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Conhecimento, uma ferramenta preciosa

Conhecimento, uma ferramenta preciosa

 

Texto: Marcelo de Rezende

Quando bem gerenciados, os fatores de produção (terra, capital, trabalho e conhecimento) se traduzem em ações que levam ao sucesso do negócio. Neste artigo, analisaremos como a terra, um fator básico e de fundamental importância para a produção de leite, tem sido utilizada na atividade.

4 Produtor Joa?o Renato ao lado de sistema de pastejo de Mombac?a irrigado.JPG (74 KB)

  Alguns meses atrás, nesta coluna da Revista Leite Integral, no artigo denominado “O sucesso e seus múltiplos fatores”, vimos que ao empresário cabe a importante função de articular os fatores de produção de sua atividade (terra, capital, trabalho e conhecimento), e que esses fatores, quando bem gerenciados, se traduzem em ações que levam ao sucesso do negócio. Analisaremos agora como a terra, um fator básico e de fundamental importância para a produção de leite, tem sido utilizado na atividade.

De maneira geral, a terra não é um fator limitante ao crescimento da atividade leiteira nas propriedades brasileiras, seja pelo tamanho médio das áreas disponíveis para a atividade, pelo nível de fertilidade inicial das áreas ou por seu valor monetário. As localidades que apresentam propriedades de menores extensões de terra estão normalmente situadas na região Sul do país, local de maior crescimento e de profissionalização da atividade leiteira no Brasil, demonstrando que propriedades de menor área são viáveis para a produção de leite. Além disso, a utilização de plantas tropicais de alto potencial produtivo tem viabilizado a atividade mesmo em micro propriedades, com áreas inferiores a 5,0 ha. O tipo de solo e a fertilidade também não têm sido fatores impeditivos para a produção de leite, que tem se utilizado cada vez mais da adição de matéria orgânica ao solo (principalmente dejetos de aves e suínos) para a recuperação rápida da fertilidade mesmo em regiões de terras exauridas. Em relação ao valor monetário da terra, o Brasil possui preços significativamente menores que países tradicionais na produção de leite, como Estados Unidos, Nova Zelândia e os países da União Europeia.

Apesar de ser um fator fundamental para a produção, a terra ainda é explorada de maneira extremamente ineficiente na atividade leiteira, normalmente pela falta de orientação técnica relacionada à conservação e recuperação da fertilidade do solo, fazendo com que a atividade demande maiores áreas em função de sua exploração comumente extrativista. Fatores relacionados à preservação ambiental e à alta valorização das áreas agricultáveis cada vez mais têm obrigado os produtores de leite a buscarem alternativas que promovam a eficiência no uso desse precioso bem.

Apesar de não ser um fator limitante, a valorização da terra tem colocado cada vez mais pressão sobre a atividade leiteira, que necessita ser competitiva em relação às outras opções produtivas do meio rural. Estudos encomendados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) apontam uma valorização de mais de 300% nos valores de terra no Brasil no período entre 2002 e 2013, sendo que o valor da terra já representa mais de 70% do total de investimento feito nas propriedades rurais. O desenvolvimento da agricultura e os bons índices de produtividade alcançados pelos produtores exercem forte influência sobre a valorização da terra nas diversas regiões produtoras, exigindo das atividades de pecuária um maior nível de especialização e eficiência, capaz de oferecer a seus proprietários uma remuneração sobre o capital investido ao menos próxima daquela oferecida pela agricultura. Uma vez que a eficiência na produção animal passa necessariamente pelo sucesso na produção de forragem, independentemente do sistema de produção adotado, são obrigatórios investimentos em fertilidade e manejo adequado do solo na atividade pecuária, e quanto menores forem esses investimentos, maiores serão as necessidades de área (e, portanto, de capital) para uma mesma produção animal.

