Pré-parto e parto de vacas leiteiras: cuidados essenciais
Cuidados adequados durante o parto na fazenda são essenciais para garantir a segurança e a saúde dos animais, evitando intervenções desnecessárias e promovendo uma nova geração saudável e produtiva.
O nascimento de animais na fazenda quase sempre é sinônimo de alegria para colaboradores e produtores, pois significa a entrada de novos animais para o grupo da lactação e o nascimento de uma nova geração, que deve contribuir com o melhoramento genético e com o crescimento da produtividade na propriedade.
Entretanto, o parto também é um momento desafiador tanto para mãe quanto para a cria, tendo em vista que duas vidas podem estar em perigo caso algo aconteça de forma inadequada. Pela ansiedade, é normal que o responsável queira intervir o quanto antes para adiantar o processo e evitar maiores transtornos para mãe e cria. Porém, intervenções inadequadas e desnecessárias podem contribuir para o aumento da contaminação uterina e, inclusive, provocar lesões na vaca ou na bezerra. Nesse sentido, é importante compreender que a maioria dos partos ocorre normalmente, sem necessidade de qualquer intervenção.
Por outro lado, é importante saber o momento certo de intervir ou buscar assistência técnica especializada para evitar problemas graves e mortes dos animais. Seguem algumas dicas importantes sobre esse momento tão esperado:
1. Cuidados prévios ao parto garantem a saúde dos animais
Os cuidados com o parto devem ser iniciados antes mesmo da concepção. No caso das novilhas, é crucial respeitar o peso ideal para a primeira cobertura, a fim de garantir um desenvolvimento saudável do animal e evitar complicações durante o parto devido ao tamanho reduzido da fêmea e à falta de espaço para a passagem da bezerra no quadril. De maneira geral, é importante que as novilhas atinjam entre 55% e 60% do peso médio adulto do rebanho e/ ou da raça no momento da concepção. No momento do parto, espera-se que atinjam pelo menos 94% desse peso. Após o parto, é recomendado que as novilhas apresentem o peso mínimo de 80% do peso adulto, conforme indicado na Tabela 1.
Outro ponto importante é a escolha do touro que será utilizado. A escolha cuidadosa do touro pode evitar o nascimento de bezerras excessivamente grandes. Quando combinada com a seleção adequada do momento da inseminação ou cobertura, essa prática auxilia na prevenção de distocias relacionadas à desproporção entre o tamanho da mãe e do feto, o que pode dificultar ou até mesmo impedir o parto normal. Em propriedades que trabalham com inseminação artificial, a dificuldade de parto indicada deve ser menor do que 2,2 para vacas e novilhas e, nas que realizam cobertura natural, é indicado observar o histórico de partos e peso ao nascimento das crias de cada touro.
2. Adequada nutrição e infraestrutura durante a gestação e o pré-parto contribuem para um processo saudável e bem-sucedido
Manter a adequada nutrição das vacas gestantes ao longo da gestação, evitando alto escore de condição corporal (ECC), é essencial para prevenir problemas durante o parto. Vacas com alto escore de gordura, embora visualmente atraentes, não são saudáveis e apresentam maior probabilidade de enfrentar dificuldades no parto em comparação com animais em condição corporal normal. Portanto, em uma escala de 1 a 5, o escore de condição corporal ideal para o momento do parto é de 3,0 a 3,5 para animais mestiços e de 2,75 a 3,25 para a raça Holandês.
Outro aspecto fundamental é garantir o conforto do animal durante o período seco, que normalmente dura cerca de 60 dias. Esse período pode ser dividido em dois momentos distintos: o primeiro vai desde o momento da secagem até 30 dias antes do parto, enquanto o segundo, conhecido como período préparto, abrange os 30 dias anteriores ao parto. Durante esses dois momentos, é fundamental garantir o acesso a água de qualidade e sombreamento adequado aos animais. Vacas gestantes submetidas ao estresse térmico têm maior probabilidade de produzir colostro em menor quantidade e qualidade, além de apresentarem maior propensão a antecipar o parto e parir bezerras com menor peso ao nascimento e menor vitalidade. Isso pode acarretar prejuízos ao recém-nascido, uma vez que as bezerras mais fracas podem levar mais tempo para se levantar, enfrentar dificuldades respiratórias nos estágios iniciais de vida e ter uma absorção inadequada do colostro. Esses fatores contribuem para maiores taxas de doenças e mortalidade pós-natal. Além disso, estudos indicam que bezerras nascidas de vacas submetidas ao estresse térmico apresentam redução na expressão do seu potencial genético em termos de produtividade.
