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Reprodução

Uso estratégico da fertilização in vitro em rebanhos leiteiros

Uso estratégico da fertilização in vitro em rebanhos leiteiros

Texto: Marcelo M. Seneda, José Henrique F. Pontes

Os sistemas de alta produção leiteira, com os animais mantidos em pastagem, têm sido altamente beneficiados pelo grande avanço que a reprodução animal tem experimentado nos últimos 10 anos. Nessa última década, diversas técnicas aplicadas a melhorar a eficiência dos índices de prenhez foram desenvolvidas e utilizadas. O controle farmacológico do ciclo estral e da ovulação tem se tornado cada vez mais disseminado entre os produtores de leite.

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O Brasil apresenta-se como liderança mundial inconteste na produção, tanto in vitro quanto in vivo, de embriões bovinos. Tais características apresentam conotação ainda mais importante, quando se considera os tipos raciais predominantes no nosso país, basicamente animais Bos taurus indicus, denominados zebuínos, altamente adaptados aos trópicos. Os animais zebuínos produzem mais oócitos que as raças taurinas, o que se reflete em uma maior produção de embriões e de prenhez, justificando, em muitas situações, a substituição da produção in vivo de embriões pela técnica in vitro. Este dado deve ser considerado como positivo para a aplicação comercial, em larga escala, da técnica de fecundação in vitro (FIV). Promovendo uma prévia seleção de doadoras e de touros, consegue-se atingir índices de produtividade elevados, que se traduzem em custos mais baixos, viabilizando então o uso da FIV em escala comercial.

Dentre todos os desafios vinculados à reprodução de gado leiteiro, a eficiência da detecção do estro é fator preponderante para obtenção de taxas de prenhez adequadas. Visando incrementar o número de animais submetidos à inseminação artificial (IA) ou transferência de embriões (TE), o controle farmacológico do ciclo estral tem sido amplamente empregado nos últimos anos. Graças às técnicas de IA e TE em “tempo fixo” (IATF e TETF, respectivamente), elimina-se a necessidade de observação de cio, com grandes vantagens no manejo estratégico da reprodução do rebanho.

Para os animais de origem européia, direcionados para produção leiteira  (Holandês, Jersey, etc), o grande desafio observado no Brasil é o mesmo de outros países com bacias leiteiras situadas em regiões de verão quente e úmido, como a Flórida e a Califórnia: os índices irrisórios de prenhez nos meses de estresse térmico. Algumas propriedades brasileiras optam por medidas extremas, como não inseminar as fêmeas em cio nos meses mais quentes, pois o estresse térmico causa efeitos deletérios nos oócitos, espermatozóides e no desenvolvimento embrionário inicial, acarretando índices insatisfatórios. A alternativa mais viável consiste na transferência de embriões em substituição à inseminação artificial, pois o embrião apresenta maior tolerância ao estresse térmico e permite índices muito melhores de prenhez.

Com o início da oferta de sêmen sexado no mercado, verificou-se imensa expectativa de acréscimo na eficiência de obtenção de fêmeas. Infelizmente, a realidade atual é outra. O processo de separação do sêmen acaba reduzindo a viabilidade dos espermatozóides e nem sempre os índices de prenhez com IA são satisfatórios.

No entanto, outra é a situação quando se aborda a produção in vitro de embriões com sêmen sexado. Graças à maior precisão na manipulação dos gametas durante o processo in vitro, os índices de produção embrionária mostram-se animadores. Desde a última década, o Brasil se apresenta como o país com a maior tecnologia de produção in vitro de embriões, beneficiando diretamente os produtores de leite de diferentes escalas (micro, pequenos, médios e grandes) por meio incremento das taxas de prenhez no verão (vacas Holandesas), do melhoramento genético do rebanho, da maior proporção de fêmeas nascidas, da maior produtividade de leite/vaca/ano e do consequente aumento de renda. Principalmente, devem-se considerar os amplos benefícios para ambos os sistemas vigentes no Brasil: animais da raça Girolando em regime de pastoreio e animais da raça Holandesa em confinamento.

