Estratégias integradas para o controle de moscas no rebanho
As moscas devem ser alvo de estratégias integradas para o controle de sua infestação. Saiba como utilizar os métodos mecânicos, biológicos e químicos de maneira coordenada para reduzir os impactos negativos na produção leiteira.
As moscas são reconhecidas como problema significativo nas propriedades leiteiras devido a uma variedade de razões: afetam negativamente o bem-estar e a saúde do rebanho, comprometem o desempenho dos animais de recria, a eficiência produtiva das vacas e a qualidade do leite.
Conhecer os tipos mais comuns de moscas e os prejuízos que podem causar ao rebanho é de suma importância. A discussão se estende às estratégias de controle, que abrangem métodos mecânicos, químicos e biológicos, bem como técnicas de monitoramento. Essa análise é fundamental para enfrentar os desafios e permite identificar soluções eficazes para garantir tanto a saúde dos animais quanto a qualidade do leite produzido.
Tipos mais comuns
Na criação de bovinos leiteiros, o manejo eficaz das moscas que podem infestar o ambiente é importante. Cada tipo de mosca traz desafios únicos e impactos negativos significativos à saúde e ao bem-estar dos animais. Dentre as espécies mais comuns podem ser citadas:
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Moscas domésticas (Musca domestica):
As moscas domésticas são presença constante e não exclusiva ao ambiente onde os bovinos são criados. Apesar de comuns, causam irritação e estresse nos animais. Essas moscas, com aparelho bucal menos agressivo do que o da mosca dos estábulos, ainda são prejudiciais. Alimentando-se de secreções oculares e orais dos animais, transmitem patógenos, incluindo vírus, bactérias e cepas resistentes a antibióticos, o que representa risco tanto para a saúde animal quanto para a saúde pública. O ciclo de vida dessas pragas é rápido: as moscas domésticas depositam ovos em matéria orgânica, que evoluem para larvas, pupas e adultos. Esse ciclo varia de acordo com a densidade populacional, recursos disponíveis, temperatura e umidade. Temperaturas em torno de 26ºC são ideais para o seu ciclo, mas variações extremas podem alterar esse período, tornando-o mais longo. A maior parte dessas pragas (80%) está nas fases de ovos, larvas e pupas, não visíveis na propriedade; -
Moscas dos estábulos (Stomoxys calcitrans):
Conhecidas por suas picadas dolorosas, as moscas dos estábulos podem causar feridas na pele do animal e aumentar seu comportamento agitado, especialmente quando confinados. Hematófagas, se alimentam do sangue dos animais, causando dor e desconforto. Em condições ideais, um único par dessas moscas, que começa a se reproduzir em abril, pode gerar prole abundante, alcançando, até agosto, números que atingem a casa dos quintilhões. O impacto econômico é significativo, com a produção de leite podendo diminuir entre 20 a 60%. Essas moscas também estão associadas à transmissão de patógenos como Anaplasma marginale, causador da Tristeza Parasitária, e ovos da Dermatobia hominis, a mosca do berne; -
Moscas dos chifres (Haematobia irritans):
Extremamente nocivas, essas moscas são hematófagas e dependem fortemente do hospedeiro durante seu ciclo biológico. As picadas dolorosas e contínuas causam estresse intenso no animal. Insetos adultos são encontrados nos bovinos, enquanto ovos, larvas e pupas estão nas fezes frescas, local de postura dos ovos. Uma infestação média de 500 moscas por dia pode resultar em perda anual de cerca de 2,6 litros de sangue, 40kg de peso vivo e redução de 5 a 15% na produção de leite.
Impactos no bem-estar, saúde e produção de leite
As moscas exercem impacto negativo significativo no bem-estar, na saúde e na produção de leite.
1-Bem-estar:
A presença de moscas afeta tanto o estado físico quanto comportamental dos animais. Isso inclui:
- Estresse e irritação: As picadas constantes das moscas causam irritação na pele, levando a quadros de estresse;
- Comportamento agitado: A presença de moscas faz com que os animais se comportem de maneira agitada, movendo cabeça e corpo freneticamente;
- Redução na alimentação: O estresse pode alterar o comportamento alimentar, reduzindo a ingestão de alimentos. Isso pode ser ocasionado pela liberação de hormônios, como o cortisol, e pela distração causada pela presença das moscas;
- Problemas reprodutivos: O estresse está intimamente relacionado a alterações fisiológicas que podem impactar negativamente na reprodução, afetando mecanismos como a desregulação hormonal (principalmente GnRH, FSH e LH), supressão da ovulação, atrasos no retorno à ciclicidade no pós-parto, redução na taxa de concepção e maiores chances de aborto.
