Saiba como controlar e prevenir a paratuberculose bovina
A paratuberculose, ameaça silenciosa nos rebanhos leiteiros, compromete a produtividade e a saúde dos animais. Saiba como controlar e prevenir a doença.

A paratuberculose, também conhecida como “doença de Johne”, é uma infecção intestinal granulomatosa e crônica que acomete bovinos e outros ruminantes, domésticos e silvestres. Estima-se que a maioria dos bovinos infectados (aproximadamente 95%) desenvolve a doença subclínica, enquanto determinados animais apresentam a síndrome clínica, caracterizada por diarreia e perda de peso, como resultado de infecção avançada. Considerada uma enfermidade de distribuição mundial, a paratuberculose, no Brasil, foi relatada pela primeira vez no Rio de Janeiro, a partir de um bovino importado no início do século passado, e outros casos já foram identificados em Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. A maior parte dos relatos diz respeito à constatação da doença clínica, seguida de avaliação sorológica dos rebanhos.
A paratuberculose não possui cura e apresenta, na maioria dos casos, diagnóstico e controle complexos devido à manifestação tardia (em animais mais velhos) dos sinais clínicos. Bovinos com infecção subclínica permanecem no rebanho como fonte de infecção para animais sadios, enquanto indivíduos em estágio avançado da doença exibem um quadro debilitante, com diarreia crônica, perda de peso, que pode chegar à morte.
Rebanhos leiteiros são os mais afetados em razão do manejo, do confinamento e do maior tempo de vida útil dos animais. Os prejuízos econômicos causados pela paratuberculose estão associados à queda na produção de leite e no ganho de peso, à redução da eficiência reprodutiva e ao descarte prematuro dos animais, resultando na desvalorização da carcaça. A perda anual causada pela enfermidade, nos Estados Unidos, é estimada em 200 milhões de dólares. No Brasil, a magnitude dos prejuízos ainda é desconhecida. Estudos sugerem uma ligação entre o agente causador da paratuberculose e a doença de Crohn, importante patologia intestinal inflamatória crônica que ocorre no homem. As conclusões, entretanto, são controversas, o que não exclui a possibilidade de risco à saúde humana.
Paratuberculose: como o vilão se instala nos animais e se espalha pelo rebanho?
A paratuberculose é causada por Mycobacterium avium spp. paratuberculosis (MAP), uma bactéria intracelular facultativa que infecta preferencialmente macrófagos (células do sistema de defesa) de mamíferos. Desde o primeiro relato de MAP como causador da paratuberculose, no século 19, o microrganismo tem sido relatado em bovinos e outros ruminantes domésticos e selvagens, sendo a maior parte das pesquisas concentradas em bovinos leiteiros. Trata-se de uma bactéria resistente, capaz de sobreviver por mais de um ano em ambiente com condições adversas. Além disso, estudos demonstram que o agente pode sobreviver à pasteurização rápida do leite (72°C por 15 segundos) e que o tratamento térmico do colostro, a 60°C por 60 minutos, mostrou-se eficaz na eliminação de MAP.
A bactéria possui mecanismos que auxiliam na evasão do sistema imunológico, possibilitando sua permanência no organismo, uma lenta proliferação na mucosa intestinal e disseminação para os linfonodos regionais. O período de incubação pode durar de 2 a 10 anos, sem manifestação de sinais clínicos. Animais infectados, contudo, ainda que assintomáticos, eliminam MAP nas fezes e disseminam a doença pelo rebanho. A progressão da paratuberculose pode ser acelerada em rebanhos com alta prevalência, de modo que manifestações clínicas podem ser observadas em animais com menos de um ano de idade.
A infecção por MAP ocorre geralmente pela ingestão do agente a partir de alimentos contaminados com fezes, sendo indivíduos jovens os mais susceptíveis, principalmente durante o período neonatal. Os animais, com o aumento da idade, tornam-se mais resistentes; por outro lado, ambientes com elevado nível de exposição à bactéria podem favorecer a infecção de indivíduos mais velhos. Outro meio de infecção é pelo aleitamento de bezerras com colostro ou leite de vacas infectadas. O microrganismo já foi isolado do colostro e leite de vacas com doença subclínica ou clínica (com e sem sinais clínicos) e é eliminado em maior quantidade no colostro. A paratuberculose também pode ser transmitida para o feto no ambiente intrauterino, o que ocorre principalmente quando a fêmea apresenta a doença clínica (Figura 1).
