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Ceratoconjuntivite: Doença dos olhos

A Ceratoconjuntivite Infecciosa Bovina (CIB), também conhecida como Pinkeye, é a principal afecção ocular infecciosa entre bovinos e precisa ser reconhecida e tratada adequadamente para garantir a saúde ocular dos animais.

Ceratoconjuntivite: Doença dos olhos

Os órgãos do sentido responsáveis pela visão estão em contato direto com o ambiente. Em razão disso, os olhos sempre estão expostos à sucessíveis mudanças e susceptíveis a traumas, infecções e injúrias. Todavia, as doenças oculares em sua maioria são subdiagnosticadas, sobretudo em virtude de negligência na observação desse órgão, da menor prevalência de problemas oculares em bovinos se comparados a animais de companhia e, por vezes, resultantes da falta de preparo por parte dos produtores e clínicos em reconhecer e tratar tais enfermidades. Diante disso, informações importantes sobre a principal afecção infecciosa ocular, a Ceratoconjuntivite infecciosa bovina, serão tratadas nesse artigo.

Ceratoconjuntivite infecciosa bovina 

  A CIB - Ceratoconjuntivite infecciosa bovina, também conhecida como pinkeye, “lágrima” e “olho branco”, é a principal patologia que atinge o sistema visual dos bovinos. Trata-se de uma enfermidade que pode acometer muitos animais e que pode afetar qualquer faixa etária, raça ou sexo. Entretanto, alguns estudos demonstraram que raças de linhagem europeia, como Hereford, bem como seus cruzamentos tornam os animais mais sensíveis. Ainda, indivíduos mais jovens estão mais susceptíveis para o desenvolvimento da CIB, sobretudo aqueles que tiveram falha na transferência de imunidade passiva.

 Estima-se que a CIB seja a doença ocular de maior relevância econômica nas propriedades, tendo em vista que pode culminar em gastos onerosos com tratamento, diagnóstico e prevenção. 

 Há questões associadas ao impacto produtivo nos animais, pois bezerros com CIB apresentam menor peso ao desmame dificultando sua comercialização, e também predispor à ocorrência de outras enfermidades. Assim como dados de prevalência, o impacto econômico da CIB nos rebanhos também não está avaliado com precisão. Nos Estados Unidos foi estimado uma perda anual de pelo menos US$ 226 milhões, com custo de US$ 25 a US$ 82 por cabeça. Na Austrália estimou-se que os gastos com CIB atingiram a casa dos $ 22.166.000. A bactéria Moraxella bovis tem sido reportada como principal agente da CIB nos rebanhos. No entanto, outras espécies como a Moraxella bovoculi também foram recuperadas em animais com CIB, embora o papel desta última espécie na ocorrência da enfermidade ainda não esteja elucidado. As bactérias do gênero Moraxella são Gramnegativas e assumem o formato de bastonetes ou cocos. Essas bactérias podem ser componentes da microbiota autóctone, isto é, própria dos olhos de bovinos. De outra forma, outros agentes como os do gênero Mycoplasma e o Herpes Vírus do tipo I também podem causar conjuntivite, devendo ser tratados como um diferencial em quadros de conjuntivite no rebanho.

 A lesão celular provocada pelo agente desencadeia um processo inflamatório que promove edema da córnea e migração de células inflamatórias e, como consequência, opacidade corneal. Posteriormente, outras bactérias patogênicas da microbiota ocular podem colonizar as lesões provocadas pela Moraxella bovis contribuindo para o agravamento do quadro. Assim, a ulceração circunscrita da córnea (ceratite) normalmente centralizada é o principal sinal clínico observado na CIB.  Outros sinais incluem a sensibilidade à luz, espasmos descontrolados de uma ou mais pálpebras (blefaroespasmo), opacidade de córnea, lacrimejamento profuso com epífora, hiperemia, conjuntivite, blefarite, secreção mucopurulenta, entre outros. A espessura corneana diminuída faz com que, em casos extremos, a pressão do humor aquoso provoque a ruptura da córnea levando o animal à cegueira irreversível.