 7 Sistema de pastejo de Jiggs sobressemeado com Aveia.JPG (113 KB)

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Foto 2.JPG (94 KB)

 

Melhor utilização da terra

O Estado do Mato Grosso do Sul ocupa 4,2% da área do território brasileiro, possui um relevo plano na maior parte das regiões, boa disponibilidade de água e o quarto maior rebanho bovino do país. Na maior parte do estado o hectare de terra é adquirido por um valor que normalmente varia entre 10 e 20 mil reais, exceção feita a algumas regiões como Dourados e Chapadão do Sul, onde a agricultura tecnificada coloca o preço das terras em outros patamares (e também no MS o valor de aquisição de terra era três vezes menor a dez anos atrás).

Usaremos a Fazenda Santa Isabel, localizada no município de Sidrolândia, na região de Campo Grande, para ilustrar a importância do trabalho de intensificação do sistema de produção e da melhor utilização do fator terra para a sobrevivência do produtor na atividade. Nessa propriedade a produção de leite se confunde com a história de vida do produtor. João Renato Nantes, atual proprietário da Fazenda Santa Isabel, é filho dos produtores Sr. Jair e Dona Margarida, e ele, assim como seus outros três irmãos, nasceram e foram criados na fazenda, trabalhando com a produção de leite e corte na área herdada do avô. A fazenda tinha inicialmente 192 ha, a produção era extrativista, não se falava em correção e adubação do solo, e foi desta forma que o patriarca, Sr. Jair, criou os seus quatro filhos. Após o falecimento do pai a fazenda foi dividida entre os quatro filhos, sendo que, na ocasião, João Renato decidiu continuar vivendo ao lado da mãe para ajudá-la, pois ela passava por um momento de dificuldade, e resolveu tocar sua parte da fazenda utilizando-se do conhecimento prático adquirido junto ao pai e ao avô; e foi nessa época também que João Renato se casou com sua esposa Marlene. A produção de leite era muito pequena e sazonal: no período das águas o volume diário produzido chegava aos 60 litros, recuando para 25 litros no período da seca. “Muitos animais, muito trabalho e pouca renda”, recorda João Renato. Os anos foram passando e o produtor se mostrava cansado daquela falta de perspectiva. Em 2009, João Renato foi convidado por um primo para conhecer um trabalho de transferência de tecnologias para produção de leite na cidade vizinha de Nova Alvorada do Sul: “No início não botei muita fé nesse negócio, a gente foi acostumado a viver nesse batidão, trabalhando, trabalhando e agora vem um pessoal da cidade querendo nos ensinar, isto não tem cabimento”, afirmou ele ao seu primo. Na ocasião dessa visita, o produtor pôde visitar uma propriedade que trabalhava com pequenos módulos de pastejo de forma intensiva, adubando e manejando áreas de plantas tropicais. Ao se deparar com aquela realidade, sua reação foi de desconfiança: “onde já se viu colocar tantos animais numa área tão pequena, isso é impossível, hoje eu uso toda a área da minha fazenda e mal consigo manter os animais vivos na seca, duvido que isso possa dar certo!”

Diante de tanta desconfiança, mas sufocado pelas dificuldades, João Renato preferiu dar ouvidos ao conselho da sua esposa e assim decidiu receber o técnico da Cooperideal na sua fazenda. Em junho de 2010, o técnico Tadeu Sampaio Carneiro visitou a propriedade e explicou como seria o trabalho, afirmando que não existiriam milagres, que os resultados dependeriam de um trabalho sério, duro e bem planejado. O trabalho seria iniciado em pequenas áreas de pastejo, priorizando sempre os animais mais produtivos do rebanho. Na visita seguinte o produtor fez questão que o técnico conhecesse cada palmo da fazenda, mostrando o que para ele seriam as melhores áreas da propriedade. No final da visita o técnico orientou o produtor a começar o trabalho utilizando uma área próxima ao curral, pois ofereceria maior conforto aos animais que estivessem em pastejo; uma área de produção de cana-de-açúcar, como fonte de alimento volumoso para o período da seca, também deveria ser estabelecida. Inicialmente a área a ser trabalhada era bem pequena e o produtor indagou: “mas só isto, e o que faço com o restante da área?”. “Arrenda para a soja”, respondeu o técnico, “assim você recupera a fertilidade destes solos degradados e consegue uma renda extra que irá contribuir para a manutenção da família neste longo processo de transformação pelo qual a fazenda vai passar”.