O principal fator de risco para a introdução da paratuberculose em um rebanho é a aquisição de animais provenientes de propriedades sem controle sanitário para a doença. Uma vez presente na fazenda, a disseminação da enfermidade está fortemente associada a práticas inadequadas de manejo, especialmente com os animais jovens. Entre os principais fatores que favorecem a propagação da paratuberculose estão:
a) Utilização de piquetes maternidade coletivos, com acúmulo de matéria orgânica;
b) Aleitamento de bezerras por vacas com tetos e úberes contaminados por fezes;
c) Fornecimento de leite ou colostro provenientes de vacas contaminadas;
d) Uso de leite de descarte contendo secreção de vacas contaminadas;
e) Convivência de bezerras no mesmo ambiente que animais adultos infectados.
Como a paratuberculose se apresenta?
O curso clínico da paratuberculose se divide em quatro estágios (Figura 2):
• Estágio I - Infecção silenciosa: os animais não apresentam sinais clínicos e/ou queda de produção ou peso, e não possuem anticorpos séricos detectáveis para MAP. O microrganismo pode ser eliminado nas fezes, mas em nível de detecção menor que aqueles empregados por alguns métodos de diagnóstico, como cultura e reação em cadeia da polimerase (PCR). Ao exame post mortem, a bactéria presente nos tecidos pode não ser visível na microscopia, podendo, contudo, ser detectável pela cultura de múltiplos tecidos intestinais, sugerindo que a disseminação generalizada ocorre no início do desenvolvimento da enfermidade;
• Estágio II - Doença subclínica: os animais ainda não manifestam sinais clínicos visíveis, entretanto, exibem perdas produtivas sutis, que muitas vezes passam despercebidas. Nesse período, os testes diagnósticos disponíveis não conseguem detectar a maior parte dos indivíduos infectados, que liberam MAP nas fezes e se tornam fator de risco para bovinos sadios. Alterações no sistema imunológico, como aumento dos níveis de anticorpos anti-MAP, podem ser detectadas, embora os animais ainda não apresentem sinais de doença clínica. Alguns estudos observaram que bovinos com doença subclínica têm produção de leite e eficiência reprodutiva reduzidas;
• Estágio III - Doença clínica: nessa fase, cuja duração é de 3 a 4 meses antes da evolução para a doença avançada, são observados os sinais mais brandos da paratuberculose, dentre os quais se destacam diarreia aquosa, que pode ser intermitente no início; perda de peso com ingestão normal ou aumentada de alimento; maior ingestão de água; queda na produção de leite e da eficiência reprodutiva. Praticamente todos os animais são positivos para MAP, tanto na cultura quanto PCR fecal, e apresentam níveis detectáveis de anticorpos pelo ensaio imunoenzimático (ELISA). As fêmeas possuem frequência mais elevada de MAP isolada no leite.
• Estágio IV - Doença clínica avançada: os animais infectados começam a apresentar fraqueza, letargia, caquexia, edema na região da mandíbula e diarreia crônica e profusa. Além disso, eliminam grandes quantidades de MAP nas fezes, e, ao ELISA, revelam alta concentração de anticorpos. Nessa fase, ocorre queda acentuada da produção e do peso, o que pode levar ao descarte do animal. Caso contrário, os animais podem morrer devido à progressão rápida da enfermidade.
O PRINCIPAL FATOR DE RISCO PARA A INTRODUÇÃO DA PARATUBERCULOSE EM UM REBANHO É A AQUISIÇÃO DE ANIMAIS PROVENIENTES DE PROPRIEDADES SEM CONTROLE SANITÁRIO PARA A DOENÇA. UMA VEZ PRESENTE NA FAZENDA, A DISSEMINAÇÃO DA ENFERMIDADE ESTÁ FORTEMENTE ASSOCIADA A PRÁTICAS INADEQUADAS DE MANEJO, ESPECIALMENTE COM OS ANIMAIS JOVENS
Por ser uma doença silenciosa, estudos de prevalência da paratuberculose no rebanho estimam que para cada caso clínico avançado, é possível que sejam encontrados outros 25 animais infectados, sendo que apenas 15 a 25% serão identificados nos testes diagnósticos. Esse fenômeno é conhecido como “efeito iceberg”, no qual os animais clinicamente doentes representam apenas a parte visível do problema (Figura 3), enquanto uma parcela significativa da infecção permanece oculta, contribuindo silenciosamente para a disseminação da doença no rebanho.

Como diagnosticar?
O diagnóstico da paratuberculose é complexo devido ao lento desenvolvimento da doença, além da baixa produção de anticorpos e, nos estágios iniciais, pouca eliminação fecal da bactéria. Desse modo, testes sorológicos conseguirão identificar animais infectados apenas em estágios mais avançados da enfermidade. Os testes podem ser realizados de forma indireta, pela da detecção de anticorpos por meio de métodos imunoenzimáticos (ELISA), ou de forma direta, pela detecção de MAP nas fezes, ou em tecidos a partir da cultura bacteriana ou por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR). Ainda que a cultura microbiológica seja o método recomendado, o processo é lento, podendo levar até 8 meses para crescimento do MAP, de alto custo, laborioso, além de possuir poucos laboratórios no país que realizam o isolamento e identificação deste agente. Para fins de saneamento de um rebanho, o diagnóstico da paratuberculose, por meio de ELISA e PCR, deve ser feito em animais sintomáticos e assintomáticos com idade superior a 36 meses - a maioria dos indivíduos, antes dessa idade, está na fase de incubação e não elimina MAP em níveis detectáveis ou não produz anticorpos contra MAP.