MANTER A ADEQUADA NUTRIÇÃO DAS VACAS GESTANTES AO LONGO DA GESTAÇÃO, EVITANDO ALTO ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL (ECC), É ESSENCIAL PARA PREVENIR PROBLEMAS DURANTE O PARTO
A divisão do período seco em dois momentos é benéfica para o produtor, pois permite direcionar os animais mais próximos do parto para um piquete maternidade. Um bom piquete maternidade deve ser plano, ter cobertura vegetal adequada, estar livre de córregos ou lagos próximos, proporcionar sombra e possuir cochos adequados para a quantidade de animais, além de estar próximo da casa do responsável ou ser monitorado constantemente. É importante que o local escolhido seja seco e capaz de acomodar o volume de partos da fazenda, pois a superlotação e a umidade elevada podem levar a altos índices de contaminação.
Em confinamentos com camas úmidas e acúmulo excessivo de material orgânico, como fezes e urina, é recomendável que a propriedade disponha de uma baia de parição. O conceito de baia de parição refere-se mais a um princípio do que a uma estrutura física específica. Seu objetivo principal é facilitar a observação do estágio de expulsão e proporcionar um ambiente limpo e seco para o nascimento das bezerras. As bezerras nascem com sistema imunológico imaturo e são altamente suscetíveis a infecções nas primeiras horas de vida.
É importante ressaltar que, para que o sistema funcione adequadamente, os animais precisam ser monitorados e movidos para a baia assim que o estágio 2 do parto (expulsão fetal) se iniciar, a fim de evitar o risco de nascimento em um ambiente altamente contaminado. A existência da estrutura sem a prática de monitoramento adequado pode ser ineficaz, pois os animais podem parir no meio do grupo em instalações sujas e contaminadas, ou podem ser transferidos para a baia antes do momento indicado, o que pode causar estresse e prejudicar a saúde da vaca e da bezerra.
3. Nem sempre é necessário intervir no parto
O parto pode ser resumidamente caracterizado por três fases: preparação, expulsão fetal e expulsão da placenta. A primeira fase é marcada pelo desconforto e impaciência da vaca gestante e é durante essa fase que ocorre a abertura e relaxamento da cérvix. Nesse momento, o organismo do animal é influenciado por hormônios maternos e fetais, como cortisol, relaxina, prostaglandina e ocitocina, que sinalizam o fim da gestação e preparam o corpo para o parto. Essas substâncias promovem adaptações, como a produção de colostro, o relaxamento dos ligamentos da pelve e a liberação de tampão mucoso que lubrifica o canal de parto. Até 24 horas antes do parto, é possível observar vacas nessa fase apresentando inquietação, desconforto, secreção vaginal, edema de vulva e úbere. Na fase seguinte, conhecida como expulsão, ocorre a apresentação dos anexos fetais e a progressão para a saída da bezerra, com contrações fortes e sequenciais que culminam na expulsão completa do animal. Em vacas, espera-se que a expulsão completa ocorra em até uma hora, enquanto em novilhas pode levar até três horas.
Nesse momento, é fundamental observar o animal pelo menos a cada 30 minutos, pois esse período é crítico para a ocorrência de complicações. Entre as possíveis dificuldades, podem ser citadas a dilatação cervical insuficiente, ausência ou fraqueza das contrações, bezerras muito grandes, partos gemelares e posicionamento inadequado da bezerra. Portanto, é necessário monitorar e observar se a posição da bezerra está correta (com a cabeça e as patas apontadas para fora, de barriga para baixo, sem estar dobrada ou apresentando os pés primeiro), se há contrações rítmicas e fortes, e se há espaço adequado para a passagem da bezerra.
Após os primeiros 30 minutos, alguma evolução deve ser percebida, caso contrário, é importante verificar se há algum problema. Se for constatado que a bezerra está em posição incorreta, é necessário corrigi-la imediatamente, especialmente antes de tentar realizar qualquer tipo de tração, pois isso pode resultar em lesões graves para a mãe e a bezerra. Se for constatado que a vaca não é capaz de realizar contrações fortes o sufi ciente para expulsar a bezerra, é necessário avaliar se será possível realizar a tração. As cesáreas devem ser indicadas pelo Médico Veterinário e são comumente necessárias quando não há espaço sufi ciente para a passagem da bezerra ou para corrigir um posicionamento inadequado. Outras intervenções, como a fetotomia, podem ser necessárias, especialmente quando a bezerra já está morta.