2-Saúde:
A presença de moscas pode afetar a saúde das vacas e bezerras leiteiras de várias maneiras, levando a desafios tanto sanitários quanto comportamentais. As moscas, além de causarem importunação, são potenciais transmissoras de inúmeras doenças, incluindo:
- Ceratoconjuntivite;
- Tuberculose;
- Tripanossomose;
- Anaplasmose;
- Mastite;
- Diarreias;
- Verminoses.
3-Produção de leite: A presença das moscas pode afetar a produção de leite devido aos fatores citados anteriormente. O estresse provocado e a possibilidade de transmissão de doenças impactam negativamente a produtividade. Além disso, a menor eficiência reprodutiva e o desconforto durante a ordenha e momentos de descanso também influenciam negativamente a produção.
Estratégias de controle
Sistemas de criação, especialmente os intensivos, geram grandes quantidades de resíduos (uma vaca confinada pode produzir cerca de 10% do seu peso vivo em dejetos diariamente), o que atrai as moscas, além de fornecer alimento e locais para oviposição. Portanto, práticas sustentáveis de manejo de dejetos são fundamentais para o controle mecânico das moscas. Reduzir a disponibilidade de alimentos e locais de oviposição é a primeira e mais importante medida para mitigar essas pragas nas fazendas.
1-Controle mecânico
Em propriedades onde os animais são confinados, o manejo adequado dos dejetos é prática fundamental no controle e prevenção de infestações de moscas. Entre as estratégias eficazes para o controle mecânico, destaca-se a manutenção rigorosa das camas, aplicável tanto em Compost Barns quanto em Free Stalls. As medidas incluem:
- Limpeza diária dos bebedouros e da pista de alimentação;
- Limpeza regular dos corredores;
- Remoção das sobras do trato do dia anterior;
- Limpeza antes do próximo trato.
Para a limpeza dos corredores de acesso à pista de alimentação, podem ser utilizados sistemas como raspadores automáticos ou flushing. Esses sistemas podem ser programados para limpezas automáticas regulares ou acionados manualmente conforme a necessidade.
Essas práticas, ao serem rigorosamente implementadas, contribuem significativamente para a redução da presença e proliferação de moscas, melhorando o ambiente para os animais e facilitando a gestão eficiente da fazenda.
É essencial para as instalações que utilizam sistemas automáticos de limpeza possuírem infraestrutura de tubulações adequada para o manejo eficiente dos dejetos. Uma medida particularmente benéfica é o investimento em separadores de sólidos, que permitem a separação dos dejetos em frações líquida e sólida, que podem ser posteriormente utilizadas como adubo em lavouras. Além disso, a implementação de biodigestores apresenta-se como investimento vantajoso, capaz de trazer retornos econômicos substanciais. Essas práticas contribuem para a redução da poluição ambiental, melhoram a qualidade do solo e oferecem benefícios tanto sanitários quanto econômicos.
Em propriedades onde a implementação de sistemas automáticos não é viável, torna-se imprescindível a presença de equipe dedicada à limpeza manual dos dejetos, tanto para o controle efetivo das moscas quanto para o cumprimento das normas ambientais. Um exemplo é a resolução CONAMA 430/2011 (Brasil, 2011) que estabelece critérios para o tratamento adequado dos efluentes antes de seu descarte em corpos d'água.
Outras práticas de controle mecânico de moscas incluem a utilização de telas, ventiladores e armadilhas para a captura de moscas. Essas armadilhas geralmente contêm iscas atrativas, que podem ser compostas por feromônios e açúcares, e são capazes de capturar grande número de moscas. É importante notar que essas iscas podem conter ou não inseticidas em sua composição, dependendo da abordagem de controle escolhida.
2-Controle biológico
O controle biológico de moscas é uma estratégia sustentável e ecologicamente amigável, que emprega organismos vivos ou produtos naturais para diminuir a população desses insetos indesejados. Essa abordagem envolve a utilização de inimigos naturais das moscas, como besouros predadores e vespas parasitoides.
Besouros predadores, pertencentes à família Staphylinidae (besouros estafilinídeos), atuam como predadores naturais das larvas de moscas. Habitando os mesmos ambientes que as moscas, se alimentam de suas larvas, contribuindo assim para a redução da população de moscas.
As vespas parasitoides representam outro método eficaz no controle biológico. Elas depositam seus ovos nas ou sobre as larvas das moscas, resultando na morte das larvas após a eclosão dos ovos das vespas.
Além disso, certos fungos, como Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, atacam as moscas, causando doenças fúngicas que levam à morte dos insetos. De forma similar, nematóides entomopatogênicos infectam as larvas das moscas, destruindo-as no processo.
Por último, as armadilhas biológicas, mencionadas anteriormente no contexto do controle mecânico, são outro recurso valioso. Esses dispositivos utilizam vários atrativos, incluindo organismos vivos, para capturar moscas. Uma vantagem das armadilhas biológicas é que, após o uso, podem ser descartadas ou reutilizadas como adubo orgânico, sem causar danos ao meio ambiente.
