O controle estratégico do carrapato-do-boi preserva a saúde do rebanho e a sustentabilidade da atividade
Rhipicephalus microplus, conhecido como carrapatodo-boi, destaca-se pela sua importância na pecuária bovina, especialmente em raças taurinas. Originário da Ásia, esse ectoparasito se estabeleceu no Brasil no início do século XVIII, com a introdução de animais e mercadorias.

Os carrapatos se alimentam exclusivamente de sangue e são capazes de ingerir grandes quantidades, o que afeta diretamente a produção diária de leite e o ganho de peso dos bovinos. As lesões na pele dos animais causadas pelo parasitismo podem favorecer o surgimento de miíases (bicheiras) e infecções secundárias por microrganismos oportunistas, comprometendo a qualidade do couro. Além disso, o carrapato-do-boi é o principal vetor dos agentes patogênicos da Tristeza Parasitária Bovina, doença que pode resultar em debilidade, fraqueza progressiva e, em casos graves, levar à morte dos animais afetados.
Os prejuízos causados por esse parasito são significativos, estimados em até 3,2 bilhões de dólares por ano no Brasil. Portanto, a implementação de um controle estratégico é essencial para proteger a saúde do rebanho, assegurar a produtividade e reduzir os impactos econômicos associados a este ectoparasito.
Diferentes regiões e raças bovinas, diferentes desafios
Rhipicephalus microplus (Figura 1) está amplamente distribuído pelo Brasil, e as variações climáticas, como temperatura e umidade, influenciam diretamente o número de gerações desse carrapato em cada região. A geração refere-se ao número de vezes que o carrapato consegue completar seu ciclo biológico. Portanto, quanto maior o número de gerações, maior o desafio no controle. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, podem ocorrer até cinco gerações anuais, enquanto na região Sul são registradas três gerações por ano. Já nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, os estudos ainda são limitados.
Em relação às raças bovinas, há clara diferença no parasitismo entre os taurinos e os zebuínos, sendo as raças zebuínas mais resistentes. Essa resistência ao parasitismo é influenciada por fatores evolutivos, imunológicos e físicos. Por exemplo, nas raças zebuínas, a resposta imunológica à picada do carrapato é mais eficaz, e características como pelagem curta e comportamentos de autolimpeza dificultam a fixação e alimentação dos carrapatos.
O ciclo de vida
O ciclo biológico de Rhipicephalus microplus envolve apenas um hospedeiro, e a fase em que o carrapato permanece fixado ao bovino pode durar aproximadamente 21 dias. O ciclo (Figura 2) é dividido em duas fases: não parasitária e parasitária. A fase não parasitária começa quando a fêmea alimentada cai ao solo, onde se abriga na vegetação para realizar a postura dos ovos. A incubação dos ovos, favorecida por condições ideais de temperatura e umidade (27± 1ºC e 80-85% respectivamente), resulta na eclosão média de até 3.000 larvas por fêmea.
As larvas se agrupam na ponta das folhas de capim, esperando a passagem do hospedeiro. Após se fixarem no bovino, iniciam a fase parasitária, alimentando-se e evoluindo para ninfas e, posteriormente, para a fase adulta. O ciclo se completa com a cópula e reinício do processo (Figuras 3 e 4).
Três passos para o controle estratégico do carrapato-do-boi em vacas leiteiras
O controle estratégico do carrapato-do-boi é essencial para a saúde do rebanho e a viabilidade econômica da produção leiteira e compreende três etapas principais: a escolha do carrapaticida, o momento adequado para o tratamento e a correta aplicação do banho carrapaticida.
Passo 1: escolha do carrapaticida
Existem diferentes produtos disponíveis para o tratamento desse parasito, cada um com suas características e modos de aplicação. Para vacas em lactação, a forma mais adequada de tratamento é por meio da pulverização ou do banho carrapaticida, devido ao curto período de carência dos produtos comerciais destinados a esse fim. Quando se utiliza carrapaticidas, é importante ficar atento aos resíduos que podem estar presentes no leite. Esses resíduos podem comprometer a qualidade do produto e a segurança dos consumidores. Portanto, é indispensável seguir rigorosamente as instruções de uso, principalmente quanto ao período de carência - o tempo em que o leite não deve ser consumido após o tratamento.
