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Uma sucessão de acertos

Como as novas gerações estão contribuindo para o crescimento das empresas familiares e como os pais devem preparar os futuros sucessores

Uma sucessão de acertos

Um dos principais desafos dos produtores rurais, hoje, é garantir a continuidade da atividade familiar com o apoio das futuras gerações. Dados do último Censo Agropecuário mostram um envelhecimento dos produtores rurais brasileiros. Em todos os Estados do país, a participação das faixas de idade entre 25 e 45 anos caíram no total de produtores. Um entrave para a perpetuação do negócio. Outro dado que chama atenção foi divulgado pelo Sebrae: 90% dos negócios brasileiros são familiares. Como os patriarcas das famílias de produtores estão lidando com um cenário de baixa atividade do jovem produtor num país com maioria de empreendimentos constituídos por grupos familiares? O que deve ser feito para garantir a permanência dos jovens no campo?

Na Araunah Group, holding da família Ma Shou Tao, a sucessão sempre foi tratada como pilar da governança corporativa. Desde cedo, os patriarcas Ma Shou Tao e Ma Pong, prepararam os flhos para assumirem a empresa familiar. Miguel Ma foi o primeiro integrante da segunda geração a participar ativamente da gestão e ajudar os pais. Em 1980 ele assumiu a diretoria da Fazenda Boa Fé, localizada em Conquista/MG, cumprindo os três pré-requisitos exigidos pelos pais. “Gostar de exercer a função, demonstrar competência e sentir que éramos capacitados para trabalhar”, conta o irmão Jônadan Ma, agrônomo e único a formar em ciências agrárias. “Tínhamos que trabalhar para a família e não para a gente. Esse é, até hoje, nosso propósito.”

A história dos Ma Shou tao começa com a imigração dos fundadores do grupo Ma Shou Tao e Ma Pong da China para o Brasil, em 1950. Inicialmente se instalaram na capital paulista, de onde partiram algum tempo depois para Carazinho/RS. Outra mudança ocorreu em 1973, desta vez, para Uberaba/MG, onde deram início ao grande império familiar do agronegócio, que necessitaria do apoio dos quatro flhos para não perecer. “Sucessão é a perpetuação de um trabalho e ela acontece quando há
estruturação do negócio, com harmonia e perspectiva de futuro”, ressalta Jônadan.

 Muito comum em empresas familiares, as divergências de interesses começaram a aparecer, com polarização de ideias e opiniões. “As decisões não eram integradas, compartilhadas com os demais. Às vezes um queria acelerar e outro quer frear”, cita Jônadan, af rmando que alguns desses con?itos deveriam ser dirimidos pelo pai. A remodelação do negócio e a implantação da governança corporativa passou pela necessidade de recriar a estrutura organizacional da empresa. O grupo familiar contratou consultoria da Fundação Dom Cabral, em 2010, que criou um conselho familiar, formado pelos quatro herdeiros dos fundadores, seus respectivos cônjuges e pela matriarca Ma Pong, e criou o Conselho de Administração e a Diretoria Executiva. Desde 2017, dois executivos externos integram o Conselho. 

Com os pés no chão e a proposta de ampliar ainda mais os negócios, chegou a vez da terceira geração fazer história. Dos dez sucessores, cinco deles já são executivos do grupo: Ana, 36, Enos, 35, e Samuel, 32, f lhos de Jônadan, e David, 38, e Daniel, 28, sucessores de Ezra, o primogênito da família Ma Shou Tao. Para a turma veterana, os jovens oxigenaram a gestão das empresas. “Eles trouxeram inovação. Antes de assumir os cargos, adquiriram experiência em grandes empresas do mercado”, relata Jônadan. Esse movimento importante na trajetória da empresa fez o faturamento do negócio saltar. De lá para cá o grupo quintuplicou a receita anual.

