Quanto leite elas devem beber?

Texto: James K. Drackley

Durante muitos anos, foi uma prática comum limitar a quantidade de leite e substitutos do leite fornecidos às bezerras que são separadas da vaca logo após o nascimento. Essa prática tinha o objetivo de promover a ingestão precoce de alimentos secos para estimular o desenvolvimento do rúmen e permitir um desmame precoce. Pensava-se que o desmame precoce reduziria os custos de criação de novilhas de reposição, com a mudança rápida para uma alimentação mais barata, e reduzindo as demandas diárias de trabalho.

Os efeitos das maiores taxas de fornecimento de leite às bezerras leiteiras no começo da vida foram estudados por muitos anos. A maioria desses estudos observou somente taxas de crescimento de curto prazo e variáveis econômicas comparativas, sem considerar o desempenho futuro. Além disso, quase todos esses trabalhos usaram um número insuficiente de bezerras para avaliar os efeitos do maior consumo na saúde dos animais. Baseado em um melhor entendimento dos efeitos da ingestão de nutrientes e o balanço no começo do crescimento, também está claro que muitas dessas pesquisas anteriores usaram formulações de substitutos de leite que não promoviam um rápido crescimento dos tecidos magros.

Estudos mais recentes demonstraram claramente as melhoras notáveis no crescimento e na eficiência alimentar que são obtidas ao fornecer quantidades maiores de leite ou substitutos de leite. Por exemplo, em um estudo conduzido na Universidade de British Columbia, bezerras da raça Holandesa foram deixadas com a mãe para mamar livremente ou foram separadas no primeiro dia após o nascimento e alimentadas com uma quantidade limitada de leite (10% do peso ao nascimento). As bezerras deixadas com a mãe ganharam mais de 1 quilo/dia durante os primeiros 14 dias de vida, comparado com somente 0,38 quilo/dia para as bezerras com alimentação limitada (Figura 1). Essa observação deve-se, principalmente,  a uma ingestão muito maior de leite por bezerras mamando na mãe. O crescimento mais rápido das bezerras durante as primeiras semanas de vida reduz os custos gerais de ganhos e de tempo para a primeira parição. As bezerras que receberam maiores quantidades de leite cresceram mais rapidamente e mais satisfeitas, com maiores tempos de descanso e menos vocalização do que as bezerras alimentadas com quantidades restritas de leite. Além disso, estudos recentes da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, demonstraram que as taxas de ganho médio diário antes de 6 semanas de idade estão diretamente relacionadas à produção futura de leite durante a primeira lactação.

A quantidade de sólidos de leite requerida para suprir as exigências de mantença é maior do que muitos pensam. Os requisitos de energia metabolizável (EM) para mantença sob condições termo-neutras são de aproximadamente 1,75 Mcal/dia para uma bezerra de 45 quilos. O leite integral contém cerca de 4,9 Mcal EM/kg de sólidos, o que significa que uma bezerra de 45 quilos requer cerca de 0,32 quilos de sólidos do leite, ou 2,5 quilos de leite integral somente para se manter viva. Como a maioria dos substitutos do leite tem teor de gordura mais baixo que o leite integral, eles têm menos EM por unidade de sólidos (4,6-4,7 Mcal/kg). Consequentemente, uma bezerra de 45 quilos requer cerca de 0,39 quilos de substituto do leite para mantença. Somente quantidades de sólidos do leite consumidas acima da mantença podem ser usadas para o crescimento. Assim, programas típicos com limite no consumo fornecem nutrientes suficientes apenas para 0,3 a 0,5 quilos de crescimento por dia.

Os produtores que querem se beneficiar das vantagens de melhorar a nutrição inicial e acelerar o crescimento nas primeiras semanas de vida, frequentemente, nos perguntam quanto de leite as bezerras deveriam beber. Isso é diferente do quanto elas podem beber.

As bezerras que puderam mamar em suas mães tiveram uma variedade de sinais sociais e comportamentais que influenciaram no comportamento alimentar. No começo da vida, a vaca encoraja a bezerra a mamar. Com esse estímulo, e o acesso ad libitum ao leite, as bezerras mamarão de 6 a 12 vezes por dia, por cerca de 10 minutos por vez. As bezerras da raça Holandesa que mamaram em suas mães consumiram cerca de 6 kg de leite diariamente durante a primeira semana de vida, e 12 kg/dia com 9 semanas de idade. A mãe ajuda a bezerra a terminar as refeições e regular sua frequência. Sem essa direção, as bezerras alimentadas com leite ad libitum, por meio de um úbere artificial, tiveram taxas muito mais variáveis de ingestão de leite no começo da vida (Figura 2), o que pode causar distúrbios digestivos.

Bezerras jovens são incapazes de suprir suas exigências de nutrientes a partir de concentrados ou pasto, porque a ingestão desses alimentos é insignificante durante os primeiros dias de vida. As bezerras alimentadas com quantidades restritas de leite não podem apresentar taxas de ganhos maiores que 0,2 a 0,3 kg/d, mesmo com aumento no consumo de ração inicial ou forragens. Permitir taxas de crescimento biologicamente normais durante o início da vida requer que mais sólidos do leite sejam fornecidos. Se permitido o acesso ad libitum ao leite, as bezerras consumirão cerca de 20% do peso corpóreo diariamente, o que representa cerca de 2,5% do peso corpóreo como sólidos do leite ou 10-12 L/dia de leite integral para bezerras da raça Holandesa. Devido à baixa ingestão e menor digestibilidade das rações iniciais e forrageiras, as bezerras nunca obterão consumo de nutrientes digestíveis iguais àqueles de bezerras alimentadas com quantidades maiores de leite ou substitutos do leite.

A quantidade máxima de consumo de leite precisa ser interpretada cuidadosamente na prática. As bezerras que mamam na vaca ou em sistemas de fornecimento ad libitum, o fazem em várias refeições menores ao longo do dia. Se os produtores fornecem a alimentação das bezerras somente duas vezes ao dia, elas provavelmente beberão menos, com um máximo de 8 a 10 L de leite por dia (2% do peso corpóreo como sólidos). Entretanto, essa quantidade representa um grande avanço em relação às típicas taxas de fornecimento restrito de 4 a 5 L de leite por dia, e permite um manejo muito mais racional que aquele observado quando as bezerras mamam nas vacas.

Fornecer mais leite representa um gasto extra com alimentação por dia. Entretanto, é mais importante considerar o custo por quilo de ganho de peso corpóreo, que é frequentemente reduzido pelas maiores taxas de consumo de leite no início da vida. Como argumentei em artigos anteriores, precisamos pensar na melhor alimentação das bezerras como um investimento em sua produtividade futura. A Mãe Natureza projetou as bezerras para beber grandes quantidades de leite. Não deveríamos trabalhar com o comportamento natural e os requisitos de nutrientes das bezerras ao invés de contra eles?