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Sanidade

Conheça estratégias efetivas para proteger o rebanho contra a brucelose bovina

A brucelose bovina é uma doença contagiosa que recebe grande atenção de órgãos de saúde e produção animal, tanto nacionais quanto internacionais, e do setor privado. Isso se deve ao seu potencial de gerar significativos prejuízos, incluindo embargos às exportações de produtos brasileiros de origem animal, e impactos na eficiência produtiva dos rebanhos.

Conheça estratégias efetivas para proteger o rebanho contra a brucelose bovina

Importante para os segmentos leiteiro e de carne, essa doença é também uma zoonose, o que eleva sua relevância para a saúde pública. A brucelose humana pode manifestar-se de forma aguda ou crônica, sendo notoriamente difícil de tratar. Nos bovinos, é causada pela bactéria Gram-negativa Brucella abortus.


Transmissão da doença


A transmissão da brucelose bovina entre animais de um mesmo rebanho ocorre, principalmente, por meio do contato com membranas fetais ou secreções uterinas no período puerperal ou pós-aborto. Embora não sejam necessárias altas cargas de bactérias para a transmissão, o material expelido por animais infectados no momento do parto ou aborto pode conter entre 10 a 100 trilhões de bactérias.

Os grupos de risco incluem criadores, agricultores, pecuaristas, vaqueiros, tratadores, trabalhadores de abatedouros, Médicos Veterinários e outros que manipulam produtos de origem animal. Esses podem contrair brucelose por meio de práticas de manejo, como assistência ao parto, manuseio de restos placentários, ou contato com instrumentos contaminados. Além disso, o consumo de leite cru ou produtos lácteos não pasteurizados representa risco significativo de exposição à doença para a população em geral. Médicos Veterinários e vacinadores, ao administrarem vacinas contra brucelose sem a proteção individual adequada também estão sujeitos à infecção, especialmente por aerossóis durante a reidratação das vacinas ou por inoculação acidental. Tal vulnerabilidade se deve ao fato de as vacinas aplicadas serem compostas por cepas vivas e atenuadas, selecionadas especificamente para imunizar fêmeas bovinas.

A manifestação clínica mais comum da brucelose bovina é o aborto durante o último terço da gestação, normalmente ocorrendo na primeira gestação após a infecção. Abortos em gestações subsequentes são raros, predominando o nascimento de bezerros fracos ou natimortos. A B. abortus tem a capacidade de colonizar a glândula mamária, afetando negativamente a produção leiteira.

Por que vacinar?

No Brasil, a prevalência da brucelose bovina varia significativamente entre diferentes estados e regiões. Por exemplo, Santa Catarina apresenta a menor taxa de prevalência entre os estados, com apenas 0,91% de prevalência de focos (com intervalo de confiança de 95% [IC95%]: 0,44% – 1,67%) e 1,21% de prevalência entre os animais (IC95%: 0,09% - 4,97%). Em contraste, o Mato Grosso do Sul registra a maior prevalência, com 30,6% de focos (IC95%: 27,4% - 34,0%) e 7,0% de prevalência entre os animais (IC95%: 5,6% - 8,7%). Essas altas taxas de prevalência, especialmente na região Centro-Oeste, e os consequentes prejuízos – como abortos, redução na produção de leite e carne e os custos do saneamento dos rebanhos e reposição de animais – levaram a estimativas de perdas anuais superiores a 800 milhões de reais para a pecuária brasileira.

A vacinação contra a brucelose teve início nos Estados Unidos na década de 1940 e posteriormente foi adotada por países que conseguiram controlar e erradicar a doença, incluindo Austrália, Canadá, Dinamarca, Holanda e Suécia. No Brasil, o uso da vacina B19 data de 1946 e desde então tem sido a principal estratégia para controlar a doença globalmente.

De acordo com o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), a vacinação de fêmeas bovinas e bubalinas é obrigatória no Brasil, independentemente do tipo de exploração pecuária (corte ou leite). O descumprimento dessa norma pode resultar em multas e colocar em risco a saúde tanto do rebanho quanto das pessoas. Santa Catarina é a exceção, onde a vacinação não é obrigatória devido às baixas taxas de prevalência e ao sucesso do programa de erradicação.

Vacinar o rebanho contra a brucelose é, portanto, questão de responsabilidade, protegendo animais, família e negócio. Contribui também para a construção de uma reputação sólida no mercado, fundamentada em práticas agropecuárias responsáveis. A educação e conscientização sobre a brucelose e a vacinação são essenciais para fortalecer a pecuária nacional e expandir o mercado de exportação para os produtos lácteos brasileiros.

Vacinar o rebanho contra a brucelose é, portanto, questão de responsabilidade, protegendo animais, família e negócio.


O PNCEBT e o combate a brucelose 

O PNCEBT, implementado em 2001, visa normatizar o combate a brucelose e tuberculose em território nacional, por meio da disseminação de conhecimento técnico e guias de conduta dentro da produção de bovinos, a fim de proteger a saúde pública e garantir a qualidade dos produtos de origem animal.


