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Reprodução

Efeitos do estresse na reprodução e fertilidade de vacas leiteiras no pós-parto

Efeitos do estresse na  reprodução e fertilidade de vacas leiteiras no pós-parto

Texto: M. A. Crowe, E. J. Williams

Está bem documentado que a seleção genética para produção de leite, nos últimos 50 anos, esteve associada com uma redução na fertilidade. Além das associações negativas entre produção de leite e taxa de concepção, existe também uma associação negativa entre produção de leite e expressão do comportamento de estro. O estresse causado pelas doenças, como as manqueiras, as mastites e as metrites, em vacas leiteiras de alta produção, também contribui para os problemas de baixa fertilidade.

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Introdução

A fertilidade em vacas leiteiras caiu durante o período que vai dos anos sessenta até hoje. Isso tem sido associado com um período de intensa seleção para maior produção de leite (Figura 1). As causas desse declínio na fertilidade são multifatoriais, mas giram em torno da questão de fornecer nutrientes suficientes para a produção de leite à custa de outros processos fisiológicos, incluindo a reprodução. As taxas de concepção para um único serviço para vacas leiteiras pós-parto caíram de cerca de 65% para 38% nos últimos 40 anos (Figura 1).

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Existe uma evidência clara de que a maior produção de leite está relacionada à menor fertilidade que, em parte, pode ser mediada por efeitos na saúde uterina. Além dos efeitos documentados da maior produção de leite sobre as taxas de prenhez, existem evidências de reduções na expressão e duração do comportamento de estro, associadas com uma maior produção de leite. Baseado na compilação de várias publicações, desde 1959 até hoje, as evidências indicam que a porcentagem de vacas prontas para reprodução, e a duração do período em que estão prontas para a reprodução, declinaram à medida que aumentou a produção de leite (Figura 2).  Baseado em análise de progesterona do leite, embora em pequeno números de estudos, existem evidências de um aumento na incidência de ciclos anormais em vacas após a retomada da ciclicidade no período pós-parto; especificamente, tem havido um aumento na proporção de vacas apresentando ciclos estrais atípicos, baseado nos perfis de progesterona (Figura 3).

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O status de saúde também está relacionado à fertilidade, com muitas doenças tendo claros efeitos negativos no sistema reprodutivo de vacas leiteiras. Alguns dos problemas de produção e status de saúde podem ser mediados por efeitos adversos nos eixos de estresse e eixos imunológicos.

 

Efeitos da produção na saúde uterina

A infecção uterina pós-parto é um importante fator que contribui para a menor fertilidade em vacas leiteiras. Após o parto, o útero se torna contaminado com bactérias e, embora muitos animais consigam eliminar essa contaminação, a infecção persiste como endometrite em até 20% desses. Notavelmente, o estabelecimento de infecção uterina ocorre próximo ao pico de produção de leite, e existem evidências que indicam que o balanço negativo de energia (BEN), durante o período inicial do pós-parto, pode estar associado com uma maior incidência de doença uterina.  Em um estudo recente, com 61 vacas leiteiras no pós-parto, a relação entre produção de leite e saúde uterina foi investigada.  Na semana 5 pós-parto, por volta do período de maior BEN, os animais produzindo menos que o valor médio de 35 kg de leite/dia (“baixo rendimento”) tiveram significantemente menores exigências de energia e ingestão de matéria seca que aqueles que estavam produzindo mais de 35 kg de leite/dia (“alto rendimento”: Tabela 1). Além disso, uma maior proporção das exigências de energia foi suprida pela ingestão nos animais de baixo rendimento, e esses animais tiveram menores déficits energéticos que aqueles de alto rendimento. Curiosamente, a condição de escore corporal não era diferente entre os dois grupos. A saúde uterina foi avaliada pelos escores de muco vaginal e diagnosticada com base em definições clínicas de doenças uterinas. Dos animais do grupo de alto rendimento, 73,3% sofreram infecção uterina (metrite ou endometrite), contra 45,2% dos animais do grupo de baixo rendimento (Figura 4).