 

Família Ma Shou Tao.png (2.26 MB)

 

 Em relação à produção de leite, o negócio continua bastante lucrativo. É o melhor mercado da Araunah Farming, competindo com outras commodities produzidas pelo grupo, como soja, cana-deaçúcar, café e milho. A expectativa é que em até 6 anos a produção de leite pule dos atuais 9.000 litros/dia para 40.000 litros/dia.

 

arvore genealogica 2.PNG (61 KB)

 Hoje, a sucessão já está consolidada. Dos herdeiros diretos do fundador, apenas Jônadan está na operação diária da empresa. “Mas vejo que logo irei para o conselho”, adianta. Todos os diretores atuais são membros da família, inclusive cônjuges da terceira geração. O reforço virá em alguns anos, com os integrantes da quarta geração, que já tem 12 possíveis sucessores.

 

 “SUCESSÃO É A PERPETUAÇÃO DE UM TRABALHO, E ELA ACONTECE QUANDO HÁ ESTRUTURAÇÃO DO NEGÓCIO, COM HARMONIA E PERSPECTIVA DE FUTURO”, AFIRMA JÔNADAN MA, SUCESSOR DA SEGUNDA GERAÇÃO DO GRUPO ARAUNAH

  

 EXEMPLO VEM DE BERÇO
O planejamento da sucessão também é sustentado pela gestão de Ronald Rabbers à frente da Fazenda Rhoelandt, em Ponta Grossa/PR. Antes mesmo de assumir a propriedade da família, em 1986, já se dedicava à lida diária, onde aprendeu desde cedo a lição mais importante da sua vida como pecuarista de leite: valorizar o trabalho da fazenda. “Fui criado com as vacas e tinha minhas obrigações desde novo. Tarefas simples, como cuidar dos cachorros, galinhas, horta, cortar a grama e dar leite aos bezerros. Isso ainda aos 10 anos”, relembra. “Sempre conciliando com os horários da escola”, pondera. Já mais velho, ajudava a tratar das vacas e limpava o esterco do curral. Também assumia os plantões dos fns de semana, nas
folgas dos funcionários. “Via a felicidade dos meus pais com a atividade, não apenas com as conquistas financeiras, mas também a satisfação de poder ter as oportunidades que a fazenda proporciona”, relata.

Foi com essa perspectiva que criou seus três flhos Carolina, 23 anos, Lucas, 21, e Hilco, 16. O flho do meio tomou a dianteira e já participa das tarefas diárias da fazenda há 4 anos. Chegou a cursar veterinária, mas teve que trancar o curso para representar a Fazenda Rhoelandt no exterior. “Tenho viajado muito para os EUA e Canadá para participar de exposições onde ajudo com o preparo e alimentação dos animais para adquirir experiência.”

 

“DESDE MUITO NOVO APRENDI A VALORIZAR O TRABALHO NA FAZENDA. VIA A FELICIDADE DOS MEUS PAIS NÃO APENAS COM AS CONQUISTAS FINANCEIRAS, MAS TAMBÉM COM AS OPORTUNIDADES GERADAS COM A ATIVIDADE", RELEMBRA RONALD RABBERS 

 

Família Rabbers_Caroline Wrague (6).jpg (224 KB)

Há também processos de sucessões que acontecem naturalmente, sem a interferência dos pais. Representantes da terceira geração da família Jank, Taís, 27 anos, e Diana, 23, decidiram investir a experiência adquirida no mercado como advogada e
publicitária, respectivamente, no negócio da família. Ao lado do pai Roberto Jank Júnior, e de um grupo empresarial, Diana e Taís gerenciam a Fazenda Agrindus, que é uma das três maiores produtoras de leite do Brasil. Hoje, a propriedade tem o maior rebanho Holandês registrado do país, produz leite para o próprio laticínio e também para outras empresas de processamento de leite cru (
business to business). 