Vaca com quadro de ceratoconjuntivite infecciosa bovina.

 

Fatores de Risco

Na epidemiologia da CIB, alguns fatores de risco são apontados como relacionados à enfermidade. Entre eles destacam-se a radiação ultravioleta, as composições de espécies e altura de pastagens, a despigmentação ao redor dos olhos (característica da raça Hereford), fatores ambientais - como poeira, pólen, vento, bem como a presença de vetores.  
Algumas forrageiras possuem estruturas de textura mais áspera e, durante o pastejo, os animais podem ter seus olhos em contato com tais estruturas o que por sua vez provoca irritação da córnea na forma de traumas mecânicos. Uma vez irritada a córnea, pode ser colonizada por patógenos ou entrar em um estado de disbiose, induzindo a CIB. De outro modo, esses alimentos são capazes de atuar como corpos estranhos, os quais também levam à condições irritativas no epitélio ocular. A radiação ultravioleta (RU) é utilizada como forma de promover experimentalmente maior gravidade da CIB. A exposição dos olhos do gado à radiação ultravioleta artificial com uma lâmpada solar definida em comprimentos de onda para replicar o sol do meio-dia (280–320 nm) causou sinais clínicos graves de CIB em combinação com infecção por M. bovis. Pesquisas in vitro demonstraram que essa bactéria adere preferencialmente às células escuras da córnea bovina. Acreditase, portanto, que os danos causados pela radiação aumentam a suscetibilidade do epitélio da córnea à infecção por M. bovis, aumentando o número de células escuras, criando defeitos epiteliais e aumentando a taxa de renovação celular.

O principal vetor relacionado à CIB são as moscas faciais (Musca autumnalis), as moscas domésticas (Musca doméstica) e a mosca da face asiática (Musca bezzii) que atuam como vetores mecânicos na transmissão da doença. As moscas podem passar longos períodos nas regiões perioculares pois, sabe-se que elas podem alimentar-se de secreções oculares. Dessa forma, bovinos acometidos com CIB possuem lacrimejamento abundante, tornando os olhos desses mais atrativos, em razão de serem uma maior fonte de alimento a esses muscídeos. Uma vez que as moscas podem pousar sobre os olhos de animais acometidos, ao realizar repasto ou pouso sobre os olhos de animais saudáveis, elas podem transmitir o agente infeccioso dentro de um rebanho.

 Dito isso, os fatores sazonais também ganham destaque na epidemiologia da doença, pois, em estações quentes há maior propagação de vetores. O clima quente e úmido propicia melhores condições para a reprodução desses artrópodes, além de aumentar a incidência de RU que, conforme mencionado, tem um papel relevante na ocorrência e gravidade de CIB nos rebanhos.

Ademais, a ocorrência da CIB está relacionada na forma de surtos que, conforme dito, são mais comuns no verão e no outono devido a maior expressão de fatores de risco. A duração e o curso da doença são variáveis nos rebanhos (média estimada de 30 dias). Dependendo da extensão e severidade das lesões, os animais podem evoluir para cura dentro de 4 a 7 dias. Porém, comumente o período de cicatrização gira em torno de 1 a 3 semanas.  

Bezerra com ceratoconjuntivite infecciosa bovina. A presença de secreção pode ser um atrativo para os vetores, disseminando a doença para o rebanho.


 Atenção aos sinais!

A CIB pode manifestar-se apenas como conjuntivite, no entanto, o principal sinal da doença é a ulceração de córnea . Assim sendo, é importante identificar e avaliar o comprometimento das estruturas oculares envolvidas. O principal teste que identifica a presença da úlcera de córnea é a coloração com corante fluoresceína.   As úlceras de córnea ocasionadas pela CIB são descritas como redondas a ovais e profundas, com bordas menos distintas (nebulosas) com fluoresceína em comparação com úlceras rasas devido ao vazamento de corante no estroma. Além disso, o profissional deve conhecer a respeito de outras enfermidades que acometem os olhos e ser capaz de diferenciá-las com precisão.