Também é de grande importância que se conheça o rebanho, de modo que sejam rotineiramente feitas anotações zootécnicas, que tratem, por exemplo, da aquisição de animais, das perdas produtivas, dos problemas reprodutivos, da perda de peso, e da quantidade de animais caquéticos, anoréxicos e com diarreias crônicas.
PARA FINS DE SANEAMENTO DE UM REBANHO, O DIAGNÓSTICO DA PARATUBERCULOSE, POR MEIO DE ELISA E PCR, DEVE SER FEITO EM ANIMAIS SINTOMÁTICOS E ASSINTOMÁTICOS COM IDADE SUPERIOR A 36 MESES
Como tratar, controlar e prevenir a paratuberculose no rebanho?
O tratamento da paratuberculose não é indicado, haja vista que não leva à cura da doença e não impede a liberação da bactéria nas fezes. Além disso, os fármacos indicados para o tratamento são os mesmos utilizados no tratamento da tuberculose humana, não sendo permitido o uso em animais.
O controle da paratuberculose é complexo, pois animais com a doença subclínica eliminam bactérias capazes de infectar indivíduos sadios. Para conter a disseminação da doença, é essencial adotar uma abordagem integrada, que envolva diagnóstico precoce, práticas rigorosas de biossegurança e manejo adequado dos animais.
Uma estratégia eficaz de controle começa pela identificação dos animais infectados, seguida da aplicação de medidas adequadas de biossegurança para prevenir a disseminação da doença no rebanho. A Figura 4 apresenta um fluxograma das principais ações a serem implementadas com base nos resultados diagnósticos. O diagnóstico deve ser realizado em bovinos com idade superior a 36 meses, utilizando testes sorológicos e de fezes.
A paratuberculose pode ser exitosamente controlada a partir da implementação de estratégias de manejo a longo prazo. Para rebanhos negativos, o objetivo é que estes permaneçam livres de MAP. Para tanto, os rebanhos precisam ser manejados separadamente, sem introdução de animais de outros rebanhos, ou participação em leilões ou exposições, onde há potencial para contato com animais infectados. Para animais infectados, o objetivo é trabalhar para que se reduza a prevalência da infecção por MAP dentro do rebanho, diminuindo a carga bacterina no ambiente. Quanto à vacinação, trata-se de uma prática que tem sido empregada a partir de estudos com resultados conflitantes. A vacina diminui a eliminação fecal de MAP, previne a progressão da doença clínica e, em conjunto com mudanças de manejo, pode diminuir a incidência de infecção nos rebanhos. No entanto, não previne totalmente a infecção, e está disponível, de forma limitada, com vacinação realizada apenas pelo serviço veterinário oficial, nos Estados Unidos da América e Austrália, em focos da doença. A vacinação pode interferir nos testes diagnósticos de paratuberculose e tuberculose bovina, o que restringe seu uso a rebanhos com alta prevalência da doença. No Brasil, até o momento, não há vacinas disponíveis para paratuberculose.
Conclusão
A paratuberculose é uma doença de grande impacto na pecuária leiteira, representando um desafio silencioso, de diagnóstico complexo e controle oneroso. Além das consideráveis perdas produtivas que comprometam a rentabilidade da propriedade, a enfermidade levanta preocupações quanto à sua possível implicação na saúde pública. Para mitigar seus efeitos e proteger o rebanho, é fundamental adotar uma abordagem estratégica baseada em medidas rigorosas de controle e prevenção. A implementação dessas ações deve ser conduzida sob a orientação de médicos veterinários, garantindo a adoção das melhores práticas sanitárias e de manejo, visando a saúde e a sustentabilidade da produção leiteira.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelas bolsas concedidas, bem como à FAPEMIG, processo RED-00132-22, e à CAPES PROEXT-PG Processo 88881.926972/2023-01, pelo apoio financeiro.
Autores
KELLY MARA GOMES GODOY - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Escola de Veterinária (EV), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
JOÃO VITOR FERNANDES COTRIM DE ALMEIDA - Pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, EV, UFMG
ELAINE MARIA SELES DORNELES - Professora Adjunta do Departamento de Medicina Veterinária, Faculdade de Zootecnia e Medicina Veterinária (FZMV), Universidade Federal de Lavras (UFLA)
ANDREY PEREIRA LAGE Professor - Titular do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, EV, UFMG
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LeiteInova
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