 

Uso estratégico de embriões produzidos in vitro na pecuária leiteira

Conforme citado anteriormente, as fêmeas zebuínas produzem naturalmente mais oócitos do que as de origem européia. Esta característica contribui para que o Brasil seja o primeiro país do mundo em número de embriões produzidos, pois a base do nosso rebanho é de gado Zebu. Esta maior quantidade de oócitos e embriões tornou a FIV comercialmente muito atrativa nos últimos anos. Na virada do século, surgiram os primeiros laboratórios comerciais no Brasil. Inicialmente, a demanda era modesta, o interesse por parte de criadores era pequeno e os serviços eram bastante dispendiosos e quase que restritos à pecuária de elite de raças de corte.

No entanto, nos últimos cinco anos, produtores leiteiros começaram a fazer maior uso da técnica de aspiração folicular, ou ovum pick up (OPU) e da FIV, pela perspectiva de multiplicar com velocidade surpreendente os animais de alto potencial genético. A FIV deixava de ser utilizada apenas para animais elite e passava a ser uma alternativa comercialmente viável para melhorar índices de prenhez e acelerar o melhoramento genético.

Alguns aspectos contribuíram para uma satisfatória relação custo-benefício do processo de produção in vitro de embriões. Um deles é a possibilidade de transferência de embriões frescos, produzidos em laboratórios distantes mais de 2.000 km da propriedade leiteira. Graças às incubadoras portáteis, desenvolvidas no Brasil, os embriões começam seu desenvolvimento no laboratório e terminam durante o transporte, em 2, 3 e até 5 dias, enquando são deslocados para o local de transferência.

Esta possibilidade de transportar embriões frescos in vitro viabilizou a solução de outra dificuldade que havia até então: a questão das receptoras. Os maiores rebanhos comerciais do Brasil estão nas regiões Norte e Centro-Oeste, distantes da região Sudeste, onde há maior quantidade de laboratórios de FIV. Por esta razão, havia um elevado custo para utilização de fêmeas receptoras, quando estas eram buscadas próximas aos laboratórios, em função da disponibilidade reduzida das mesmas. Desde o início do transporte de embriões in vitro em longas distâncias, tornou-se possível buscar receptoras com menos custo, nos maiores rebanhos comerciais, em um contexto de produção comercial.

O aspecto citado no parágrafo anterior também trouxe outra modificação - o padrão das receptoras de embriões. Havia uma proposta de só se utilizar novilhas virgens, preferencialmente mestiças, com alguma aptidão leiteira. Entretanto, a maior disponibilidade de fêmeas de rebanhos comerciais de gado de corte é de vacas Nelore com bezerro ao pé. Graças aos avanços do controle farmacológico da ovulação, a transferência de embriões em tempo fixo (TETF), vários programas de multiplicação de genética leiteira têm sido realizados com a utilização de vacas Nelore da região Norte e Centro-Oeste. Após o desmame, as bezerras leiteiras são conduzidas às propriedades em suas respectivas regiões.

Atualmente, mesmo vacas Holandesas têm proporcionado bom rendimento de oócitos na aspiração folicular. A estratégia mais eficaz consiste em fazer uma pré-seleção das fêmeas, utilizando o ultrassom, para avaliar a população de folículos. Caso se utilizem somente as fêmeas com maior quantidade de folículos, os índices podem ser bem satisfatórios, conforme mostramos na Tabela 1.

 

Principais atrativos do uso de embriões produzidos in vitro

Maior resistência - O embrião (tanto em in vitro como in vivo) é mais resistente ao estresse térmico do que o espermatozóide. Dessa forma, pode-se conseguir melhores índices de prenhez nos meses mais quentes, quando se utiliza a transferência de embriões e não a IA.

Maior ganho genético - Quando se utiliza embrião, tanto in vitro quanto in vivo, pode-se escolher a melhor genética, tanto da fêmea quanto do macho. Com isso, a cada geração, há um salto genético superior em relação ao uso da IA apenas, conforme ilustrado na Figura 1.

