Saiba mais sobre a Salmonella Dublin, uma nova ameça aos rebanhos leiteiros
A Salmonella Dublin é uma bactéria emergente em rebanhos leiteiros, causando sérios problemas de saúde animal e riscos à segurança alimentar. Ela pode provocar infecções sistêmicas graves, abortamentos, alta mortalidade em bezerras e queda na produção de leite. Saiba mais sobre essa bactéria, a fim de reconhecer sua presença no rebanho e prevenir a disseminação.
A Salmonella é uma bactéria frequentemente associada a doenças transmitidas por alimentos e causadora de diarreia em humanos e animais. A Salmonella Dublin (S. Dublin), um sorotipo específico dessa bactéria (Figura 1), está bem adaptado para infectar bovinos e tornou-se um dos sorotipos mais comumente isolados em fazendas leiteiras. Embora a maioria das cepas de Salmonella cause doenças gastrointestinais, a S. Dublin também está relacionada a infecções sistêmicas graves, incluindo doenças respiratórias em bovinos.
No Brasil, a S. Dublin ainda é menos frequente, o que pode ser resultado da falta de estudos quanto a prevalência dessa bactéria no rebanho leiteiro nacional. Em contraste, em regiões como os Estados Unidos e a Europa, onde a prevalência é mais alta, ela tem sido amplamente estudada e documentada. Entretanto, a globalização e o aumento da movimentação de animais e produtos agrícolas podem elevar o risco de introdução e disseminação dessa bactéria no país.
Considerando a importância da S. Dublin para a saúde do rebanho, é importante entender alguns pontos, como: 1) a doença causada por S. Dublin; 2) os desafios específicos de higiene; 3) as medidas para minimizar sua emergência e persistência nos rebanhos, assegurando a saúde das vacas leiteiras.
Conhecendo para reconhecer
Enquanto estão doentes, as vacas eliminam S. Dublin no ambiente, principalmente pelas fezes. Além disso, mesmo após os sinais clínicos da doença terem desaparecido, as vacas ainda são capazes de eliminar a bactéria. As vacas podem ser infectadas por transmissão fecal-oral, permanecer clinicamente saudáveis (assintomáticas), mas continuarem eliminando a bactéria no ambiente. Assim, as fêmeas adultas são importantes para a epidemiologia da doença, dada a possibilidade de atuarem como fontes de infecção silenciosas. Importante ressaltar que fatores ambientais como estresse e falhas de manejo, que interfiram negativamente na saúde individual dos animais, são fundamentais para o desenvolvimento da doença.
A S. Dublin pode causar uma variedade de sinais clínicos em bovinos, sendo os bezerros particularmente os mais vulneráveis. A infecção por essa salmonela pode levar a doenças diarreicas, mas também pode causar doenças mais invasivas e severas em comparação com outros sorotipos. Os bezerros são especialmente suscetíveis a:
- Doenças respiratórias: bezerros infectados com S. Dublin podem desenvolver doenças respiratórias graves, como pneumonia, que são fatais se não tratadas adequadamente. A pneumonia associada à S. Dublin é mais comum em bezerros na fase de amamentação tardia e pós-desmame;
- Infecções sistêmicas: a S. Dublin pode causar septicemia e infecções no sangue, levando a uma alta mortalidade em bezerros jovens.
Vacas adultas, no entanto, podem ser assintomáticas, ou seja, não apresentam sinais clínicos. Os adultos são menos propensos a desenvolver doenças graves, mas podem apresentar redução na produção leiteira. Em casos graves, abortamentos podem ocorrer em novilhas prenhes.
Tipicamente, o tratamento das infecções por Salmonella spp. envolve a reposição de fluidos, sendo os antibióticos mais frequentemente usados em animais com alto risco de infecções sanguíneas, como bezerros. Em relação a outros sorotipos de Salmonella spp., a S. Dublin é naturalmente mais resistente a antibióticos, complicando a capacidade de tratar as infecções.
FATORES AMBIENTAIS COMO ESTRESSE E FALHAS DE MANEJO, QUE INTERFIRAM NEGATIVAMENTE NA SAÚDE INDIVIDUAL DOS ANIMAIS, SÃO FUNDAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA
Fatores de risco associados
A S. Dublin é transmitida quase exclusivamente entre bovinos, seres humanos e outros animais, embora a transmissão para as aves seja incomum. Assim, a prevenção está relacionada às práticas de manejo do ambiente e dos animais. Os fatores de risco para surtos e endemia incluem (Figura 2):
a) Condições de higiene: ambientes, materiais e equipamentos mal higienizados favorecem a sobrevivência da bactéria, já que ela permanece em fezes, solo, água e em superfícies das instalações. Portanto, práticas inadequadas de limpeza podem aumentar significativamente o risco de infecção;
b) Densidade populacional: alta densidade animal facilita a disseminação da bactéria pela transmissão fecal-oral, elevando o risco de infecção;
c) Transmissão fecal-oral: os animais podem ingerir a bactéria ao consumir alimentos ou água contaminados com fezes de animais infectados;
d) Colostro e leite não pasteurizados: são consideradas importantes vias de transmissão. Portanto, é imprescindível que os bezerros e os seres humanos consumam esses alimentos após correto tratamento térmico (a pasteurização já é suficiente);
e) Imunidade reduzida: bezerros com sistema imunológico comprometido por doenças anteriores, estresse, desnutrição ou falha na colostragem são mais suscetíveis a infecção;
f) Estresse: mudanças ambientais e desmame são os principais fatores que desencadeiam o estresse, levando a baixa eficiência do sistema imune;
g) Introdução de novos animais: a introdução de novos animais no rebanho pode ser um fator de risco se eles estiverem infectados ou se forem provenientes de rebanhos com histórico de infecção.
