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Manejo

Manejo de dejetos em fazendas leiteiras - Parte I

Manejo de dejetos em fazendas leiteiras - Parte I

Texto: Vinicius R. Moreira

Na medida em que se torna mais urbanizada e instruída sobre as causas da poluição por nutrientes, a sociedade vem exigindo e exigirá ainda maior responsabilidade no uso dos mesmos, não somente pelo setor agropecuário, mas também por outros segmentos. Apesar do progresso na compreensão dos processos envolvidos nas perdas de nutrientes dos dejetos, os níveis de perdas ainda podem ser considerados elevados, mesmo com a utilização de tecnologias não só avançadas, mas economicamente viáveis. Por hora, os produtores rurais enfrentam o dilema entre esperar pela legislação ou encarar de frente o problema, assumindo os riscos e custos envolvidos no uso de tecnologias no tratamento de dejetos.

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1. Introdução ao problema

1.1.Perspectiva histórica: Dejetos como fonte de nutrientes para a agricultura

Até há pouco mais de um século, resíduos de dejetos animais, como o guano peruano e o salitre do Chile, eram as principais fontes de nutrientes essenciais para a agricultura. Por milênios, animais domésticos têm sido utilizados como meio de coleta de nutrientes, por meio do pastejo, por exemplo, e concentração de nutrientes nos dejetos que são retornados ao solo para melhoria da qualidade e da produtividade agrícola. Estes procedimentos ainda são praticados por produtores ao redor do mundo mas, na medida em que fertilizantes químicos se tornaram disponíveis a custos mais acessíveis, o valor relativo dos dejetos como fonte de nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) diminuiu a uma fração irrisória da produção agropecuária mundial.

Atualmente, tais práticas foram invertidas em várias partes do mundo. Em sistemas de produção leiteira modernos, as vacas passam menos tempo pastejando, e a colheita de forrageiras e o transporte até os animais são feitos mecanicamente. Além disto, a quantidade de nutrientes colocados à disposição das vacas leiteiras de alta produção aumentou, pelo uso de plantas forrageiras de alta qualidade e pela incorporação de concentrados e minerais nas dietas. Concentrados e minerais são alimentos tipicamente produzidos ou extraídos fora dos limites das propriedades, muitas vezes transportados por longas distâncias, mas economicamente viáveis. Como consequência, a quantidade de nutrientes contida nos dejetos produzidos por vaca, na verdade, aumentou, mas sua concentração não é suficiente para justificar economicamente o transporte de retorno para regiões agrícolas, potencialmente receptoras dos nutrientes contidos nos dejetos. De maneira geral, o custo e o tempo necessário para o manejo e transporte de dejetos estão entre os fatores que levam muitos produtores a relegar tais atividades a níveis inferiores de prioridade.

 

1.2.Mudanças na atividade leiteira e seus efeitos na produção e manejo dos dejetos

Apesar da percepção invertida de certos segmentos da sociedade em geral, na verdade, a população de vacas nos EUA diminuiu de 26 milhões, na década de 1940, para 9 milhões de animais em 2011. No mesmo período, a produção total de leite no país praticamente dobrou, devido a melhorias nas práticas genéticas, nutricionais, de saúde e de instalações.

Atualmente, as vacas leiteiras são mais pesadas que aquelas de 1944, produzem mais leite, são capazes de consumir mais alimentos e, consequentemente, excretam individualmente mais dejetos. Apesar disso, o volume total de dejetos produzidos e a quantidade de nutrientes excretada pelas vacas leiteiras nos EUA também diminuíram para menos da metade, devido ao menor número de animais.

Por outro lado, pode ser observado também que, nos últimos 20 anos, a proporção de leite produzido em fazendas com menos de 100 vacas vem diminuindo a uma taxa média de 5% ao ano. Já a taxa de crescimento da produção de leite em fazendas com mais de 2000 vacas diminuiu menos de 5% desde o início da recessão, em 2007-2008. Ainda assim, a taxa de crescimento da fração do leite americano produzido em fazendas leiteiras com mais de 2000 vacas teve média acima dos 10% ao ano, nos últimos 20 anos.

Desde 2011, a maior parte do leite produzido nos EUA (mais de 50%) foi proveniente de fazendas com mais de 1000 vacas. Estes dados demonstram o grau de concentração da produção leiteira ocorrido nesses 20 anos. Os dados também sugerem que a produção, coleta e armazenamento de dejetos estão se tornando aspectos críticos no manejo diário das fazendas leiteiras, devido ao volume, à complexidade do manejo, à necessidade de mão de obra especializada, e às externalidades negativas. Relatos de rupturas catastróficas, vazamentos e mesmo despejos intencionais de dejetos, contaminando rios e lagos têm se tornado rotina na mídia, o que vem influenciando negativamente a opinião pública. A consequente rejeição dos sistemas intensivos de produção animal pela população, predominantemente urbana e desconectada com o setor, é evidente não somente pelo interesse em produtos “orgânicos” ou outros sistemas de produção ditos “sustentáveis”, mas também pela expansão no número de leis regulamentando o manejo de dejetos em sistemas intensivos de produção animal, e pelos numerosos processos judiciais contra sistemas intensivos de produção.

