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Animais Jovens, Nutrição

Usar ou não o leite de descarte na alimentação de bezerras?

Alternativa econômica, o uso de leite de descarte na alimentação de bezerras pode representar riscos importantes para a saúde animal e humana.

Usar ou não o leite de descarte na alimentação de bezerras?

Em toda a cadeia produtiva do leite, um dos maiores dispêndios é, sem dúvida, a nutrição dos animais — e no bezerreiro isso não é diferente. Desde o nascimento até o desaleitamento, a origem do leite utilizado na alimentação das bezerras impacta diretamente a lucratividade do empreendimento e o futuro da fazenda, já que essas bezerras serão as futuras vacas em lactação. Com demanda diária de aproximadamente seis litros de leite por animal, o produtor busca alternativas de aleitamento que possam reduzir custos, entre elas o uso de leite de descarte.

O leite de descarte, mesmo sendo impróprio para o consumo humano devido à contaminação microbiana e resíduos de medicamentos, é utilizado como alternativa para alimentar bezerras, principalmente porque oferece uma solução economicamente viável. Como o descarte completo gera custo significativo e até problemas ambientais se feito de maneira incorreta, os produtores muitas vezes optam por usá-lo como fonte de nutrição para os animais jovens, mesmo que essa prática apresente riscos à saúde do rebanho.

Diante disso, é essencial avaliar minuciosamente os prós e contras dessa prática. Neste artigo, exploraremos as implicações do uso do leite de descarte, os potenciais impactos sobre a saúde do rebanho e as melhores práticas para garantir a eficiência e a rentabilidade no sistema de produção leiteira.

O que é o leite de descarte? 

O leite de descarte é um produto rejeitado pela indústria, portanto, não é comercializado. Esse tipo de leite provém de animais com mastite clínica, em tratamento com antimicrobianos ou em período de transição. Contendo uma quantidade significativa de resíduos farmacológicos e microbiológicos, o leite de descarte é considerado impróprio para o consumo humano.

Quais são os principais problemas produtivos associados ao uso do leite de descarte na alimentação de bezerras?

Apesar dos avanços nas técnicas de produção para melhorar a qualidade do leite, alguns problemas ainda afetam o setor. Doenças recorrentes em rebanhos brasileiros, como mastite e tristeza parasitária, são fatores que impactam a produção. Além disso, enfermidades como problemas de casco, metrite e pneumonia exigem tratamentos com medicamentos que deixam resíduos no leite. Também são considerados como leite de descarte o leite de transição e o leite contaminado por questões sanitárias, como a limpeza inadequada dos tetos durante a ordenha.

O uso de leite de descarte na alimentação de bezerras é uma alternativa viável do ponto de vista econômico, mas exige cuidados para garantir a saúde e o desenvolvimento adequado dos animais 

Quais são os riscos e impactos do uso de leite de descarte na alimentação de bezerras?

O uso do leite de descarte na fase de aleitamento tornou-se uma alternativa para mitigar perdas produtivas e econômicas, tanto pela eliminação de custos com o descarte adequado quanto pelo aproveitamento do recurso. No entanto, essa prática apresenta riscos significativos à saúde dos animais, especialmente para as bezerras, cujo sistema imunológico ainda está em desenvolvimento.

A alta concentração de resíduos presentes no leite de descarte eleva o risco de resistência bacteriana no trato intestinal, além de facilitar a transmissão de patógenos associados à mastite. Além disso, a introdução desse leite no aleitamento pode aumentar a incidência de diarreia, frequentemente causada pela presença de bactérias como E. coli, Streptococcus e Staphylococcus, o que impacta negativamente o ganho de peso diário das bezerras.

O uso indiscriminado de antimicrobianos nos rebanhos representa um grande desafio para a pecuária. O uso desses medicamentos deve ser restrito a situações realmente necessárias para evitar o desenvolvimento de resistência, o que compromete a eficácia dos tratamentos disponíveis. A utilização do leite de descarte contendo fármacos contribui para a seleção de bactérias patogênicas no rebanho, representando um fator de risco que deve ser evitado sempre que possível.

Outro problema potencial é o desenvolvimento de mastite em animais jovens, que ainda não estão em fase de produção, bem como o surgimento de animais que já chegam ao primeiro parto com infecção estabelecida. Isso pode ocorrer devido à baixa imunidade e à elevada contaminação ambiental, mas o fornecimento de leite contaminado aumenta as chances de transmissão. Em sistemas comunitários, a mamada cruzada facilita o contato de bactérias presentes na boca de um animal com o úbere em desenvolvimento de outro, propagando patógenos causadores de mastite.

Animais jovens podem ser contaminadas com Staphylococcus aureus, patógeno associado à mastite que representa um grande desafio na fazenda devido ao aumento da CCS (Contagem de Células Somáticas), redução da produção e custos com tratamentos ineficazes.