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A razão para o aumento da incidência de doenças uterinas em animais produzindo mais leite é desconhecida. Entretanto, o maior déficit de energia, em animais de alta produção, pode contribuir para o aumento dessas doenças à medida que se sugere que o maior BEN influencia a saúde uterina. Realmente, vacas com severo BEN apresentaram função deficiente de neutrófilos, bem como uma maior expressão de genes de resposta inflamatória no endométrio, duas semanas após o parto.  Essas observações indicam que o BEN resulta em uma função imunológica prejudicada, o que pode afetar a capacidade das vacas leiteiras de eliminar a contaminação bacteriana do útero.

É provável que os recursos fisiológicos requeridos para uma alta produção de leite, e o déficit de energia resultante, comum em vacas de alta produção, resultem em prejuízo na função uterina, levando a uma maior incidência de infecção e, como consequência, uma menor fertilidade.

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Efeitos da saúde na fertilidade

Vacas sofrendo de problemas de saúde são as principais candidatas a ter uma menor fertilidade (Figura 5). Claramente, vacas com uma série de problemas, incluindo parto distócico ou cesariana, manqueiras, endometrites, retenção de placenta, mastite, febre do leite, e baixos escores de condição corporal, têm maiores intervalos parto-concepção ou podem falhar em ficar prenhes. Em muitos casos, esses problemas se apresentam de forma combinada.

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Para muitos desses quadros clínicos, existem claros fatores de risco associados com o manejo e a nutrição das vacas. Especificamente, a manqueira reduz a intensidade do comportamento de estro, o que é mediado pela interrupção do pico de LH, da redução da frequência dos pulsos de LH, da redução nas concentrações de estradiol durante a fase folicular e de falha na ovulação. A mastite também tem um efeito negativo na função reprodutiva, sendo que até 30% das vacas com infecção clínica apresentam falhas na ovulação durante a infecção. Esses dados fornecem evidências de que as consequências das doenças incluem supressão do desempenho reprodutivo.

Uma das questões mais importantes nas vacas em pós-parto é a infecção uterina (metrite e endometrite). Existem evidências de que infecções uterinas de várias formas contribuem para reduzir a fertilidade.  Além dos efeitos diretos no útero, bactérias, produtos bacterianos ou mediadores imunológicos produzidos em resposta à infecção bacteriana, também suprimem a secreção pituitária de LH e estão associados com a inibição da foliculogênese, com a redução da esteroidogênese ovariana e com fases luteais anormais. Em vacas leiteiras, as infecções estão associadas com mudanças na duração da fase luteal e maior incidência de doença cística ovariana, e o primeiro folículo ovariano pós-parto é menor e produz menos estradiol em animais com maiores números de bactérias no útero após o parto. Em um estudo com 82 vacas clinicamente normais no pós-parto, sem fatores de riscos para doenças uterinas, 75% dos animais apresentavam altas contagens de patógenos no ambiente uterino no dia 7 após o parto, sendo a Escherichia coli o tipo dominante. Esses animais tiveram também um crescimento retardado do folículo ovariano;  o primeiro folículo dominante pós-parto cresceu mais lentamente e produziu menos estradiol (Figura 6). Além disso, em animais que ovularam, o corpo lúteo (CL) foi menor e produziu menos progesterona (Figura 7).  Dentro do útero, a E.coli pode interromper os mecanismos de luteólise induzida por prostaglandina em vacas cíclicas e, dessa forma, contribuir para fases luteais prolongadas por meio da troca da síntese de prostaglandina de PGF2α para PGE2.

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Essas observações indicam uma correlação direta entre a presença de patógenos uterinos, particularmente E.coli, no dia 7 após o parto, e a função subótima ovariana nas três semanas seguintes. É bem conhecido que um grande folículo estrogênico é requerido para produzir boa expressão do comportamento de estro e um oócito saudável e que, após a ovulação, um CL saudável, produzindo altas concentrações de progesterona, é necessário para a sobrevivência do embrião. Entretanto, evidências indicam que doenças uterinas precoces no pós-parto contribuem para a infertilidade por meio da alteração da função ovariana, e que esses efeitos são residuais. Os mecanismos específicos pelos quais a infecção uterina prejudica a função ovariana são muitos e estão além do escopo desse artigo.