Menos evidente, mas ainda assim generalizado, é o problema da poluição não-pontual terrestre, aquática e aérea por excesso de nutrientes. Aqui também o dogma prevalente é de que o setor agropecuário seja o principal vilão, embora dados confiáveis sobre sua importância relativa sejam escassos. Como o próprio nome indica, essas perdas não-pontuais ocorrem de maneira difusa, principalmente após a distribuição dos dejetos nos campos ou pastos, mas podem começar a partir da excreção pelos animais. Falhas no balanço nutricional em fazendas leiteiras resultam no uso ineficiente dos recursos naturais e potenciais perdas econômicas e de nutrientes para o meio ambiente. A maneira mais eficiente de se melhorar a utilização de nutrientes em propriedades agropecuárias envolve o correto balanceamento das dietas, com consequente otimização da reciclagem de nutrientes dentro da propriedade (Figura 1). As perdas para o meio ambiente ocorrem por volatilização (como no caso da amônia, do dióxido de carbono, e do metano), por enxurrada (erosão) e lixiviação (como no caso das perdas de fósforo e de nitratos) para cursos d’água e lençóis freáticos.

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O desbalanço pode levar ao excesso de nutrientes nos solos, pela aplicação de dejetos e fertilizantes em quantidade excedente à capacidade de reciclagem, em tempo hábil, dos solos e das plantas. Isto pode ocorrer em situações como, por exemplo:

1. Aplicação exagerada, ainda que em momento correto: os dejetos são distribuídos em quantidade desbalanceada e/ou superior às necessidades plantas em fase de crescimento ativo, ou sem a devida incorporação ao solo. Isso ocorre como resultado da aplicação de dejetos sem análise adequada da concentração de nutrientes nos mesmos, sem análise de solo e/ou recomendação agronômica da quantidade de nutrientes necessária para o crescimento das plantas, e/ou por falha na calibração do equipamento utilizado para distribuição dos dejetos. Em um laboratório de análise de solos no estado de Wisconsin (EUA), onde os solos já são naturalmente férteis, a média das amostras analizadas já havia ultrapassado as exigências de fósforo do milho e da soja no final da década de 1960. Já por volta do ano 2000, as amostras estavam 1,5 vezes acima das exigências daquelas plantas.

2. Aplicação adequada em momento incorreto: esse é o caso da distribuição de dejetos sem incorporação ao solo, em momento inapropriado para o uso dos nutrientes pelas plantas. Exemplos que se encaixam nesta situação incluem a aplicação dos dejetos sem incorporação em áreas sem vegetação ou em início de crescimento, imediatamente antes de chuvas.

 

 

2. Alguns fatores que influenciam na escolha do sistema de manejo

 

2.1.Consistência dos dejetos

Dejetos podem ser classificados em 4 categorias:

a. Dejetos líquidos são aqueles cujo conteúdo de sólidos vai até 4%. Práticas de manejo que podem resultar na produção de dejetos líquidos incluem sistemas que utilizam flushing como método de remoção/limpeza dos estábulos, e sistemas de pastejo onde os dejetos coletados são apenas os efluentes provenientes da sala de ordenha. Dejetos contendo até 1% de sólidos podem ser tratados em lagoas anaeróbias. Por outro lado, dejetos contendo 2% de sólidos ou mais promovem o rápido açoreamento e diminuem a capacidade de tratamento nessas lagoas.

b. Lodos são dejetos com consistência entre 4 e 10%. Essa é a consistência típica de sistemas de produção de leite nos quais a limpeza dos estábulos é feita por raspagem mais água, e o efluente da sala é adicionado ao sistema de armazenamento. Sistemas especiais de bombeamento são necessários para dejetos com esta consistência, sendo poucas as opções de tratamento. Sólidos ou líquidos devem ser adicionados para maior eficiência de tratamento.

c. O conteúdo de sólidos em dejetos classificados como semi-sólidos vai de 10% a 20%. A excreta in natura (mistura de fezes e urina) de vacas leiteiras tem conteúdo de sólidos de aproximadamente 13%, portanto, dejetos raspados do estábulo, sem adição de água, se encaixam nesta categoria. Este material é de manejo mais complexo, devido à dificuldade de bombeamento e de carregamento em pá carregadeira. Aqui também as opções de tratamento são poucos e de eficiência limitada, e sólidos ou líquidos devem ser adicionados aos dejetos para maior eficiência de tratamento.

d. Dejetos misturados a materiais usados como cama para as vacas podem ter teor de sólidos acima dos 20%. Dejetos sólidos permitem a formação de montes, pela facilidade de manejo com pás carregadeiras e esteiras rolantes. Nesta consistência, é necessário controlar a perda de chorume quando o conteúdo de sólidos for abaixo dos 25%.