As diretrizes do PNCEBT para combate à brucelose incluem:


  • Vacinação obrigatória de fêmeas bovídeas (bovinas e bubalinas) com idade entre 3 e 8 meses.
  • Certificação voluntária de propriedades livres de brucelose;
  • Exigência de testes regulares para o trânsito interestadual de animais e sua participação em eventos agropecuários;
  • Eutanásia obrigatória de animais que testarem positivo para a doença;
  • Habilitação de médicos veterinários pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para diagnóstico e controle da doença;
  • Classificação dos estados conforme o risco de brucelose, baseada na prevalência, e a implementação de procedimentos de defesa sanitária animal correspondentes.


A vacinação

As vacinas B19 e RB51, recomendadas pelo PNCEBT, são vacinas do tipo vivas atenuadas. Produzidas a partir da bactéria viva, não causam a doença em fêmeas jovens bovinas e bubalinas, sendo menos virulentas do que as cepas encontradas naturalmente. Além de seguras, induzem resposta imunológica robusta e duradoura, protegendo contra a infecção e seus efeitos, como o aborto.

No entanto, pelo fato de serem compostas por agentes vivos, essas vacinas representam risco de infecção para o homem se inoculadas ou em contato com mucosas ou feridas abertas durante a manipulação. Assim, apenas Médicos Veterinários cadastrados nos órgãos de defesa sanitária animal dos estados e vacinadores auxiliares, sob supervisão técnica de um Médico Veterinário, estão autorizados a aplicar essas vacinas. É fundamental seguir rigorosamente as boas práticas de vacinação, incluindo o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscaras N95 ou PFF2, óculos de proteção, luvas e vestimentas apropriadas, conforme ilustrado na Figura 1.


Demonstração do uso correto de EPI durante a vacinação contra brucelose. Inclui: máscara N95 ou PFF2, óculos de proteção, luvas e jaleco de mangas compridas para cobertura e proteção corporal completa.

Em casos de acidente durante a vacinação contra a brucelose, é crucial buscar imediatamente atendimento médico e informar o ocorrido, possibilitando tratamento rápido e eficaz. Grupos como produtores rurais, Médicos Veterinários, funcionários de abatedouros e microbiologistas apresentam chance 3,5 vezes maior de infecção por B. abortus em comparação com outros profissionais. A infecção humana, resultante tanto do contato com material contaminado quanto por acidentes vacinais, tende a ser crônica, com sintomas iniciais inespecíficos como febre ondulante e dor articular, dificultando o diagnóstico. O tratamento precoce, que dura de 6 a 8 semanas, aumenta significativamente as chances de sucesso.

Em 2022, a cobertura vacinal para brucelose, segundo dados do MAPA, foi de 73,8%, com mais de 19 milhões de bezerras vacinadas. Apesar desse avanço, a meta ideal de cobertura é superior a 80%. A heterogeneidade entre os estados é notável; alguns, como Mato Grosso e Distrito Federal, superaram 90% de cobertura, enquanto outros, como Paraíba e Rio Grande do Norte, ficaram abaixo de 20%, e no Ceará inferior a 3%, evidenciando a necessidade de intensificar a vacinação em certas áreas (Figura 2). Em Santa Catarina, onde a vacinação com B19 é proibida, a baixa cobertura deve-se à vacinação restrita a propriedades com a doença, utilizando-se a vacina RB51. Essa realidade destaca a importância da adaptação regional das estratégias de vacinação, além da difusão de informações e da mobilização dos produtores para aumentar a cobertura vacinal e, consequentemente, reduzir a prevalência da doença.,



Embora as vacinas B19 e RB51 compartilhem várias características importantes, possuem diferenças significativas, especialmente quanto à interferência em testes diagnósticos e aos seus protocolos de uso, como destacado no Quadro 1. Ambas, conforme recomendado pelo PNCEBT, são eficazes para a prevenção duradoura de abortos e infecções causadas por B. abortus. Para garantir sua eficácia, estas vacinas devem ser conservadas em temperaturas entre 2 e 8ºC desde a aquisição até o momento da aplicação. A reconstituição deve ser realizada exclusivamente com o diluente que acompanha o produto e a aplicação, feita por via subcutânea, deve ser de uma dose de 2 mL, a ser utilizada no máximo até 4 horas depois de preparada. A comercialização dessas vacinas é controlada, vendida apenas por estabelecimentos credenciados e com a apresentação e retenção de receita do Médico Veterinário cadastrado.


A comprovação da vacinação é passo fundamental no controle da brucelose. Após a vacinação, produtores e Médicos Veterinários devem registrar o ato conforme orientado pelo serviço de defesa sanitária animal. Esses registros são importantes para a conformidade com as normas e para futuras auditorias, contribuindo para a rastreabilidade e controle eficaz da doença. A organização da documentação, incluindo receitas e registros de vacinação, é essencial para evitar penalidades e assegurar a continuidade das práticas agropecuárias sem restrições.

Esses registros são importantes para a conformidade com as normas e para futuras auditorias, contribuindo para a rastreabilidade e controle eficaz da doença.


