Por que as vacas “pastejam” nos cochos?

Texto: Marina Von Keyserlingk

Uma Dieta Total (TMR) deve ser nutricionalmente balanceada com todos os nutrientes que os animais necessitam para se desenvolver e produzir. Entretanto, a qualidade da TMR nas fazendas pode variar entre diferentes dias (quantidades e mistura), ao longo de um mesmo dia (devido à seleção de ingredientes pelas vacas e exposição ao ambiente), e ao longo da extensão do cocho de alimentação (devido a mistura inadequada ou distribuição desigual). Pesquisas recentes de nosso grupo, na University of British Columbia (UBC), mostraram que essa variabilidade pode afetar profundamente o comportamento alimentar das vacas.

As vacas confinadas, em geral, procuram pelos melhores locais para se alimentarem (ex: locais com maior densidade de alimentos) à fim de aproveitar da forma mais eficiente o tempo de alimentação, como fariam se estivessem pastejando. Frequentemente, esses locais também estão associados com os alimentos mais palatáveis, que os tornam ainda mais desejados. O comportamento de procura permite que os animais encontrem esses locais, mas essa exploração requer um tempo durante o qual não estão se alimentando, o que pode reduzir o tempo gasto no cocho e aumentar o comportamento competitivo pelo acesso aos locais de alimentação preferidos.

O objetivo desse artigo é discutir como a variação na qualidade da TMR pode afetar o comportamento alimentar de novilhas leiteiras.

O que fizemos...

Trinta e duas novilhas Holandesas, de 7 meses de idade, foram divididas em 4 grupos de 8 animais cada. Todos os animais de cada grupo tiveram livre acesso a 8 estações de alimentação, separadas por canzis. Foram utilizadas 3 diferentes qualidades de TMR: baixa, moderada e alta energia. As dietas consistiam de feno, silagem de milho, silagem de capim e concentrado. A densidade energética das dietas foi modificada pelo ajuste da quantidade de grãos na mistura, que responderam por 0, 24 ou 39% da matéria seca total das dietas de baixa, moderada e alta energia, respectivamente.

O estudo durou 9 dias. Para simular as variações na qualidade da TMR ao longo do cocho (desuniformidade), 7 estações de alimentação foram enchidas com TMR de baixa qualidade e 1 estação, posicionada ao acaso, foi enchida com TMR de alta qualidade, nos dias 1, 2, 4, 5, 7 e 8 do estudo. Nos dias 3, 6 e 9, todas as 8 estações foram enchidas com TMR de baixa, moderada e alta qualidade, respectivamente, para simular mudanças inesperadas na qualidade das forragens em diferentes dias. Ao final do período de 9 dias todos os 4 grupos de animais experimentaram uma mudança na TMR para cada uma das 3 diferentes qualidades (baixa, moderada e alta). A qualidade média das TMR nos 3 dias de teste foram maiores ou menores que aquelas experimentadas no dia anterior, quando a distribuição da TMR foi desuniforme ao longo dos cochos de alimentação.

Para determinar como a variação na qualidade da TMR afeta o comportamento alimentar, novilhas de cada um dos 4 grupos foram arranjadas em pares para observação. Pela manhã, antes do fornecimento de alimentos, todas as novilhas foram levadas para o fundo da baia e, 1 par de cada vez teve acesso ao alimento fresco por 15 minutos. As estações de alimentação foram novamente enchidas a cada período de 15 minutos. O número de vezes que as novilhas mudaram de uma estação para a outra, bem como o número de interações competitivas entre elas foram anotados.

O que nós observamos...

As novilhas exploraram mais as estações de alimentação (mais mudanças entre estações) quando foi fornecida TMR com menor densidade energética que aquela experimentada no dia anterior, como pode ser observado na Figura 1. Esse comportamento parece ser mais direcionado pelo padrão sensorial das dietas (sabor, textura, odor) que pela sensação do animal após a alimentação (grau de saciedade), uma vez que as observações ocorreram dentro de um curto período de tempo após o fornecimento do alimento fresco.

O tempo gasto em cada estação de alimentação foi 47% menor no dia em que as novilhas foram mudadas para uma TMR de baixa qualidade após um dia de TMR desuniforme. Por outro lado, a média de tempo gasto em cada estação aumentou entre 27% e 74% nos dias que uma TMR  de mais alta qualidade foi fornecida em relação àquela do dia anterior. 

Interações competitivas no cocho ocorreram mais frequentemente quando a qualidade da TMR era desuniforme entre as estações ao longo do cocho (Figura 2). Quando a qualidade era a mesma entre as estações (independente do nível - baixa, moderada ou alta) a competição era reduzida. Durante os dias nos quais as novilhas receberam a TMR desuniforme, apenas um animal podia ocupar, a cada vez, a estação que continha a TMR de alta qualidade. A outra novilha era obrigada a esperar para ter acesso ao alimento de melhor qualidade ou tinha que comer a dieta de menor energia. Em geral, uma novilha de cada par era mais bem sucedida em acessar a estação com a TMR de alta qualidade, gastando uma média de 11 minutos para se alimentar, enquanto sua companheira dispendia apenas 2 minutos.

Conclusões

- Bovinos respondem a variações na qualidade da TMR, mudando a forma como exploram seu ambiente de alimentação

- Quando a qualidade da TMR é inferior àquela experimentada anteriormente, as novilhas gastam mais tempo “pastejando” o cocho de alimentação. Elas se movem de uma estação para a outra e gastam menos tempo em cada local.

- Interações competitivas entre novilhas são mais frequentes quando a qualidade da TMR não é uniforme ao longo da extensão do cocho de alimentação. Os bovinos buscam ter acesso aos locais de alimentos de mais alta qualidade.

- Minimizar a variação na densidade energética da TMR entre e ao longo dos dias promoverá um melhor comportamento alimentar.