Como foi discutido anteriormente, a técnica de coleta e processamento pode influenciar a consistência dos dejetos. Por exemplo, a adição do efluente da sala de ordenha aos dejetos raspados do piso do estábulo, ou mesmo o uso de separadores de sólidos, pode modificar a classificação quanto à consistência, alterando o método necessário para o manejo adequado dos dejetos.

A separação em sólidos e líquidos permite a utlização de duas frações de mais fácil manejo, como descrito acima, mas adiciona custo e complexidade ao sistema.

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3. Relação entre o volume de dejetos, a concentração de nutrientes e a área disponível para distribuição dos mesmos

Se a área disponível for insuficiente para a reciclagem segura dos nutrientes contidos nos dejetos, um sistema que maximize o tratamento/remoção desses nutrientes seria mais desejável que um sistema que minimize perdas e maximize a reciclagem. Situações que podem demandar maximização no tratamento incluem a proximidade com áreas urbanas, solos excedendo recomendações agronômicas, e relação de custo:benefício inviável.

 

3.1.Proximidade de cursos d’água, de populações urbanas ou de áreas de risco/alta visibilidade

A contaminação de cursos d’água e as emissões de odor e de partículas estão entre as principais razões de denúncias e processos judiciais. Se a construção do sistema de tratamento de dejetos próximo a estas áreas for inevitável, a minimização de tais emissões deve ser priorizada, escolhendo o sistema mais apropriado, considerando-se a viabilidade econômica da atividade no local.

 

3.2. Legislação pertinente

Assim como no Brasil, a legislação ambiental americana tem sido objeto de grande volatilidade, ou seja, alterações têm ocorrido de maneira abrupta, nem sempre com critérios firmemente sustentados cientificamente, e raramente atingindo os objetivos pretendidos. Em grande parte, isso tem ocorrido por disputa política, social e judicial entre organizações não governamentais e associações ligadas à indústria agropecuária. É absolutamente imprescindível que as leis sejam baseadas em critérios científicos e que sejam executáveis, ou seja, que sejam passíveis de aplicação em condições práticas. Por exemplo, o zoneamento de matas ciliares é de simples medição e, portanto, fácil de se fazer cumprir. Por outro lado, a imposição de limites na quantidade de amônia volatilizada é complicada por fatores relacionados com a localização onde as medidas da amônia atmosférica são tomadas em relação à sua fonte, além da imensa variabilidade de condições temporais e ambientais que podem alterar as taxas de volatilização. Modelos matemáticos têm sido recomendados para tais circunstâncias, como é o caso do uso de índices de fósforo em vários estados, inclusive alguns onde a legislação vigente leva em consideração esses índices.

 

3.3.Custo:benefício

Os nutrientes contidos na excreta das vacas são diluídos quando misturados a resíduos de cama e/ou água. Em outras palavras, dejetos contêm menor concentração de nutrientes à medida em que mais água e/ou cama são adicionadas. Por exemplo, dejetos coletados em um sistema de flushing contém menos nutrientes por unidade de volume ou peso que dejetos coletados em um sistema que utiliza raspagem como método de remoção dos dejetos do piso do estábulo. Neste mesmo contexto, o efluente da sala de ordenha também contém baixa concentração de nutrientes. Na grande maioria dos sistemas de produção a pasto, o efluente da sala de ordenha é a única fonte de dejetos coletados. Um grupo de pesquisadores avaliou dados do estado da Louisiana (EUA), onde 90% dos sistemas de produção dependem do pasto como principal fonte de nutrientes para vacas leiteiras. Os autores estimaram que a reciclagem dos dejetos como fonte de nutrientes em áreas de pasto ou agricultura resultaram em prejuízo em quase metade das propriedades, apesar dos subsídios federais de 75% do custo de distribuição dos dejetos. Em outras palavras, o valor dos nutrientes contidos nos dejetos líquidos removidos das lagoas anaeróbias foi menor que o custo dessa remoção e seu retorno ao solo.

As universidades de Cornell e de Nebraska disponibilizam gratuitamente planilhas de cálculo do valor dos nutrientes contidos nos dejetos. Basta acessar os links abaixo:

Cornell University: http://nmsp.cals.cornell.edu/software/calculators.html

University of Nebraska – Lincoln: http://water.unl.edu/web/manure/software#manurevalue

Essas planilhas são focadas no valor dos nutrientes e geralmente não refletem todos os benefícios obtidos pela incorporação de dejetos nos solos, mas servem como base de comparação.

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