O uso inadequado ou excessivo de carrapaticidas pode resultar na contaminação do leite, prejudicando tanto a saúde dos consumidores quanto o mercado de laticínios, além de acelerar o desenvolvimento de resistência nas populações de carrapatos. Para determinar o produto mais adequado para sua propriedade, recomenda-se a realização de um teste de resistência, conhecido como biocarrapaticidograma.
Passo 2: momento adequado para o tratamento
Após a escolha do produto adequado, é necessário entender o momento certo para começar o controle estratégico, que deve ser iniciado quando a quantidade de carrapatos no ambiente for menor. No Brasil Central (Centro-Oeste e Sudeste), esse período ocorre no início da primavera, entre o final de setembro e início de outubro. Com essa estratégia, o controle é direcionado para o momento de maior vulnerabilidade do carrapato.
Em alguns sistemas de criação, esse momento coincide com o final do período de confinamento dos animais, que ocorre simultaneamente ao término da estação seca. Ou seja, logo após o início da primavera, quando começam a surgir fases imaturas do carrapato, como larvas e ninfas (Figura 5) parasitando os animais, é recomendável dar início ao controle estratégico. Dessa forma, a população de carrapatos é tratada antes que as fêmeas ingurgitadas se desprendam do animal e iniciem a oviposição no ambiente, reduzindo significativamente o número de larvas da nova geração presentes nas pastagens.
O CONTROLE ESTRATÉGICO DO CARRAPATO-DOBOI É ESSENCIAL PARA A SAÚDE DO REBANHO E A VIABILIDADE ECONÔMICA DA PRODUÇÃO LEITEIRA E COMPREENDE TRÊS ETAPAS PRINCIPAIS: A ESCOLHA DO CARRAPATICIDA, O MOMENTO ADEQUADO PARA O TRATAMENTO E A CORRETA APLICAÇÃO DO BANHO CARRAPATICIDA
O intervalo entre tratamentos deve ser rigorosamente respeitado, com um espaçamento máximo de 21 dias — tempo necessário para que as fêmeas adultas se desprendam do animal. Esse intervalo pode ser reduzido, dependendo do nível de infestação e da carga parasitária dos animais. No cenário ideal, os tratamentos ocorrem apenas durante o período chuvoso; no período seco, ou de confinamento, a diminuição da carga parasitária permite a suspensão dos tratamentos. Em regiões com maior desafio, podem ser necessários de seis a oito tratamentos por ano.
Passo 3: correta aplicação do carrapaticida
O “banho bem dado” é definido como uma série de procedimentos, estratégias e condutas que levam ao sucesso da aplicação do carrapaticida de pulverização na propriedade. Para obter o melhor resultado, é essencial seguir criteriosamente os passos anteriores. O banho pode ser realizado com diferentes tipos de equipamentos, como a bomba costal, o pulverizador motorizado e a câmara atomizadora, além de outros adaptados para tratamento carrapaticida. No entanto, o aspecto mais importante não é o tipo de equipamento utilizado, mas a execução adequada do procedimento.
O animal deve ser completamente contido, com restrição de movimentos, em um local seguro. O operador deve utilizar equipamentos de proteção individual (EPI) que evitem a inalação e o contato direto da calda carrapaticida com a pele (Figura 6). Esses EPIs incluem máscara, óculos, luvas, botas, chapéu e macacão impermeável.
A calda carrapaticida (produto + água) deve ser preparada conforme as instruções da bula. São necessários 5 litros de calda por vaca. Assim, o volume total da calda a ser produzido deve considerar o número de vacas e a quantidade de calda por animal. Por exemplo, em uma propriedade com 20 animais selecionados para tratamento, serão necessários 100 litros de água (20 vacas x 5 litros = 100 litros). Após determinar o volume de água, consulta-se a bula para saber a quantidade de produto a ser adicionada. O produto é diluído na água em um reservatório adequado e misturado até formar uma solução homogênea. A ordem correta de preparo é: colocar metade da água, adicionar o produto, e depois completar com o restante da água, misturando durante todo o processo. As recomendações do fabricante devem ser rigorosamente seguidas. Não se deve misturar diferentes produtos carrapaticidas ou alterar as proporções indicadas na bula.
A aplicação começa pela parte traseira do animal e termina na cabeça, aplicando-se a calda de baixo para cima, no sentido contrário ao pelo, para garantir uma cobertura eficiente de todas as áreas do corpo. O tipo de jato produzido pelo equipamento também é crucial para a eficácia do procedimento; bicos que produzem jatos cônicos são os mais indicados para o banho. Durante o tratamento, não pode haver perdas por escorrimento, deriva excessiva ou pressão de trabalho insuficiente, que podem provocar gotejamento da calda pelo bico.
