Vias de aplicação de medicamentos
As vias de aplicação permitem acesso a veículos medicamentosos específicos e atingem resultados terapêuticos determinados.
O sucesso produtivo na atividade leiteira está diretamente relacionado à saúde do rebanho, a qual depende de uma série de fatores, principalmente dos manejos adequados. Para realizá-los, é de extrema importância conhecer as particularidades da espécie manejada, suas necessidades fisiológicas, bem como os principais fatores que representam risco ao animal. Em sistemas produtivos, é fundamental contemplar medidas preventivas, por meio de nutrição balanceada, ambiente controlado, biossegurança, vacinação e vermifugação. Mas, igualmente relevante, é preciso agir diante de animais doentes, desde o diagnóstico até a recomendação do tratamento. Nesse sentido, os medicamentos disponíveis no mercado são ferramentas terapêuticas importantíssimas, nas concentrações, dosagens e formas de administração adaptadas ao objetivo e definidas por Médico Veterinário qualificado.
SEGURANÇA NO TRABALHO
Frente às possibilidades e apresentações dos diferentes medicamentos, as vias de administração podem não ser tão óbvias quanto parecem – e discorrer sobre cada uma delas é a pauta central deste artigo. Porém, damos um passo para trás e destacamos a premência da adoção das boas práticas para a segurança dos colaboradores e dos animais manipulados. As contenções imobilizam e bloqueiam a força do animal, conferem segurança a ele e ao operador do manejo e permitem que o medicamento seja fornecido ou aplicado no local planejado, sem esforço desproporcional ou desperdícios. Para esse fim, são indicados bretes e troncos de contenção, embora existam outros meios, como as técnicas com cordas ou instrumentos, à exemplo do formigão.
O pontapé para a administração bem-sucedida de medicamentos é a determinação do peso do animal, por balança ou fita de pesagem. O peso mensurado determinará a quantidade do medicamento que será administrado e, pensando em otimizar o manejo, o peso pode ser critério para segregar os animais em categorias, quando mais indivíduos precisam receber o medicamento. Essa estratégia pode facilitar o cálculo das doses, além de evitar que animais mais jovens sejam contundidos por aqueles de categorias mais pesadas.
Antes de conduzir os animais ao centro de manejo, os medicamentos e materiais de suporte – seringas, agulhas ou ponteiras, algodão, álcool, luvas, entre outros – devem estar disponíveis. Essa medida reduzirá o tempo de manejo e, consequentemente, o estresse dos animais e colaboradores. Materiais esterilizados ou descartáveis são ideais, mas, seringas e agulhas livres de sujidades e desinfetadas com antissépticos são alternativas viáveis.
O volume de administração do medicamento deve ser definido de acordo com a informação do peso do animal e a dose recomendada na bula. A via de administração, o tempo e o intervalo entre usos devem ser guiados pelas informações na bula associadas ao protocolo terapêutico do Medico Veterinário. Ainda na bula, é indispensável verificar o prazo de validade, as potenciais interações medicamentosas e o possível período de carência do medicamento.
Para a definição da via de administração, os seguintes fatores devem ser considerados: necessidade de efeito sistêmico ou localizado, tempo para o início da ação (curto ou longo), características físico-químicas do medicamento (melhor absorção em meio ácido ou básico) e custo do tratamento. As principais vias de administração de medicamentos em bovinos podem ser divididas em enteral (oral), parenteral (intramuscular, intravenosa e subcutânea) e tópica (incluindo a intramamária).
ACESSO 1: VIA ORAL
Na via oral, é possível utilizar seringas automáticas (conhecidas como estojos) ou mamadeiras. No caso da seringa, ao invés de puxar o medicamento diretamente do frasco, é possível utilizar um recipiente auxiliar, que evitará que o restante do medicamento seja contaminado a cada reintrodução da seringa. No momento da administração, o bico dosador é inserido entre a bochecha e os dentes do animal, que deverá estar com a cabeça levemente erguida (Foto 1). Dessa forma, a língua do animal permanece livre para deglutir, de modo a evitar que o medicamento seja conduzido por falsa via ao sistema respiratório – e cause graves complicações.
Foto 1: Administração de medicamento por via oral em bezerro.
