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Manejo

Nutrição de precisão visando aumentar a eficiência produtiva

Nutrição de precisão visando aumentar a eficiência produtiva

Texto: Marina A. Camargo Danés

 Em um cenário de desafios econômicos, com aumento do preço de insumos e ingredientes para alimentação, é essencial que comecemos a profissionalizar o manejo alimentar. As ferramentas e tecnologias discutidas neste artigo oferecem caminhos para aumentar a precisão na formulação das dietas, reduzindo assim o desperdício, aumentando a eficiência, lucratividade e a sustentabilidade do sistema de produção leiteiro.

  shutterstock_126915125.jpg (67 KB)

A importância da nutrição animal na produção de leite é irrefutável. Não apenas o desempenho das vacas é função direta do fornecimento adequado de nutrientes, mas também a alimentação é responsável pela maior fração individual de custos na propriedade. Em um cenário de desafios econômicos, com aumento do preço de insumos e ingredientes para alimentação, é essencial que comecemos a profissionalizar o manejo alimentar, visando reduzir perdas e aumentar a eficiência do processo.

Neste contexto, iniciou-se a busca por aumentar a precisão com a qual as dietas são formuladas, de modo a atender às exigências dos animais de forma mais correta, reduzindo as margens de segurança geralmente empregadas na formulação. No entanto, essa prática só pode ser bem sucedida se a quantidade de nutrientes fornecidos, ingeridos, e as exigências animais forem conhecidos com certo grau de certeza. Para que isso aconteça, são necessárias ações em diversas etapas do processo de alimentação, como composição de alimentos, mistura de ingredientes, consumo da dieta, características do animal, entre outras. Dessa forma, o conjunto de ferramentas necessário para se fazer nutrição de precisão envolve todo o manejo alimentar, fazendo com que o termo alimentação de precisão seja mais... preciso!

 

O que é precisão?

Dentre as diversas definições propostas para este termo, a que mais fez sentido para mim foi a de Robert Meijer, apresentada na primeira Conferência Norte-Americana de Manejo de Precisão na Atividade Leiteira, em 2010. Segundo ele, manejo de precisão consiste em um “sistema de gerenciamento baseado em informação e tecnologia para identificar, analisar e controlar variabilidade nos processos da fazenda para otimizar performance, lucratividade e sustentabilidade.”

Esta definição combina várias ideias poderosas que trabalham em harmonia para atingir maior eficiência produtiva: informação, tecnologia, e controle de processos. Vamos pensar primeiro em informação. Coletar informações soa como algo simples e, talvez por isso, não receba a atenção devida. Um clássico exemplo de processo de coleta de informação que afeta diretamente o fornecimento de nutrientes aos animais e não é levado muito a sério na propriedade é a amostragem de alimentos. Amostragem mal feita pode comprometer seriamente a formulação da dieta e o desempenho animal. Além disso, erros decorrentes da amostragem podem mascarar problemas reais na composição dos alimentos, o que também compromete o desempenho. Isso é especialmente problemático em silagens e outros materiais heterogêneos e de difícil mistura. O painel de um silo, por exemplo, apresenta uma variação enorme em composição nutricional de acordo com a localização da amostra coletada. Por isso, é indispensável que se faça uma mistura de grande quantidade do material a ser amostrado, seguido de sub-amostragens sequenciais até o volume desejado de amostra. Além disso, a manipulação da amostra em cada etapa da sub-amostragem também é importante, para que não haja seleção de partículas durante a manipulação. Uma amostragem mal feita gera amostras pouco representativas dos ingredientes, e a consequência disso é que a composição nutricional da dieta formulada será muito diferente da dieta fornecida aos animais.

A coleta frequente de outras informações também auxilia na formulação de dietas mais precisas, em especial informações relacionadas a características das vacas, como produção e composição do leite, peso vivo e consumo de matéria seca (MS). A produção média do rebanho é facilmente calculada a partir do volume de leite no tanque, e isso pode ser um bom indicativo de respostas a modificações na alimentação (mudança de ingredientes, abertura de novo silo, etc.). No entanto, esse número não ajuda muito a aumentar a precisão da formulação, uma vez que a variação entre as vacas do rebanho vai ser enorme.