A Agrindus tem 73 anos de fundação e, desde então, funciona como empresa focada na produção de leite. O avô das jovens produtoras assumiu a empresa na década de 1960. Alguns anos depois, mais precisamente em 1985, foi a vez do pai delas, Roberto Jank, que ainda participa do dia a dia da empresa. “Nunca forçamos nada. Depois de vivenciar o mercado, aproximaram-se da empresa da família por livre e espontânea vontade. Foi um processo natural, mas que partiu delas”, conta o
orgulhoso pai Roberto Jank Júnior. As jovens sucessoras atuam da porteira para fora e estão 100% dedicadas na divulgação e consolidação da marca Letti a², projeto de verticalização da produção de leite da empresa em um nicho específco de mercado.
Tratase de um produto inovador que conta com a certifcação do movimento #bebamaisleite. Eles são pioneiros de produção de leite proveniente de vacas A2A2 no país. A Letti foi criada em 2007 e em 2017 houve uma mudança
de estratégia na comercialização da marca.

Além de perpetuar a atividade da família, a participação dos sucessores nos negócios é vista como uma oportunidade de inovação na gestão. Principalmente na área tecnológica. Roberto afrma que a família sempre teve consciência das limitações para além da porteira. O que mudou com a nova gestão. “A inovação, linguagem e foco foram fundamentais para a profssionalização do nosso braço comercial. Isso veio com as meninas e com a E2E, empresa do Eduardo Eisler, nosso amigo e sócio”, destaca. Foi feita a remodelação da marca, embalagens e desenvolvimento de novos produtos e de posicionamento. A preocupação era melhorar a comunicação com os consumidores e tornar a empresa referência no mercado lácteo em produtos frescos e com garantia de origem. Outro ponto de mudança com a nova gestão foi a criação do e-commerce, no qual o consumidor pode comprar e receber os produtos da marca em casa, em até 24 horas depois de produzidos. As embalagens são totalmente recicláveis e transparentes para que o consumidor veja o produto. “Nós realmente acreditamos no desejo do consumidor voltar a consumir alimentos frescos e com procedência reconhecida”, destacam as sucessoras.

 

Família Letti_Valéria Gonçalves (2).jpg (715 KB)

 

Nem mesmo o machismo, ainda impregnado nas relações sociais, foi capaz de frear o sonho das meninas. Taís diz que ainda sente o preconceito velado, muito comum em diversos setores da sociedade. “São pequenas brincadeiras que soam inofensivas, mas que não são feitas com os homens dessa mesma forma.” Certa vez, em visita a uma fazenda no Canadá, o dono da propriedade a ignorou, direcionando todas as perguntas para o namorado dela, mesmo que ele não soubesse responder a qualquer questionamento. “São essas pequenas coisas. Mas na fazenda, meu avô, meu pai e meu tio sempre delimitaram muito bem os valores da empresa para que esse tipo de comportamento não aconteça.” O novo modelo de gestão impactou positivamente na área fnanceira da empresa. Desde a mudança administrativa, houve incremento na receita superior a dois dígitos. Mesmo com os excelentes índices, os ponderados gestores afrmam que o projeto ainda é muito recente para comemorar o resultado.

Para Diana Jank, independente da graduação técnica, uma nova geração sempre vai contribuir com um novo olhar para a estratégia do negócio. “No meu caso, meu foco está na criação de uma love mark. Trazer senso estético, conseguir aplicar as macrotendências que a minha geração já exige e principalmente conseguir traduzir para o consumidor tudo o que meu avô, meu pai e meu tio construíram. Fazer com que a história que existe da porteira pra dentro seja transmitida da porteira para fora.” Já para Taís a vantagem foi poder contribuir com novas ideias, propor modelos diferentes e ousar, mantendo a solidez e tradição da empresa. “É a combinação de gerações em um arranjo em que temos liberdade.

 

 JOÃO PAULO MELLO

JORNALISTA DA REVISTA LEITE INTEGRAL 

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