Fonte: Imagem cedida por Bruno Miranda de Paula
O rúmen, na maioria das vezes, restringe a via oral para a administração de medicamentos, pois atua como um grande compartimento diluidor, o que aumenta o tempo de absorção e retarda o efeito terapêutico do fármaco. Por esse motivo, a via oral costuma ser adotada quando a intenção é obter efeito local no trato gastrointestinal dos ruminantes, como acontece com os anti-helmínticos, as soluções hidroeletrolíticas e os anti-espumantes. O uso de antimicrobianos por via oral é contraindicado, pois pode provocar desequilíbrio da microbiota rúmen-reticular, eliminando os microrganismos benéficos e favorecendo o desenvolvimento dos patogênicos.
A mamadeira pode ser boa opção para bezerros que necessitam receber solução medicamentosa, principalmente as hidroeletrolíticas. Após o procedimento, é recomendado desmontar e lavar com detergente neutro as partes da mamadeira, além de desinfetar os bicos. Por fim, os utensílios devem ser armazenados em local limpo e de acesso restrito.
ACESSO 2: VIA PARENTERAL
As vias parenterais (intramuscular, intravenosa e subcutânea) são acessadas por meio de agulha acoplada à seringa – ambas descartáveis, a fim de reduzir o risco de contaminação e transmissão de patógenos. Em caso de materiais não descartáveis, é recomendado seguir protocolo para desinfecção, que envolve a desmontagem do conjunto agulha-seringa, para que a limpeza seja completa. Para a antissepsia da pele antes da aplicação, álcool 70% ou álcool iodado são indicados.
ACESSO 2A: VIA INTRAMUSCULAR
A via intramuscular é a mais empregada em bovinos, até mesmo por ser preconizada por grande parte dos fármacos comerciais. Como vantagem, a absorção relativamente rápida de volumes moderados. Como desvantagens, a dor e a possibilidade de reação inflamatória e/ou infecciosa no local da aplicação, principalmente quando não são adotadas as práticas assépticas e antissépticas.
A velocidade de absorção depende do local de aplicação, pois o fluxo sanguíneo varia em cada porção do corpo. Em bovinos, o medicamento aplicado no músculo trapézio (lateral, ou “tábua” do pescoço) é absorvido mais rapidamente do que nos músculos semitendinoso e quadríceps (regiões glútea e da coxa; Foto 2). Porém, quanto mais irrigada a área, maior a chance de perfurar um vaso sanguíneo e causar intercorrências. Para evitar, antes de injetar o produto, é preciso tracionar o êmbolo da seringa e verificar se houve retorno sanguíneo. Em caso positivo, transfira a aplicação para outra porção muscular, para assegurar que o acesso não atingiu a via intravenosa.
Em bovinos com escore de condição corporal baixo, a cobertura muscular da região glútea encontra-se reduzida e a aplicação de medicamentos pode lesionar nervos localizados abaixo da camada muscular, de forma a comprometer a movimentação do membro e a locomoção do animal.
Para aplicações intramusculares, recomenda-se a utilização de agulhas mais longas e com maior calibre, uma vez que determinados antibióticos e outros medicamentos oleosos são mais viscosos. Seringas reutilizáveis podem ser alternativas, desde que desinfetadas (água fervente por 15 minutos + álcool 70%) e em boas condições de uso, o que significa não estarem tortas ou enferrujadas.
Foto 2: Administração de medicamento por via intramuscular.
Fonte: Imagem cedida por Bruno Miranda de Paula
ACESSO 2B: VIA INTRAVENOSA
A via intravenosa viabiliza a rápida ação farmacológica e a possibilidade da administração de grandes volumes, conforme acontece nas fluidoterapias para animais gravemente desidratados e na administração de solução de cálcio para animais hipocalcêmicos. Os vasos mais utilizados nesses procedimentos são as veias jugulares (Foto 3) e mamária. Da mesma forma, a pele do local de introdução da agulha também deve receber antissepsia.
Das desvantagens da via intravenosa, estão os riscos de lesão vascular (flebite), hemorragia e formação de êmbolos sépticos, que podem evoluir para quadros de infecção generalizada e óbito. Essas intercorrências acontecem, principalmente, quando o material utilizado não é estéril ou o operador está com as mãos sujas. Para a administração de substâncias oleosas ou insolúveis, a via intravenosa é imprópria, mas substâncias aquosas e solúveis devem ser injetadas com agulhas descartáveis de 40 mm x 1,2 mm ou 40 mm x 1,6 mm, para animais adultos, e 25 mm x 0,8 mm ou 25 mm x 0,7 mm, para bezerros. Caso opte-se por materiais reutilizáveis, são recomendadas agulhas de 40 mm x 20 mm e 30 mm x 20 mm. No caso das soluções eletrolíticas, a administração deve ser procedida por meio de cateter acoplado a equipo, após cálculo do volume e da velocidade da fluidoterapia, de acordo com o grau de desidratação do animal.