A PREVENÇÃO ESTÁ RELACIONADA ÀS PRÁTICAS DE MANEJO DO AMBIENTE E DOS ANIMAIS
Gestão de surtos
Surtos de S. Dublin, como os que ocorrem nos Estados Unidos, geram inúmeros prejuízos para o setor leiteiro devido à perda de animais e diminuição da produção de leite. A gestão desses surtos é desafiadora, pois a eliminação de S. Dublin ocorre tanto em animais doentes quanto naqueles infectados, mas clinicamente saudáveis. O número de bactérias eliminadas por um animal doente é maior quando comparado aos animais assintomáticos, a não ser quando esse último grupo esteja sob maior estresse, como durante o parto ou transporte, por exemplo. Quando as bactérias são eliminadas via fezes, saliva e/ou leite, podem persistir no ambiente por meses a anos, proporcionando ampla oportunidade para a infecção de animais saudáveis, o que prolonga o surto.
Durante um surto, é importante que o produtor/gestor preste atenção à prevenção da disseminação S. Dublin para animais saudáveis. Por isso, o diagnóstico rápido, o isolamento dos animais doentes e a correta intervenção são fundamentais para o controle da propagação da doença. Mesmo após a resolução aparente da infecção no rebanho, o diagnóstico, o isolamento dos animais e a higiene rigorosa devem ser mantidos por longos períodos (por semanas!), já que os animais ainda podem eliminar a bactéria. É importante ressaltar que, embora a transmissão fecal-oral seja uma preocupação em todas as idades, a transmissão por meio do colostro e leite não pasteurizado é outra possível fonte de infecção para bezerros. Portanto, é importante monitorar a contaminação fecal do leite, colostro e equipamentos relacionados à alimentação. Se os recursos forem limitados, o foco na higiene desses equipamentos, áreas de grande tráfego e áreas onde grupos de alto risco estão alojados (vacas de transição, baias de maternidade, alojamento de bezerros) deve ser priorizado.
A infecção de seres humanos e outros animais por S. Dublin é uma realidade e, por isso, todos os profissionais envolvidos durante o surto e que tenham contato com os animais infectados devem permanecer atentos. Medidas simples de biossegurança, como higiene das mãos, limpeza de botas e respeito ao escalonamento do manejo dos animais (saudáveis primeiro, infectados depois) - caso o número de funcionários seja reduzido - ou a alocação de funcionários para cada grupo, são fundamentais para evitar este problema. Mesmo assim, apesar de a transmissão por contato direto poder acontecer, a principal via de transmissão de S. Dublin para seres humanos é por meio do leite contaminado, o que pode ser evitado a partir do consumo de leite pasteurizado ou UHT.
DIAGNÓSTICO RÁPIDO, O ISOLAMENTO DOS ANIMAIS DOENTES E A CORRETA INTERVENÇÃO SÃO FUNDAMENTAIS PARA O CONTROLE DA PROPAGAÇÃO DA DOENÇA
Salmonella Dublin no Brasil
Salmonella Dublin emergiu como uma preocupação significativa nas fazendas leiteiras brasileiras nos últimos anos. Embora ainda seja menos comum do que em países como os Estados Unidos, a crescente globalização e a movimentação de animais aumentam o risco de introdução e disseminação dessa bactéria. As práticas de manejo no país variam amplamente, mas a intensificação da produção leiteira e o aumento no tamanho dos rebanhos podem facilitar a propagação da S. Dublin. A capacitação dos produtores sobre os riscos da S. Dublin e as melhores práticas de manejo podem ajudar a diminuir o impacto dessa ameaça emergente na saúde dos rebanhos.
Espera-se que, ao tomar consciência da gravidade e das implicações dessa questão, os produtores possam implementar medidas efetivas para mitigar seus impactos. A conscientização é o primeiro passo para a mudança, sendo fundamental que todos os envolvidos ajam de maneira proativa para garantir um futuro mais sustentável e equilibrado para o setor leiteiro.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e à Fundação de Apoio à Pesuisa do Estado de São Paulo - Fapesp pelas bolsas concedidas, bem como à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, processos RED-00132-22, pelo apoio financeiro.
Autores:
- NATÁLIA CARRILLO GAETA - Professora Doutora do Curso de Medicina Veterinária, Faculdades Integradas Campos Salles, Orientadora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Clínica Veterinária (PCVet) da FMVZ-USP, Pós-doutoranda em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses, FMVZ-USP, Secretária da Associação Paulista de Buiatria (2022-2024)
- MARCOS BRYAN HEINEMANN - Professor Doutor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, FMVZ-USP
- ERIKA GANDA - Professora Doutora Associada do Departamento de Ciência Animal da The Pennsylvania State University
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