Adicionalmente, algumas doenças importantes podem ser transmitidas pelo aleitamento, mesmo que não estejam diretamente ligadas ao leite de descarte. A tuberculose, por exemplo, uma zoonose de relevância nacional, pode ser transmitida aos animais jovens durante essa fase, especialmente em propriedades onde o perfil sanitário do rebanho não é monitorado e vacas infectadas não são identificadas.

A ALTA CONCENTRAÇÃO DE RESÍDUOS PRESENTES NO LEITE DE DESCARTE ELEVA O RISCO DE RESISTÊNCIA BACTERIANA NO TRATO INTESTINAL, ALÉM DE FACILITAR A TRANSMISSÃO DE PATÓGENOS ASSOCIADOS À MASTITE

Como minimizar os impactos do aleitamento de bezerras com leite de descarte? 

Para reduzir os impactos da introdução do leite de descarte na dieta das bezerras, algumas precauções são recomendadas. É importante evitar o fornecimento desse leite nos primeiros dias de vida, pois a permeabilidade da parede intestinal das bezerras nessa fase é maior, facilitando a passagem de bactérias presentes no leite de descarte. Outra medida é a pasteurização, realizada a 72°C por 15-20 segundos ou a 65°C por 30 minutos, visando diminuir o risco de transmissão de agentes patogênicos (Figura 1). Além disso, é fundamental realizar testes rápidos para verificar a eficácia da pasteurização.

 Figura 1. Método de pasteurização do leite

O que dizem as pesquisas mais recentes?

Estudos recentes mostram que o leite de descarte pode sofrer alterações em sua constituição devido a diversos fatores. O teor de gordura, por exemplo, pode ser reduzido em função da resposta imune de vacas com mastite, o que diminui a quantidade de nutrientes disponíveis para o desenvolvimento das bezerras, impactando o ganho de peso e aumentando o risco de distúrbios digestivos. Em um estudo da Universidade de Washington em parceria com a Universidade da Califórnia, foi observada ampla variação na composição de sólidos totais no leite de descarte. Análises de 78 tanques revelaram uma variação de sólidos totais entre 5,1% e 13,5%, com muitas amostras apresentando valores abaixo de 12,5% (Gráfico 1).


Devido à grande variação nos sólidos totais, o ganho de peso diário das bezerras também se torna instável. A saúde das bezerras nos primeiros meses está diretamente relacionada ao seu potencial produtivo futuro, e problemas nessa fase podem comprometer o desenvolvimento e reduzir a produtividade futura desses animais no rebanho.

Outro fator crítico é a presença elevada de bactérias patogênicas resistentes, que tornam as bezerras mais vulneráveis a infecções graves e menos responsivas aos tratamentos com antimicrobianos (Tabela 1).


Em resumo

O uso de leite de descarte na alimentação de bezerras representa tanto desafios quanto oportunidades para o produtor brasileiro. Embora essa prática contribua para a redução de perdas econômicas e problemas de descarte, exige cuidados rigorosos para garantir a saúde e o desenvolvimento adequado dos animais. A pasteurização é uma técnica comprovadamente eficaz para reduzir os riscos associados ao leite de descarte, mas é fundamental que os produtores compreendam suas limitações, especialmente no que se refere ao impacto na microbiota ruminal. É importante destacar que a pasteurização minimiza os problemas relacionados a agentes patogênicos presentes no leite, mas não reduz a quantidade de resíduos de antimicrobianos, tampouco melhora a qualidade nutricional do alimento.

Em resumo, a adoção de práticas seguras, supervisionadas por um médico veterinário, pode transformar o uso do leite de descarte em uma solução viável para a sanidade das bezerras, promovendo a sustentabilidade e a eficiência na produção leiteira. O aumento da eficiência produtiva de uma fazenda depende de decisões cuidadosas em relação à nutrição e à saúde dos animais, assegurando que se tornem vacas saudáveis e, consequentemente, mais produtivas. Ademais, a redução da produção de leite de descarte por meio de boas práticas de manejo, higiene durante a ordenha e tratamentos adequados é essencial para minimizar os impactos desse produto no sistema de produção, permitindo que os animais recebam um alimento saudável e com composição estável. 

É IMPORTANTE DESTACAR QUE A PASTEURIZAÇÃO MINIMIZA OS PROBLEMAS RELACIONADOS A AGENTES PATOGÊNICOS PRESENTES NO LEITE, MAS NÃO REDUZ A QUANTIDADE DE RESÍDUOS DE ANTIMICROBIANOS, TAMPOUCO MELHORA A QUALIDADE NUTRICIONAL DO ALIMENTO









GABRIELA FERNANDA DA SILVA CUSTODIO - Graduanda em Medicina Veterinária, UFMG 

LARISSA LARA CRISPIM FERNANDES - Graduanda em Medicina Veterinária, UFMG 

JOÃO DE PAULA GONÇALVES FREIRE - Graduando em Medicina Veterinária, UFMG

JOÃO LUÍS BATISTA DE JESUS - Graduando em Medicina Veterinária, UFMG

GIAN CARLOS DE OLIVEIRA - Mestrando em Ciência Animal, UFMG

TIAGO FACURY MOREIRA  - Professor de clínica de ruminantes, UFMG



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