Foto 3. Administração de medicamento por via intravenosa.
Fonte: Imagem cedida por Bruno Miranda de Paula
ACESSO 2C: VIA SUBCUTÂNEA
A via subcutânea é adotada para a administração de medicamentos que demandam absorção lenta e contínua. Essa é a via de eleição para a aplicação de vacinas e parasiticidas, como as avermectinas. Após antissepsia – usualmente na região do pescoço (Foto 4) – a pele é tracionada, para se afastar da musculatura, e a agulha descartável (de 15 mm x 15 mm a 15 mm x 18 mm, ou 10 mm x 10 mm a 10 mm x 15 mm) ou reutilizável (de 40 mm x 1,2 mm ou 40 mm x 1,6 mm) é introduzida.
Foto 4. Administração de medicamento por via subcutânea.
Fonte: Imagem cedida por Bruno Miranda de Paula
ACESSO 3: VIA TÓPICA
A via tópica, em geral, é utilizada para a obtenção de efeitos terapêuticos locais. Embora considerada bastante segura, essa via pode predispor intoxicações, uma vez que a pele tem grande potencial de absorção. Os principais produtos desenvolvidos para aplicação tópica são apresentados em forma de sprays, pomadas, líquido para imersão, pour on, spot on e banho.
Para a administração de pomadas e sprays, é recomendada a utilização de luvas. Especificamente durante a aspersão do spray, é necessário cuidado para evitar aspiração do conteúdo. Já para a aplicação por imersão, como ocorre na cura de umbigo de bezerros (com iodo 10%), a contenção do animal e a utilização de frasco que impede o retorno do produto favorecem o manejo. Após imersão do coto umbilical, o restante do conteúdo deve ser descartado, antes do manejo ser realizado em outro animal. A imersão também acontece em pedilúvios, nos quais os cascos dos animais entram em contato com soluções antissépticas.
Os banhos carrapaticidas podem ser feitos por pulverização por bomba costal, desde que o operador detenha equipamento de proteção individual (EPI). Para aplicações de pour on (no dorso) ou spot on (na cernelha) dos animais, as medidas de segurança são semelhantes. Essas vias são utilizadas, principalmente, para a aplicação de carrapaticidas lipossolúveis, que se difundem pela camada gordurosa da pele e agem em toda a superfície corporal.
Antes de realizar o combate e controle de carrapatos no rebanho, devido à resistência desses ectoparasitos às bases comerciais, deve ser considerada a realização do biocarrapaticidograma, exame que identifica a base farmacológica mais eficaz para proteger os animais daquela propriedade. Para que o controle seja efetivo, dose, diluição e período de carência do produto devem ser consultados e seguidos.
ACESSO 3A: VIA INTRAMAMÁRIA
A via intramamária, utilizada para a aplicação de pomadas com antibiótico para o tratamento e a prevenção de mastites, deve ser acessada com cuidados higiênicos criteriosos, a fim de evitar a contaminação da glândula mamária. Para isso, é indispensável a utilização de luvas novas e descartáveis e a limpeza e desinfecção do teto, seguida de antissepsia da extremidade do teto com álcool 70% (Foto 5).
Foto 5. Administração de medicamento por via tópica – intramamária.
Fonte: Imagem cedida por Mayara Lombardi
De modo geral, ao final de cada procedimento, deve ser conduzida a higienização dos materiais de suporte e equipamentos, além do armazenamento seguro e em local adequado dos fármacos. Agulhas, seringas, frascos com resíduos de medicamentos, embalagens vazias e luvas usadas devem ser descartados em locais apropriados, para evitar qualquer acidente por contato ou contaminação. Produtores e equipe de técnicos e colaboradores são responsáveis pelo destino de todo o material utilizado e pela execução dos manejos de administração de produtos para prevenção, tratamento e controle de doenças. Para auxiliar nessa tarefa, a disciplina de registro dos procedimentos é ferramenta básica e essencial para a manutenção da organização dos processos e gestão da propriedade.
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GEMP
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