A higiene é aliada na prevenção da diarreia neonatal bovina
A higiene é grande aliada na prevenção e no controle da diarreia neonatal em bezerras leiteiras.
A diarreia neonatal, síndrome que afeta as bezerras na primeira semana de vida, destaca-se como um dos problemas de saúde mais significativos no sistema de produção de leite. Isso ocorre em virtude de consideráveis consequências tanto na esfera da saúde, acarretando aumento nos casos de morbidade e mortalidade, quanto no aspecto financeiro, uma vez que os custos com antimicrobianos e outros medicamentos tornam-se elevados. Embora seja estimado que quase todos os animais em algumas propriedades sejam afetados por essa condição em sua fase inicial de vida, a adoção de práticas de manejo adequadas pode reduzir drasticamente a incidência.
A resistência bacteriana aos antimicrobianos é outra grande preocupação, agravada pelo uso indiscriminado e excessivo desses medicamentos para mitigar os danos da diarreia neonatal. Uma compreensão mais aprofundada dos agentes causadores, como o protozoário Cryptosporidium parvum e vírus como rotavírus e coronavírus, revela que os antimicrobianos nem sempre são a solução ideal, pois esses patógenos não são sensíveis a tais medicamentos. Assim, o foco deve ser redirecionado para alternativas de tratamento e prevenção mais eficazes.
O uso indiscriminado de antimicrobianos, além de colocar em risco a saúde animal, compromete a produtividade ao prejudicar a microbiota ruminal, essencial para a digestão e absorção de nutrientes, fatores fundamentais para o bem-estar e eficiência produtiva dos animais.
Medidas preventivas e de controle são fundamentais para lidar com a diarreia neonatal. A higiene e a biossegurança, por exemplo, desempenham papéis importantes. Práticas de cuidados ao nascimento, transporte cauteloso dos animais, limpeza e desinfecção das instalações, processo de colostragem eficiente, alimentação adequada, uso de equipamentos de alimentação higienizados e controle rigoroso do acesso de pessoas às instalações podem reduzir significativamente a prevalência de agentes patogênicos. Para serem eficazes, essas medidas devem ser implementadas consistentemente desde o nascimento até o desaleitamento dos animais.
Cuidados ao nascimento
É muito importante que as bezerras nasçam em local limpo, seco e com boa cobertura de cama. Por isso, é recomendável que sejam utilizadas baias de parição, separadas das instalações habituais. Essa prática, que consiste em transferir a vaca gestante para uma baia de parição, evita que a bezerra nasça em ambiente compartilhado com animais adultos, reduzindo significativamente o risco de contaminação imediata. Importante destacar que, mesmo sem sintomas clínicos, os animais adultos podem ser portadores de agentes patogênicos como o Cryptosporidium parvum, um dos principais causadores da diarreia neonatal.
Além disso, pesquisas indicam que bezerras expostas à Escherichia coli enterotoxigênica geralmente são contaminadas nas primeiras horas de vida, principalmente em ambientes sujos e úmidos, ricos em matéria orgânica. Por isso, é essencial o manejo meticuloso e sistemático da cama nas baias de parição, pois quando contaminada pode ser extremamente prejudicial para o recém-nascido.
No caso de bezerras nascidas em piquetes, a gestão do espaço é vital. É importante evitar a superlotação, não permitir partos próximos a currais com acúmulo de matéria orgânica e assegurar cobertura vegetal adequada para prevenir a formação de lama no local do nascimento, garantindo assim ambiente seguro e confortável para a bezerra.
Outra prática importante é a rápida remoção da bezerra do local de nascimento e da presença da vaca, pois ao tentar se alimentar a bezerra irá mamar em qualquer objeto da baia de parição ou partes do corpo da mãe, aumentando ainda mais o risco de contaminação na fase inicial de vida.
Transporte do animal
Após a efetiva cura do umbigo, que deve ser feita com tintura de iodo a 10%, é fundamental transportar a bezerra para o bezerreiro de forma confortável e assegurando condições higiênicas. Para isso, a propriedade deve dispor de um carrinho específico para o transporte das bezerras, evitando seu uso em outras atividades da propriedade, o que poderia levar à contaminação cruzada.
O cuidado com o carrinho não termina com o transporte. Após cada uso, é imprescindível realizar a desinfecção completa, utilizando produtos adequados, seguindo as recomendações do Médico Veterinário. Esse procedimento é essencial para eliminar qualquer agente patogênico que possa comprometer a saúde dos animais.