 Em conhecimento disso, o diagnóstico da CIB é baseado no histórico do rebanho, avaliação dos fatores de risco e a presença de sinais clínicos. Para um diagnóstico mais assertivo e para especificar o agente, são realizadas técnicas moleculares como o PCR multiplex em tempo real, sendo altamente sensível e específico para detecção e diferenciação de 5 patógenos associados a CIB, incluindo M. bovis, M. bovoculi, Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovoculi e BHV-1. Além disso, pode ser feita cultura microbiológica a partir da coleta de swab ocular, mas apresenta como desvantagem o risco de contaminação da amostra por microrganismos secundários.

O tratamento para CIB inclui principalmente fármacos da classe dos antibióticos. Podem ser feitas aplicações na pálpebra de até 1 ml com oxitetraciclina, enrofloxacina ou gentamicina (vacas não lactantes ou bezerros). Caso não tenha experiência nesta forma de aplicação, pode ser feita de forma sistêmica, de acordo com a bula do medicamento. A literatura ainda traz o uso de pomadas antibióticas para mastite colocadas na parte interna da pálpebra inferior. Além disso, em casos crônicos associados a úlceras profundas, pode ser necessário a intervenção cirúrgica, realizando a enucleação do globo ocular. Porém, a avaliação da lesão e seu grau de acometimento deve ser feita por um médico veterinário. 

Esforços mais recentes se baseiam na busca de uma vacina específica que seja eficaz contra o agente envolvido nesta doença. Os principais estudos possuem como alvo a pili ou as citotoxinas expressas pela bactéria causadora da CIB como locais de atuação da vacina, já que são proteínas que funcionam como fator de virulência do agente. Porém, a capacidade de apresentar variedade de combinações de pili dificulta o desenvolvimento de vacinas com alta eficácia, bem como permite evasões das bactérias durante o enfrentamento das infecções pelo sistema imune. 

Atualmente, existem vacinas para auxiliar na prevenção da CIB no rebanho. Devem ser aplicadas após os 4 meses de idade, com reforço 21 dias após a primeira dose. Posteriormente, a revacinação deve ocorrer a cada 6 meses. Vale ressaltar que somente as vacinas não são eficazes para um controle total da CIB no rebanho. Associado a isto, devem ser adotadas medidas para a redução dos fatores de risco. Algumas estratégias estão baseadas no controle de vetores, no caso das moscas estão pautadas em reduzir as condições que propiciam seu desenvolvimento e reprodução. Para isso, é fundamental a retirada do estrume dos bovinos, mantendo a limpeza das instalações onde eles habitam. Em casos de morte de animais, não deixar a carcaça próxima dos lotes do rebanho, já que os restos mortais podem atrair os vetores para o local.

Outro ponto importante é o monitoramento semanal dos animais, o qual pode ajudar a identificar e tratar precocemente os bovinos com CIB, evitando a evolução do quadro e reduzindo as chances deste animal permanecer como fonte de infecção para os bovinos saudáveis do rebanho.  


O controle de vetores, especialmente no caso das moscas, envolve medidas para minimizar as condições que propiciam seu desenvolvimento e reprodução. Para isso, é importante remover regularmente o estrume dos bovinos e manter limpas as instalações onde eles se alojam.




GUILHERME SILVA LEMOS Doutorando em Ciência Animal da EV-UFMG
ENZO FREIRE SANTANA DO AMARAL Graduando em Medicina Veterinária da EV-UFMG
JULIE VASCONCELOS FIGUEIREDO REZENDE Graduanda em Medicina Veterinária da EV-UFMG
GABRIELA ANTEVELI Mestranda em Ciência Animal da EV-UFMG
TIAGO FACURY MOREIRA Professor de Clínica de Ruminantes da EV-UFMG


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