O CONTROLE BIOLÓGICO DE MOSCAS É UMA ESTRATÉGIA SUSTENTÁVEL E ECOLOGICAMENTE AMIGÁVEL, QUE EMPREGA ORGANISMOS VIVOS OU PRODUTOS NATURAIS PARA DIMINUIR A POPULAÇÃO DESSES INSETOS INDESEJADOS
3-Controle químico
No combate às moscas, o controle químico é técnica amplamente utilizada que envolve o uso de inseticidas tanto no ambiente quanto nos animais. Embora seja um método eficaz, requer atenção especial e cuidados na aplicação para garantir a segurança e a eficácia.
Controle químico no ambiente: Um produto comum é o “mosquicida adulticida” em pó, que geralmente contém:
- Thiametoxan: Neonicotinoide adulticida de segunda geração;
- Z-9-Tricosene: Feromônio sintético para atrair sexualmente as moscas.
- Açúcar: Atrativo natural para as moscas domésticas.
É crucial observar as concentrações de Thiametoxan, pois algumas formulações estão prontas para uso, enquanto outras requerem diluição em água. A eficácia desses produtos pode ser comprometida em superfícies sujas, muito porosas ou em paredes recentemente pintadas com cal.
Controle químico nos animais: Para os animais, podem ser utilizadas soluções tópicas (pour-on) à base de Fluazuron e Fipronil. Os produtores devem seguir rigorosamente as instruções dos rótulos para garantir aplicação segura e eficaz.
É recomendável alternar entre diferentes classes químicas de inseticidas, como piretróides, organofosforados, neonicotinóides e espinosinas, para evitar o desenvolvimento de resistência. No entanto, deve-se evitar a rotação entre piretróides e organofosforados devido ao potencial de resistência cruzada entre esses grupos.
Essas práticas de controle químico, quando bem implementadas, são parte crucial da estratégia integrada de manejo de moscas, contribuindo para a saúde dos animais e a eficiência da produção.
Monitoramento
Além das abordagens tradicionais de controle, a implementação de monitoramento regular da população de moscas é estratégia valiosa para o manejo efetivo dessas pragas. Uma forma prática de realizar o monitoramento é por meio do uso de fitas adesivas “pega moscas”. Essas fitas podem ser estrategicamente distribuídas em diferentes locais das instalações e devem ser trocadas semanalmente para permitir contagem precisa desses insetos.
Um indicativo de alta atividade de moscas é quando a média semanal excede 100 moscas por fita. Nesse cenário, é aconselhável implementar intervenções estratégicas, como o controle químico, para mitigar rapidamente o problema.
Outra técnica eficaz de monitoramento, particularmente útil para o controle das moscas dos estábulos, é a contagem direta nos animais. Esse método consiste em contar o número de moscas presentes na parte externa da perna da vaca voltada para o observador e na parte interna da perna oposta. Uma contagem que varia de 2,5 a 5 moscas por perna já é indicativa de impacto negativo na produtividade.
UMA FORMA PRÁTICA DE REALIZAR O MONITORAMENTO É POR MEIO DO USO DE FITAS ADESIVAS “PEGA MOSCAS”. ESSAS FITAS PODEM SER ESTRATEGICAMENTE DISTRIBUÍDAS EM DIFERENTES LOCAIS DAS INSTALAÇÕES E DEVEM SER TROCADAS SEMANALMENTE PARA PERMITIR CONTAGEM PRECISA DESSES INSETOS
Prevenção e controle
Cada propriedade possui peculiaridades que exigem abordagens de controle adaptadas e específicas. A avaliação constante da eficácia das técnicas implementadas, juntamente com a adaptação contínua, é fundamental para o sucesso no controle de moscas.
O controle biológico, apesar de exigir mais tempo em comparação com os métodos químicos, destaca-se como uma prática eficaz e sustentável a longo prazo, principalmente quando associada às boas práticas de higiene, manejo de dejetos e monitoramento das populações de moscas.
O monitoramento regular fornece informações valiosas para a identificação precoce de infestações graves de moscas. Isso permite que intervenções químicas sejam aplicadas de maneira oportuna e apenas quando necessário.
Em síntese, a prevenção e o controle contínuos são elementos-chave para minimizar os impactos negativos das moscas na produção leiteira, assim como na saúde e no bem-estar dos animais.
O MONITORAMENTO REGULAR FORNECE INFORMAÇÕES VALIOSAS PARA A IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE INFESTAÇÕES GRAVES DE MOSCAS
LARYSSA MENSONÇA – Consultora Técnica do Rehagro
YANCA FERNANDES – Equipe Rehagro
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