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Efeitos do estresse e modelo de estresse

O eixo do estresse (eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal) compartilha glândulas endócrinas com o eixo reprodutivo (eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal). Assim, os efeitos no nível hipotalâmico-hipofisário associado com um eixo pode influenciar o outro. Faz sentido, biologicamente, que se um animal está sob estresse, esse pode não ser o melhor momento para se reproduzir. Alguns efeitos de doença na função ovariana, mencionados acima, podem, em parte, estar associados a agentes estressantes das doenças, influenciando a secreção de hormônios gonadotroficos pela glândula pituitária anterior.

Em uma série de estudos feitos na Universidade de Liverpool, vários alvos no eixo do estresse foram manipulados e, então, as respostas no eixo reprodutivo foram medidas. A administração de cortisol (betametasona, 15 mg, duas vezes por dia), um hormônio liberado em quadros de estresse, nos dias 10 a 20 do ciclo estral, prolongou as fases luteais associadas dos dias 7 a 20 (devido à interrupção da luteólise) e também foi associada com uma menor capacidade da glândula pituitária anterior de secretar LH em resposta ao GnRH. A administração de dexametasona (44μg/kg peso corporeo), outro hormônio associado ao estresse, para vacas leiteiras durante o crescimento da primeira onda folicular de um ciclo, não interrompeu o crescimento do folículo dominante, mas reduziu a liberação de IGF-I e IGF-II, e aumentou os níveis de insulina e a glicose, reduzindo a progesterona do CL em desenvolvimento, indicando que o cortisol, ou efetivamente um fator estressor, poderia perturbar sinais metabólicos, afetando, dessa forma, as respostas reprodutivas. Está claro, a partir dessas e outras observações, que os hormônios liberados durante situações de estresse podem ter efeitos diretos no nível dos folículos e na secreção pituitária de hormônios reprodutivos.

A exposição de vacas leiteiras ao estresse de transporte rodoviário, e o desafio com testes de GnRH ou estradiol para testar os mecanismos de reação no eixo reprodutivo, resultaram em uma resposta menor e atrasada de LH ao GnRH , e redução no pico de LH  para um desafio com estradiol.

A exposição de novilhas a um desafio de hormônio adenocorticotrópico (também relacionado ao estresse), a cada 12 horas, dos dias 15 a 22 do ciclo, induziu a persistência de folículos dominantes e atrasou a ovulação por aproximadamente 9 dias (Figura 8).

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Coletivamente, esses estudos demonstram que a exposição a estressores prejudica o eixo reprodutivo, e suportaram os estudos que indicam que doenças e estresse contribuem para uma menor fertilidade em vacas leiteiras.

 

Sumário e conclusões

Em suma, a fertilidade em vacas leiteiras é um problema multifatorial e dependente da genética, nutrição, estado metabólico, manejo e status de saúde, e das interações desses fatores.

A seleção genética para maior produção de leite aumenta a produção de estressores metabólicos e nutricionais que, por sua vez, podem afetar a saúde uterina e (ou) o status imunológico do útero, com consequências para a eliminação de doenças uterinas.

Estudos sobre os efeitos da manipulação do eixo do estresse demonstram que o prejuízo desse eixo perturbará o eixo reprodutivo. Assim, o estado de saúde e o estresse durante o período pós-parto afetam a função reprodutiva e a fertilidade, provavelmente devido a seus efeitos nas respostas imunológicas dos animais.

Vacas leiteiras de alta produção são indivíduos altamente ajustados geneticamente, e o manejo desses animais, visando minimizar os estressores metabólicos e nutricionais para otimizar a produção e leite, a saúde e o desempenho reprodutivo, é um desafio contínuo. 

 

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