descrevem a necessidade do animal em energia, assim como o teor energético da dieta, nas diferentes condições estudadas. Os resultados obtidos são expressos em Energia Líquida, que pode ser Energia Líquida para Mantença (ELm), Energia Líquida para Produção de Leite (ELl), Energia Líquida para Ganho de Peso (ELg) e Energia Líquida para Gestação (ELf). Na realidade, determina-se o que de fato foi utilizado pelo animal nas funções produtivas descritas. Tendo-se os dados de energia digestível ou NDT da dieta, que são determinados em ensaios de digestibilidade, pode-se calcular (e não estimar!) os fatores de conversão do NDT da dieta para ED e EM, e desta última para cada função fisiológica, ou EL (ELm, ELl, ELg, ELf). Ou seja, determinamos os valores de k (eficiência de conversão da energia metabolizável em energia líquida) para mantença (km), produção de leite (kl), ganho de peso ou crescimento (kg) e gestação (kf). Até então estes dados eram estimados e convertidos a partir de fórmulas adotadas por tabelas estrangeiras. Traduzindo, o que normalmente é feito, é consultar uma tabela de exigência (cujos dados originais são de energia líquida), sendo que temos dados (estimados!) de NDT dos alimentos que utilizamos. Precisamos converter a exigência de EL do animal para NDT ou de NDT do alimento para EL. Esperamos, com os resultados destas pesquisas, obter fatores de conversão reais para a vaca leiteira que está sendo alimentada, com graus de sangue variados e ingerindo forragem tropical.

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Dados já obtidos

Os dados já obtidos demonstram uma diferença da novilha Gir leiteira em relação à Holandesa. A Gir tem menor consumo de matéria seca provavelmente devido à menor capacidade do trato digestivo, mas tem menor exigência para mantença. Isso faz com que seja um animal que pode ter mais energia disponível para produção de leite. Estes dados já eram esperados, mas ressalta-se que, pela primeira vez, temos o valor real de exigência nutricional de energia de animais Gir leiteiros. As novilhas F1 Holandês-Gir apresentaram exigência nutricional de energia para mantença similar à das Holandesas, que por sua vez apresentaram  dados muito parecidos com os do NRC (2001). Esta última informação é muito importante para nos dar respaldo científico e certificar que a pesquisa vem sendo conduzida em boas condições. Algumas observações, talvez audaciosas, são que percebemos maior facilidade para ganho de peso e mesmo manutenção do peso em condições de restrição nutricional para o animal de sangue zebuíno. Apesar da diferença entre a F1 e a Holandesa não ser estatística, percebemos que precisamos estudá-las em distintos planos de alimentação, para verificar se a eficiência de conversão da energia vai ter comportamento similar nas diferentes situações. Em um trabalho realizado este ano, foi estudado o efeito de diferentes consumos de energia sobre a exigência nutricional de energia. Realizou-se o abate de animais F1 Holandês-Gir de 300 kg de peso vivo submetidos a dietas em três níveis energéticos, durante 120 dias: manutenção do peso, ganhos de peso de cerca de 500g e ganhos de peso de 1 kg/dia. Os dados ainda estão em processamento, mas verificou-se que os animais com ganhos de peso intermediários tiveram eficiência alimentar superior à dos animais com ganhos maiores. Observou-se que quando um animal possui uma ingestão elevada de energia, sua produção aumenta, mas junto com o aumento da produção há também um aumento nos mecanismos corporais de que o animal dispõe para o devido aumento na produção. Ou seja, o metabolismo das vísceras e órgãos, que representam não menos que 50% das exigências de energia para mantença, está aumentado para garantir a maior produção, quer seja ganho de peso, quer seja produção de leite.

Os resultados são parciais, pois os trabalhos ainda estão em andamento, mas nos indicam que fêmeas mestiças selecionadas para alto potencial leiteiro são animais exigentes em energia. Os dados deixam claro que o leite é produzido a partir de modificações metabólicas que demandam energia, quer seja em uma vaca Holandesa, quer seja em uma mestiça. Mas é importante deixar claro que nestes trabalhos não foram levadas em conta características de rusticidade e adaptação às condições adversas, que podem levar uma vaca mestiça a ter melhor capacidade de produção em determinadas situações.

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