A média individual ou de grupos de vacas de exigência semelhante é que é a informação útil à alimentação de precisão. Nesse contexto, o agrupamento de vacas de exigência semelhante é uma ferramenta muito importante para reduzir a variabilidade nas exigências nutricionais e permitir maior precisão na dieta. Vale lembrar que controle de variabilidade de processos também foi das ideias destacadas na definição de alimentação de precisão. O agrupamento por produção de leite já é bastante eficiente, mas em situações nas quais é possível trabalhar com mais grupos, separar multíparas de primíparas e ter um lote de vacas pós-parto trazem grandes vantagens para o manejo alimentar. Por outro lado, o consumo de MS é raramente medido nas fazendas. Esse é um dado essencial, mesmo que feito por lote de vacas, para comparar a dieta oferecida com a dieta consumida e calcular a quantidade de nutrientes de fato ingerida pelos animais. O peso vivo pode ser feito com menor frequência, mas também é importante para definir exigências de mantença e calcular a ingestão potencial de alimentos.

Outro tipo de informação que pode ser coletada na propriedade está menos relacionado com a formulação da dieta e mais com o controle dos processos envolvidos na alimentação do rebanho. Voltando à definição do Meijer mais uma vez, a análise e controle da variabilidade dos processos é um dos pontos chave para melhorar a eficiência. Isso ocorre porque quanto mais variável é uma medida qualquer, maior terá que ser a margem de segurança aplicada a essa medida. Por exemplo, se o teor de proteína bruta da sua dieta varia muito (seja por variação na composição dos ingredientes ou devido a erros de mistura), a probabilidade de a ração oferecida ter menos proteína do que a formulada e, com isso, não atender às exigências das vacas, aumenta muito. Para evitar deficiência e queda de produção, é necessário formular a dieta com teor maior de proteína, para que mesmo nos dias em que o teor real seja mais baixo, a dieta ainda atenda às exigências (essa é a famosa margem de segurança), o que causa grande desperdício de proteína nos dias em que o teor real for mais alto.

A amostragem bem feita ajuda a entender a variação real na composição dos ingredientes. Além disso, outra etapa com grande potencial de variação é a mistura dos ingredientes. Em sistemas de dieta total (TMR) nos quais um vagão misturador é utilizado, vários são os fatores que podem contribuir para essa variação, como teor de MS e tamanho de partícula dos volumosos, manejo do painel do silo, ordem de carregamento do vagão, sobrecarga do vagão, tempo de mistura e utilização de ingredientes líquidos. Segundo dados de uma empresa americana que faz auditoria do processo de TMR em fazendas, apresentados pelo Dr. Tom Oelberg (2011), 70% das TMR analisadas pela empresa em 2008 apresentaram problemas de mistura e consistência.

As consequências disso são mensuráveis nas vacas. Um experimento realizado em 22 fazendas comerciais do Canadá em 2014 verificou que a variabilidade na composição de ingredientes da TMR afeta consumo de matéria seca, produção de leite e eficiência energética. De acordo com esse estudo, para cada redução de 5% de variação na composição nutricional da dieta, ocorreu aumento na produção de leite de 1,2 kg/dia. Portanto, a inconsistência nas dietas completas é um problema sério e provavelmente presente em grande parte das fazendas.

O monitoramento da variação na composição da TMR é feito com o Separador de Partículas da Penn State (também conhecido como caixa de peneiras). Dez amostras da TMR da mesma batida devem ser coletadas ao longo de todo(s) o(s) cocho(s) em que aquela batida foi distribuída, em intervalos aproximadamente equidistantes. As amostras devem ser coletadas logo após a distribuição e antes do animal ter acesso à dieta. Cada um dos dez pontos amostrados deve ser o mais representativo possível do local coletado, e deve ser passado individualmente nas peneiras, seguindo recomendação do manual. A proporção de material retida em cada peneira é comparada entre as 10 amostras, determinando-se assim o coeficiente de variação (CV), uma variável estatística utilizada como medida de dispersão, que é obtida pela razão entre o desvio-padrão e a média (ambos facilmente calculados por funções do Excel). Condições de mistura excelentes apresentam CV (valor médio entre as peneiras do meio e de baixo) de 1 a 4%, enquanto CV de 5 a 8% indicam condições muito boas. Valores acima de 10% indicam algum problema na mistura que deve ser investigado e corrigido.