O transporte das bezerras deve ser realizado em carrinho próprio, fabricado com material de fácil higienização, garantindo limpeza e desinfecção após cada uso.
Biosseguridade no alojamento
A higiene e a biosseguridade no alojamento das bezerras são aspectos importantes após a sua remoção da maternidade. É essencial proporcionar ao animal um ambiente limpo, seco e protegido de ventos e chuvas. Idealmente, a instalação deve estar não apenas limpa e desinfetada, mas também ter passado por um período de vazio sanitário de aproximadamente 10 a 14 dias, quando possível. Uma estratégia eficaz para a desinfecção e redução da contaminação por oocistos de C. parvum envolve o uso de vassoura de fogo seguido da limpeza com dióxido de cloro.
Um protocolo de higienização eficiente deve incluir as seguintes etapas:
- Remoção completa do material usado na cama e de toda matéria orgânica;
- Limpeza inicial com mangueira;
- Aplicação de solução alcalina, mantendo contato por 10 a 15 minutos;
- Enxágue;
- Aplicação de solução ácida com pH entre 3 e 4, deixando o produto em contato por 10 a 15 minutos;
- Novo enxágue;
- Realização da desinfecção final com desinfetante apropriado cerca de 12 a 24 horas antes da entrada de novos animais.
Se liga!
É importante sempre realizar limpeza e enxágue do ponto mais alto para o mais baixo!
É ESSENCIAL PROPORCIONAR AO ANIMAL UM AMBIENTE LIMPO, SECO E PROTEGIDO DE VENTOS E CHUVAS. IDEALMENTE, A INSTALAÇÃO DEVE ESTAR NÃO APENAS LIMPA E DESINFETADA, MAS TAMBÉM TER PASSADO POR UM PERÍODO DE VAZIO SANITÁRIO DE 10 A 14 DIAS.
Outro cuidado essencial é separar os animais por idade, pois a convivência com animais mais velhos pode aumentar o risco de diarreia neonatal. Mesmo saudáveis, esses animais podem ser fontes de infecção de diversos patógenos ou, em casos de doenças clínicas, liberar grande quantidade de microrganismos no ambiente.
Além disso, restringir o acesso de pessoas às instalações dos recém-nascidos é uma medida de segurança importante. O trânsito de pessoas pode ser vetor de contaminação, levando agentes patogênicos para os animais através das mãos, botas e outros equipamentos utilizados durante o trabalho.
Colostragem
O manejo da colostragem exige rigorosa atenção à higiene, especialmente no que se refere aos vasilhames utilizados, que devem ser meticulosamente higienizados com água e detergente alcalino clorado antes de cada uso. No caso do colostro advindo da ordenha, é fundamental seguir os mesmos protocolos de higiene empregados na ordenha diária dos animais, incluindo a realização do teste da caneca de fundo preto para detectar possíveis infecções, a aplicação de pré-dipping para desinfetar os tetos, e o uso de papel toalha individual para a secagem.
Imediatamente após a ordenha, o colostro deve ser fornecido às bezerras para evitar o crescimento bacteriano e assegurar a máxima absorção de imunoglobulinas maternas. Por outro lado, quando o colostro provém do processo de congelamento, o descongelamento deve ser realizado em banho-maria com água limpa e tratada, mantendo a temperatura máxima de 50°C. É importante respeitar essa faixa de temperatura, pois a exposição do colostro a temperaturas mais elevadas pode comprometer a integridade das imunoglobulinas, impedindo que o animal receba a imunidade adequada.
Avaliar a qualidade microbiológica do colostro fornecido aos animais é extremamente benéfico, pois altas cargas bacterianas podem não apenas inibir a absorção eficaz dos anticorpos, mas também contribuir para o desenvolvimento de doenças gastrointestinais. Como referência para essa avaliação, pode-se adotar as recomendações estabelecidas pelo padrão-ouro de criação de bezerras e novilhas da Alta Genetics, conforme Tabela 1.
Aleitamento dos animais
Para minimizar a contaminação e prevenir a diarreia neonatal, é importante que o leite destinado às bezerras seja proveniente de vacas saudáveis e obtido por meio de ordenha limpa. Isso diminui significativamente a possibilidade de oferecer leite contaminado às bezerras. Além disso, durante a preparação para o aleitamento, é fundamental o uso de luvas descartáveis, bem como de vasilhames limpos e devidamente desinfetados. Preferencialmente, deve-se optar por recipientes de plástico com bocas largas para facilitar o processo de limpeza após o uso.