O banho deve ser realizado preferencialmente no início da manhã, em dias sem chuva, sem vento ou alta incidência solar. A ergonomia dos equipamentos também deve ser considerada, optando-se por aqueles que exigem menos esforço físico e aumentam a precisão do tratamento. Portanto, manter-se atualizado com as inovações e melhores práticas de manejo é essencial para garantir um controle mais eficaz e econômico dos carrapatos.
O USO INCORRETO OU EXCESSIVO DE CARRAPATICIDAS ACELERA O SURGIMENTO DE POPULAÇÕES RESISTENTES, TORNANDO O CONTROLE DOS CARRAPATOS MAIS COMPLEXO E ONEROSO
Os impactos da resistência
A resistência dos carrapatos aos carrapaticidas é uma preocupação crescente. Embora o desenvolvimento da resistência seja inevitável, a velocidade e os impactos desse processo podem ser gerenciados. O uso incorreto ou excessivo de carrapaticidas acelera o surgimento de populações resistentes, tornando o controle dos carrapatos mais complexo e oneroso. Por isso, é fundamental adotar práticas corretas e implementar métodos técnicos e criteriosos para prolongar a eficácia dos tratamentos.
O teste biocarrapaticidograma é uma ferramenta útil que pode ser realizada desde as primeiras infestações de carrapatos, prevenindo problemas relacionados à resistência e economizando recursos a longo prazo. Para realizá-lo, é necessária a coleta de aproximadamente 200 carrapatos adultos grandes (fêmeas ingurgitadas), de animais que não tenham sido tratados com carrapaticida. Esses carrapatos devem ser armazenados em recipientes adequados, que permitam a circulação de ar e mantenham as condições adequadas de umidade e temperatura.
Os carrapatos devem ser enviados, em até 24 horas, para instituições especializadas (universidades ou centros de pesquisa), utilizando o serviço de Sedex dos Correios ou entregues pessoalmente. O resultado do teste é divulgado após 40 dias, período necessário para avaliar a fase de vida não parasitária do carrapato. Recomenda-se repetir o teste anualmente. É importante buscar informações e consultar as instituições mais próximas para realizar o teste.
Em Minas Gerais (Figura 7), três instituições realizam o biocarrapaticidograma gratuitamente: o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) - Campus Salinas, pelo Laboratório de Parasitologia Veterinária (contato: vanessa.vieira@ifnmg.edu.br); a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) Centro-Oeste, localizada em Prudente de Morais/MG (contato: dsrodrigues.epamig@gmail.com); e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) Gado de Leite (contato: carrapato@cnpgl.embrapa.br ), situada em Juiz de Fora/MG.
Outras instituições em diferentes estados brasileiros também oferecem o teste gratuitamente: no Rio Grande do Sul, o Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor - IPVDF (contato: protocolo-ipvdf@agricultura.rs.gov.br), situado em Eldorado do Sul, e a EMBRAPA Pecuária Sul, em Bagé; no Mato Grosso do Sul, a EMBRAPA Gado de Corte, em Campo Grande (contato: cnpgc.carrapatos@embrapa.br); e em Goiás, o Laboratório de Doenças Parasitárias da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia (contato:ladoparufg@gmail.com), que oferece o serviço, mediante pagamento.
Manejo estratégico
Investir em um manejo bem planejado e adaptado à realidade da propriedade otimiza o controle de carrapatos e proporciona ganhos duradouros em produtividade e rentabilidade. Para que esse manejo traga benefícios reais à produção, é essencial prestar atenção nas práticas relacionadas ao controle estratégico do carrapato, visando desacelerar o processo de resistência aos carrapaticidas.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG pelas bolsas concedidas, bem como à FAPEMIG, processo RED-00132-22 e APQ-00708-21, APQ-02531-24 pelo apoio financeiro.
GABRIEL RESENDE SOUZA Pós-graduando em Ciência Animal, EV/UFMG
JOÃO PAULO SOARES ALVES Pós-graduando em Ciência Animal, EV/UFMG
BEATRIZ REZENDE GANDRA DE ARAUJO Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG
LÍVIA PAULINO DE OLIVEIRA Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFMG
CAMILA DE VALGAS E BASTOS Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG
JÚLIA ANGÉLICA GONÇALVES DA SILVEIRA Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG
LORENA LOPES FERREIRA Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG
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LeiteInova
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