Nesse momento, é compreensível que os colaboradores possam ficar impacientes e, por receio de perder a cria e a vaca, decidam agir e intervir no parto. No entanto, a maioria dos partos ocorre naturalmente, sem a necessidade de intervenção, e o monitoramento adequado é essencial para identificar aqueles que realmente precisam de ajuda. As intervenções inadequadas podem resultar em traumas na bezerra, como ruptura de tendões e ligamentos, fraturas e desprendimento inadequado do umbigo, além de causar traumas na mãe, como lesões nos nervos do posterior, prolapsos cervicais, vaginais e uterinos, bem como lacerações. Além disso, essas intervenções podem levar a óbitos e lesões permanentes tanto para a vaca quanto para a bezerra. Por isso, é de extrema importância buscar a orientação do Médico Veterinário, estabelecer protocolos adequados e realizar treinamentos sobre quando e como intervir corretamente no parto.
A intervenção inadequada durante o parto pode resultar em ruptura do cordão umbilical nas bezerras
A MAIORIA DOS PARTOS OCORRE NATURALMENTE, SEM A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO, E O MONITORAMENTO ADEQUADO É ESSENCIAL PARA IDENTIFICAR AQUELES QUE REALMENTE PRECISAM DE AJUDA
Se liga: A fetotomia é uma das alternativas disponíveis quando ocorre distocia em vacas e o feto já está morto. Essa técnica envolve a fragmentação do feto em partes menores, permitindo assim a sua remoção do útero
Após a segunda fase, é crucial realizar uma avaliação para verificar se não há outra bezerra a ser parida e se houve alguma lesão durante o processo. A terceira fase se caracteriza pela expulsão da placenta, que deve ocorrer em até 12 horas após o nascimento. Caso ocorra retenção da placenta, podem ser necessários tratamentos adequados. É de extrema importância analisar os índices de prevalência de complicações pós-parto, como retenção de placenta, hipocalcemia, cetose, metrite puerperal e outros problemas comuns, pois essas doenças estão frequentemente relacionadas à ocorrência de distocias.
Após o parto, é essencial dedicar cuidados à mãe e à cria, considerando todo o investimento realizado durante a gestação e o parto. Os cuidados com o recém-nascido, como a cura do umbigo, a colostragem, o aquecimento, a identificação e o monitoramento, são fundamentais para garantir o seu bem-estar. Da mesma forma, é necessário avaliar o estado de saúde da vaca, observando sinais de desidratação, fraqueza, apatia, seu comportamento de locomoção, alimentação e consumo de água, além de verificar a presença de febre, expulsão adequada da placenta (até 12 horas após o parto) e quaisquer alterações no úbere que possam indicar mastite ou outros problemas. A preservação da saúde da vaca no período pós-parto é crucial para garantir recuperação rápida, permitindo que alcance o seu pico de lactação no momento e na intensidade adequados, sem comprometer sua produtividade. Além disso, nos dias seguintes ao parto, é importante acompanhar a involução uterina, pois esse processo é essencial para uma boa performance reprodutiva e retorno ao ciclo estral. Em caso de qualquer alteração no período pós-parto, seja imediata ou posterior, é imprescindível entrar em contato com o Médico Veterinário para realizar exame clínico no animal e estabelecer o protocolo adequado para o caso específico, visando o manejo correto da propriedade como um todo.
OS CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO, COMO A CURA DO UMBIGO, A COLOSTRAGEM, O AQUECIMENTO, A IDENTIFICAÇÃO E O MONITORAMENTO, SÃO FUNDAMENTAIS PARA GARANTIR O SEU BEMESTAR
A presença de sintomas como febre, apatia e secreções uterinas com odor desagradável, além de sangue e pus, pode indicar a ocorrência de metrite
Em síntese
O parto é um momento crucial na vida reprodutiva dos animais, demandando extrema cautela. Ações precipitadas podem ameaçar a saúde e a vida tanto da vaca quanto da bezerra. Assim, é imperativo reduzir ao mínimo os fatores de risco dentro do sistema, assegurando o êxito dessa atividade e permitindo que as futuras vacas cresçam de maneira saudável, atingindo seu máximo potencial produtivo.
GIAN CARLOS DE OLIVEIRA - Mestrando em Ciência Animal, EV-UFMG
ISABELA BERNARDES MOREIRA - Graduanda em Medicina Veterinária, EV-UFMG
LORENA LOBATO MANSUR -Médica Veterinária, EV-UFMG
TIAGO FACURY MOREIRA - Professor de Clínica de Ruminantes, EV-UFMG
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