Vacina B19

A vacina B19 é produzida com uma cepa lisa de Brucella abortus, caracterizada pela presença da cadeia O em seu lipopolissacarídeo (LPS). Essa característica leva a vacina a induzir a formação de anticorpos detectáveis pelos principais testes diagnósticos para brucelose bovina, incluindo o Teste do Antígeno Acidificado Tamponado (AAT), Teste do 2-Mercaptoetanol (2ME), Teste de Fixação de Complemento (FC) e Teste de Polarização Fluorescente (FPA). No Brasil, seu uso é obrigatorio e preconizado para bezerras de 3 a 8 meses de idade, exceto em Santa Catarina, onde a vacinação com B19 é vedada.

A idade de vacinação é fator crucial na duração da resposta imunológica e na potencial influência nos resultados sorológicos para brucelose. A vacinação é recomendada após os 3 meses para evitar interferências na imunidade passiva dos animais. Em fêmeas vacinadas até os 8 meses, observa-se redução nos títulos de anticorpos ao longo do tempo, permitindo que, aos 24 meses, esses animais sejam negativos nas provas sorológicas de rotina. Entretanto, a vacinação realizada após os 8 meses, contrariando a legislação, pode resultar na persistência desses anticorpos, levando a resultados falso-positivos em testes realizados após os 24 meses e, consequentemente, ao sacrifício indevido de animais não infectados.

Devido à obrigatoriedade da vacinação, é necessário identificar os animais vacinados com uma marca a ferro no lado esquerdo da face, de acordo com o exigido pela legislação. Para identificar os animais vacinados com a amostra B19 utiliza-se o último algarismo do ano em que foi feita a vacinação. Por exemplo, bezerras vacinadas em 2024 terão a marca a ferro do número 4 na lateral esquerda da face. Considerando-se que B19 pode causar infecção em seres humanos a vacinação somente pode ser realizada por médico veterinário cadastrado no PNCEBT, o qual deve fazer utilização de todos os EPI recomendados (Quadro 1 e Figura 1).

Vacina RB51

A vacina RB51 é feita a partir de uma cepa rugosa de Brucella abortus. Diferente das cepas lisas, essa cepa não contém a cadeia O em sua parede celular, o que significa que não induz a formação de anticorpos detectáveis pelos testes sorológicos rotineiramente usados no diagnóstico da brucelose bovina. Graças a essa característica, a RB51 é classificada como uma vacina DIVA (Diferenciação entre Animais Infectados e Vacinados), oferecendo uma ferramenta valiosa para programas de controle da doença.

Pode ser utilizada como alternativa à vacinação obrigatória com B19 para bezerras de 3 a 8 meses, dependendo da avaliação do produtor e do Médico Veterinário. No entanto, seu uso tem sido especialmente valorizado em estratégias específicas devido às suas propriedades DIVA. Isso permite a implementação simultânea de duas abordagens de controle: a vacinação e o diagnóstico seguido de eliminação do animal infectado, melhorando significativamente a eficácia dos programas de vigilância epidemiológica com respostas mais rápidas e precisas em casos de surto.

No âmbito do PNCEBT, o uso da RB51 é opcional. Pode ser administrada tanto em fêmeas adultas quanto em bezerras, ajudando a regularizar a situação vacinal dos animais. Além disso, é recomendada para reforço vacinal durante surtos, com o objetivo de diminuir as ocorrências de aborto, aumentar a imunidade do rebanho e reduzir a transmissão da brucelose.

É importante enfatizar que apenas a vacina RB51 deve ser utilizada em fêmeas com mais de 8 meses, pois permite proteger os animais sem comprometer a acurácia do diagnóstico da brucelose. Em contextos de surtos, áreas de alta prevalência, animais com histórico desconhecido e receptoras de embriões, a vacinação com RB51 pode ser considerada, a critério do produtor e do Médico Veterinário, como medida para reforçar a proteção e melhorar o controle da doença.

Considerações finais

A vacinação é estratégia fundamental no controle da brucelose bovina, representando pilar essencial tanto para a saúde animal quanto para a saúde pública. Adotar a vacinação conforme as normativas do PNCEBT e do MAPA, ajustando-a às especificidades de cada rebanho, é vital. Essa abordagem responsável assegura a aderência às leis sanitárias e aumenta a eficácia dos esforços nacionais de eliminação dessa doença. A consequência direta desse comprometimento é o fortalecimento do setor pecuário brasileiro, refletindo em benefícios econômicos e na saúde geral da população.



Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas de estudo e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), processos APQ-02726-21 e RED-00132-22, pelo apoio financeiro.






ANA KARLA DE LIMA SILVA - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras (UFLA)
YASMIM DOMINGOS DA SILVA - Graduanda no Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA
LARISSA THALIA COSTA MANFRO - Graduanda no Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA
MAISA CARTER VILELA - Graduanda no Curso de Medicina Veterinária do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA
ANDREY PEREIRA LAGE - Professor Titular do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
ELAINE MARIA SELES DORNELES - Professora Adjunta do Departamento de Zootecnia e Medicina Veterinária, UFLA



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