Esse processo de auditoria da TMR é um exemplo de tecnologia (a caixa de peneiras) sendo utilizada na análise de processos para gerar informações que vão ajudar a aumentar a eficiência produtiva (lembram da definição de alimentação de precisão?). Ao contrário do que muitas pessoas pensam, tecnologia não é sinônimo de altos investimentos financeiros e alta tecnificação. Outras tecnologias que não exigem grandes investimentos podem ser utilizadas como ferramentas complementares para auxiliar a formulação de dietas mais precisas. Os modelos nutricionais disponíveis para formulação de dietas, como o NRC, são essenciais para determinar os parâmetros básicos da dieta. No entanto, os modelos têm limitações e o ajuste fino tem que ser feito no campo pelo nutricionista, a partir de informações coletadas na fazenda.

 

Ferramentas disponíveis

A boa notícia é que cada vez mais surgem ferramentas para coletar essas informações de forma consistentes e auxiliar na tomada de decisões. Vamos discutir brevemente algumas dessas ferramentas que estão relacionadas diretamente ao balanço energético da dieta e já estão à disposição dos nutricionistas no Brasil.

Conhecer a digestibilidade da FDN da forragem é fundamental para a formulação de dietas precisas. Além de afetar diretamente o consumo, a digestibilidade da fibra determina a disponibilidade de energia proveniente da forragem, informação essencial para correto balanceamento energético da dieta (menores margens de segurança = menor desperdício = maior eficiência). Desenvolvido recentemente pela Universidade de Wisconsin e já disponível no Brasil, o TTNDFD (sigla em inglês para Total Tract NDF Digestibility) é um método para determinação de digestibilidade do FDN no trato total que representa uma melhoria em relação às análises tradicionais. Ao contrário do que ocorre com os métodos até então utilizados, os resultados do TTNDFD são bem correlacionados com a digestibilidade de fibra medida in vivo nos animais. Isso faz com que a informação seja muito mais útil para estimar desempenho animal e identificar problemas.

Um bom exemplo de aplicação prática do índice deu-se em uma propriedade americana que observou rápida queda no volume de leite produzido após a abertura de um novo silo. A silagem nova apresentou menor teor de FDN do que a anterior, e ambas tinham a mesma digestibilidade da fibra (de acordo o método tradicional de incubação por 30 horas). Esses dados criam uma expectativa em desempenho oposta ao que foi observado na prática. No entanto, a digestibilidade da fibra medida pelo TTNDFD da silagem nova foi de 32%, enquanto a silagem anterior apresentou 48%, rapidamente esclarecendo o motivo pela queda na produção de leite. Essa informação permitiu que a dieta fosse ajustada para atender novamente às exigências dos animais e retornar a produção de leite para os níveis anteriores.

Ainda falando sobre fibra, outra característica importante é a efetividade da fibra da dieta, proporcionada pelas partículas longas. A fibra longa é essencial para garantir mastigação, salivação e saúde ruminal. Vacas sem fibra longa suficiente estão em constante risco de acidose ruminal sub-clínica, o que compromete a saúde e longevidade do animal. Por outro lado, muita fibra longa afeta negativamente o consumo, pois fica no rúmen por mais tempo. O NRC faz recomendações para fibra efetiva baseadas em limites máximos e mínimos para carboidratos não-fibrosos e fibrosos, respectivamente, acompanhados de limites mínimos de FDN de forragem (considerado efetivo). No entanto, essa classificação não é totalmente correta, uma vez que mesmo a fibra de forragem pode ser picada fina e não estimular mastigação suficientemente. Por isso, uma medida mais adequada de efetividade de fibra inclui a distribuição do tamanho de partículas.

O método consiste em utilizar o conjunto de peneiras separadoras da PennState para estratificar o tamanho de partículas da dieta, e analisar o teor de FDN na subamostra retida em cada peneira. O FDN contido acima da peneira de 8 mm é considerado efetivo. Uma meta-análise recente determinou recomendações para o teor de FDN (% MS) retido nas peneiras acima de 8 mm (Zebelli et al., 2012), levando em consideração não somente manutenção do pH ruminal, como também consumo de MS. Segundo esta análise, a manutenção do pH ruminal começa a ser prejudicada quando o teor de FDN acima de 8 mm passa a ser menor do que 18% MS. Por outro lado, valores acima de 14% MS já começam a afetar negativamente o consumo de MS. Dessa forma, a recomendação é que o teor de FDN maior que 8mm esteja entre 14 e 18% MS. O ajuste preciso dentro dessa faixa fica dependente de outras características da dieta relacionadas ao risco de acidose ruminal, principalmente o teor de carboidratos rapidamente fermentecíveis no rúmen.