Durante o aleitamento, é fundamental adotar estratégias para reduzir a contaminação bacteriana, uma delas é minimizar o intervalo de tempo entre alimentar a primeira e a última bezerra. Pesquisas indicam que a contaminação bacteriana tende a aumentar com o prolongamento do processo de aleitamento. Consequentemente, a última bezerra a ser alimentada fica exposta a carga bacteriana superior ao nível recomendado.
Outra prática recomendada é alimentar primeiro as bezerras saudáveis, que não mostram sinais de doença, e só depois os animais possivelmente acometidos por infecções entéricas. Seguindo esse procedimento, o colaborador responsável pelo aleitamento evita o contato inicial com possíveis fontes de infecção dentro do rebanho, reduzindo o risco de atuar como vetor de contaminação. Assim, os animais saudáveis terão contato apenas com vasilhames, luvas e equipamentos limpos e desinfetados.
Essa orientação não é restrita apenas ao processo de aleitamento, mas deve ser estendida a todas as práticas relacionadas ao manejo do rebanho. A prioridade deve ser sempre começar com os animais saudáveis, principalmente em situações que envolvam doenças de origem infecciosa, para evitar a disseminação de patógenos entre os animais.
PARA MINIMIZAR A CONTAMINAÇÃO E PREVENIR A DIARREIA NEONATAL, É IMPORTANTE QUE O LEITE DESTINADO ÀS BEZERRAS SEJA PROVENIENTE DE VACAS SAUDÁVEIS E OBTIDO POR MEIO DE ORDENHA LIMPA
Para evitar a disseminação de doenças, é recomendado aleitar primeiro os animais saudáveis, seguido dos animais com sinais de diarreia
Limpeza dos utensílios utilizados
Dentro das possibilidades de cada propriedade, é recomendável que cada bezerra tenha seu próprio equipamento de aleitamento, visando minimizar a contaminação cruzada entre os animais. A higienização adequada desses utensílios após o uso é fundamental para combater a proliferação e disseminação de microrganismos.
O protocolo de limpeza (Figura 1) sugerido após o aleitamento começa com a desmontagem e lavagem dos utensílios em água morna a 32ºC. Em seguida, bicos, mamadeiras, sondas e baldes devem ser imersos em uma solução de detergente alcalino clorado (pH 11 a 12) a temperatura superior a 60ºC por 30 minutos. Posteriormente, é necessário lavar todos os itens com escovas, mantendo a temperatura da água entre 60 e 62ºC. O passo seguinte é o enxágue com água morna a 38ºC, contendo 50 ppm de dióxido de cloro, seguido pela secagem adequada dos equipamentos.
Para potencializar a eficácia desse processo, recomenda-se aplicar uma solução de 50 ppm de dióxido de cloro nos utensílios cerca de duas horas antes do próximo aleitamento. Além disso, duas vezes por semana, os utensílios devem ser lavados com detergente ácido (pH 3-4), assegurando assim um nível elevado de higiene e proteção contra contaminações.
Conclusão
As enfermidades que afetam o trato gastrointestinal dos neonatos são comuns na maioria dos sistemas de produção. No entanto, a adoção de práticas simples no cotidiano da propriedade pode levar a redução significativa na incidência de animais doentes e na propagação dos agentes patogênicos responsáveis por essas doenças. Um investimento focado em boas práticas de manejo, na manutenção rigorosa da higiene e no treinamento apropriado dos colaboradores pode ser a estratégia mais eficaz para combater os impactos da diarreia neonatal no rebanho. Além dos benefícios diretos à saúde animal, essas práticas contribuem para a redução dos custos com medicamentos e desempenham um papel importante na saúde pública, diminuindo o risco de desenvolvimento de resistência bacteriana.
UM INVESTIMENTO FOCADO EM BOAS PRÁTICAS DE MANEJO, NA MANUTENÇÃO RIGOROSA DA HIGIENE E NO TREINAMENTO APROPRIADO DOS COLABORADORES PODE SER A ESTRATÉGIA MAIS EFICAZ PARA COMBATER OS IMPACTOS DA DIARREIA NEONATAL NO REBANHO.
GIAN CARLOS DE OLIVEIRA - Mestrando em Ciência Animal - EV/UFMG
BRUNNO HENRIQUE DE ARAÚJO SILVA - Mestrando em Ciência Animal - EV/UFMG
RODRIGO MELO MENESES - Professor de Clínica de Ruminantes - EV/UFMG
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GEMP
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