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Produção sequencial de embriões sem uso de hormônios - Ao contrário da produção in vivo, na qual faz-se necessária a superovulação da doadora, com a OPU-FIV pode-se obter os oócitos sem uso de qualquer fármaco;

Menor intervalo na utilização das doadoras - Em geral, preconiza-se um intervalo mínimo de 15 a 30 dias para as fêmeas serem submetidas à aspiração folicular. Não há limite estabelecido de número de aspirações, sendo que há relatos de até 20 procedimentos realizados subsequentemente, sem qualquer prejuízo para a doadora. Já a superovulação, requer intervalos de 40 a 60 dias e só pode ser utilizada ao redor de 3 a 4 vezes subsequentes. Depois disso, um intervalo de alguns meses é recomendado.

Permite maior eficiência para uso do sêmen sexado - O processo de separação espermática pode comprometer a eficiência de fecundação de uma parte dos espermatozóides, tornando mais difícil o processo de fecundação in vivo. No processo in vitro, há condições de menor exigência aos espermatozóides, proporcionando os melhores resultados com este tipo de sêmen, quando comparada à IA. Para gado leiteiro, a vantagem em se escolher o sexo do produto é naturalmente muito expressiva.

Possibilita maior rendimento de uma dose de sêmen - Uma única dose de sêmen pode ser utilizada para fecundar oócitos de até 10 fêmeas ou mais.

 

Aspectos críticos da utilização in vitro embriões

A técnica OPU – A FIV tem mais etapas do que a produção in vivo. Dessa forma, há uma necessidade plena de profissionais altamente capacitados em todas as etapas, para que o resultado final seja satisfatório;

O volume de trabalho pode ser decisivo na viabilidade comercial da técnica - Há um custo fixo da equipe de OPU e do laboratório. Portanto, quanto maior a quantidade de prenhezes pretendida, maior a chance de se conseguir um custo menor.

O processo de cripreservação dos embriões FIV é mais crítico, tanto antes como depois (para descongelar) - É diferente do congelamento dos embriões in vivo, feito de maneira mais simples. Já há bons índices (40 %) de prenhez com embriões in vitro após vitrificação (processo de criopreservação para embriões FIV). Para embriões in vitro, ainda não há o método de transferência direta. Embriões vitrificados precisam passar por um processo específico de descongelamento e somente depois são envasados e transferidos.

O impacto genético no rebanho é maior na FIV - Se a seleção de doadoras for correta, este aspecto irá favorecer uma grande melhoria a cada geração. Por outro lado, se houver erro na seleção das fêmeas, pode-se ter um grande impacto negativo na genética do rebanho. Daí a importância de critérios rigorosos e objetivos na escolha das doadoras de oócitos.

Com o avanço das técnicas de criopreservação dos embriões FIV, pode-se ter um banco de embriões sexados de fêmea, para uso estratégico durante os meses de maior calor. Além de possibilitar melhores índices de prenhez do que a IA, agrega-se a vantagem de gerar uma gestação com o sexo desejado.

Um exemplo bem-sucedido da utilização de embriões FIV em gado leiteiro em larga escala ocorreu em 2008. Uma empresa de biotecnologia (In Vitro Brasil Ltda.) produziu 20 mil embriões de Girolando, sexados fêmea, em laboratórios localizados em Mogi Mirim e Goiânia. Todos os embriões foram transferidos em tempo fixo em vacas Nelore com 40 a 60 dias pós-parto, em propriedades do Pará e norte do Mato Grosso, algumas distantes mais de 2.200 km. Neste projeto obteve-se, em pouco mais de um ano, 8.000 bezerras Girolando. As doadoras de oócitos foram vacas Holandesas, Gir ou Girolando, sendo o sêmen de Gir Leiteiro ou Holandês. Parte deste trabalho está apresentado na Tabela 1.

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A utilização dos embriões in vitro na pecuária leiteira tem sido o aspecto mais promissor dos anos recentes, depois dos avanços trazidos pelo controle farmacológico do ciclo estral e da ovulação. Nosso país detém tecnologia de alta eficiência neste aspecto, e diversas nações, desde países em desenvolvimento até potências como Canadá e EUA, têm buscado nas empresas brasileiras as estratégias para melhorar seus rebanhos leiteiros.

Concluindo, é importante considerar que a FIV, em si, não é boa, nem ruim - é uma ferramenta. Se bem utilizada, pode trazer ganhos extraordinários, tanto genéticos, quanto econômicos. No entanto, caso seja praticada de maneira inadequada, pode trazer sérios prejuízos.

 

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