Mudando então o assunto para carboidratos não fibrosos, o amido é a principal fonte desse nutriente em dietas para vacas leiteiras. Apesar de ser a forma mais utilizada para aumentar a densidade energética da dieta, a inclusão de amido tem limite máximo por causa da manutenção do ambiente ruminal saudável. Por isso, é importante que o teor de amido da dieta seja monitorado. Apesar do NRC não apresentar essa variável, já é possível analisar o teor de amido dos ingredientes e calcular o da dieta. Além da quantidade de amido na dieta, sua digestibilidade é o que define a real disponibilidade de energia para o animal. Medir a digestibilidade no animal é muito difícil, mas medir o teor de amido nas fezes do animal é muito fácil. O teor de amido fecal é altamente correlacionado com a digestibilidade do amido observada no animal. A análise de amido nas fezes já está disponível no Brasil e é uma ferramenta muito útil, principalmente para avaliar silagens de milho, nas quais o grau de processamento dos grãos afeta diretamente a disponibilidade de energia do material.

 

Outras tecnologias

As tecnologias discutidas até agora são ferramentas para auxiliar na formulação de dietas mais precisas, ou seja, funcionam fora da vaca. No entanto, existem também as tecnologias que vão atuar dentro da vaca, alterando seu metabolismo e aumentando a eficiência de utilização dos nutrientes. O melhor exemplo desse tipo de tecnologia são os aditivos, substâncias ou microrganismos adicionados à dieta intencionalmente, em baixas doses, que podem provocar mudanças metabólicas que influenciem positivamente o desempenho animal. O aditivo mais estudado e mais utilizado em dietas para vacas leiteiras é a monensina. Sua capacidade de melhorar a eficiência alimentar é comprovada por um robusto conjunto de estudos e experiências práticas. Outros aditivos surgem no mercado a todo momento, alguns com grande potencial. No entanto, nem todos têm sua eficácia comprovada por experimentos científicos (com delineamento e análises estatísticas adequados, repetibilidade de resultados, etc.). É preciso tomar muito cuidado com “produtos milagrosos” que muitas vezes são oferecidos aos produtores. Aditivo não é uma ferramenta para “tapar buraco” e corrigir falhas de manejo alimentar, é o topo da pirâmide do balanceamento de dietas e só deve ser utilizado quando o resto está bem feito.

As tecnologias podem também ser utilizada para automação de processos ligados à alimentação, principalmente processos de coleta de dados. Como exemplos de tecnologias que automatizam a coleta de dados temos os colares que monitoram mastigação e ruminação; cochos com balança e portões que identificam/selecionam as vacas; e ordenhas com analisadores de leite na própria linha. Essas ferramentas permitem uma coleta de dados sistemática e robusta, que pode ser utilizada para identificar problemas mais rapidamente e também indicar respostas às manipulações dietéticas. A composição do leite, por exemplo, é uma ferramenta excelente de monitoramento da adequação da dieta e deve ser utilizada para o ajuste fino da formulação, mesmo que coletada menos frequentemente. No entanto, essa geração massiva de dados de nada serve se os produtores e técnicos não souberem usar a informação gerada. Por isso, as empresas que oferecem esse tipo de tecnologia têm também que garantir assistência relacionada ao uso da informação, evidenciando como a ferramenta vai trazer melhorias para o sistema. Como o custo de implantação (e talvez manutenção) dessas tecnologias é alto, o benefício trazido e a probabilidade desse resultado devem estar bem claros.

As ferramentas e tecnologias exploradas superficialmente neste artigo oferecem caminhos para aumentar a precisão na formulação das dietas, reduzindo assim o desperdício, aumentando a eficiência, lucratividade e a sustentabilidade do sistema de produção. A redução da excreção de nutrientes em excesso, apesar não receber ainda tanta atenção no Brasil, é uma vantagem importante, considerando a tendência mundial de pressão crescente para redução do impacto ambiental da produção animal. No entanto, mais importante do que conhecer as ferramentas, é mudar a forma de pensar. Aumentar a precisão de qualquer coisa obrigatoriamente passa por melhor controle de processos e coleta de informações, e ambas as coisas exigem investimentos de capital, tempo, recursos humanos e intelectuais. E quando se trabalha com vacas leiteiras, não podemos esquecer que elas são o melhor termômetro de resultados. Por isso, é essencial que as vacas estejam confortáveis para que não haja limitação nas repostas potenciais às alterações de manejo alimentar.

 

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