No primeiro ano de trabalho foi formado um canavial de 1,3 ha para suplementar os animais na seca, e dois sistemas de pastejo intensivo de capim Mombaça, divididos em 28 piquetes cada. As anotações econômicas e zootécnicas dos eventos ocorridos na fazenda ficaram a cargo da esposa Marlene. No ano seguinte, o técnico Tadeu foi transferido para atuar em outra região, e a Cooperideal designou então o técnico Mário Barbosa Filho para dar continuidade ao acompanhamento da propriedade. Mesmo com a mudança, o planejamento inicial foi mantido; sempre com as planilhas de gerenciamento econômico e zootécnico em mãos, os indicadores gerados eram utilizados como balizadores para a tomada de decisões. Já no segundo ano de trabalho a propriedade pôde arrendar 38 ha para os lavouristas da região, pois os 27 ha restantes conseguiam manter com folga o rebanho da fazenda.

Após iniciar a produção de alimento volumoso em quantidade e qualidade para os animais do rebanho e incrementar renda com o aluguel de áreas não mais necessárias para a atividade, a atenção se voltou para o rebanho, que necessitava de melhorias e de seleção. Tendo em mãos os resultados das anotações zootécnicas do rebanho, animais ineficientes foram identificados e descartados, substituídos por animais de boa aptidão leiteira, nesse caso adquiridos no Estado do Paraná. Vacas sem eficiência produtiva foram sendo substituídas por vacas especializadas, de boa produção e alta persistência de lactação. A estruturação do rebanho também passou a ser uma prioridade na fazenda, mas era preciso que mais um paradigma fosse quebrado. A propriedade só poderia manter em recria as bezerras e novilhas filhas de vacas com comprovada aptidão para a produção de leite, e a quantidade de animais em crescimento seria adequada, de maneira que não comprometesse o desempenho econômico do negócio. Por ser uma região típica de gado de corte, a grande maioria dos produtores de leite do Mato Grosso do Sul tem como fundamento para a geração de renda a manutenção no rebanho de todos os animais nascidos na fazenda, fato que onera excessivamente a atividade e, além disso, a falta de genética especializada nos rebanhos não garante que os animais recriados terão um desempenho produtivo adequado quando chegarem à idade adulta. Dessa forma o produtor eleva seu custo de produção por recriar mais animais do que pode suportar a renda gerada pelas poucas vacas em lactação da fazenda, sem a garantia de que esses animais recriados poderão pagar pelo investimento realizado.

Atualmente a propriedade utiliza 20 ha para a produção de leite, onde estão três sistemas de pastejo intensificados e irrigados com grama Jiggs (total de 1,3 ha), que recebem o pastejo dos lotes de vacas de maior produção e de pré-parto; outros dois sistemas de pastejo intensivo de capim Mombaça irrigados (total de 2,4 ha) recebem as vacas de média produção e final de lactação; uma área maior de B. brizantha (14,0 ha) é ocupada pelos animais em recria; uma área de cana-de-açúcar (1,3 ha) é responsável pela produção de alimento volumoso para o período seco do ano e o restante da área (1,0 ha) está ocupado com as instalações da fazenda. As áreas de pastejo irrigadas totalizam 3,7 ha, nas quais é feita a sobressemeadura com aveia no período do inverno, o que permite que essas mesmas áreas sejam pastejadas o ano todo: nas águas, com plantas tropicais; e na seca (inverno), com aveia.

Com o passar dos anos os números melhoraram: a sobra financeira anual, que em 2010 era negativa (R$ - 2.722,99), obrigando a família a injetar dinheiro de outras atividades para manter a produção de leite, em 2015 foi positiva, permitindo que o produtor embolsasse R$ 132.194,44 (R$ 11.016,20/mês); a receita anual inicial da fazenda – computadas as vendas de leite e de animais – era de apenas R$ 40.539,33 em 2010, mas com o trabalho técnico direcionando as ações para a melhoria na geração de renda essa receita saltou para R$ 218.201,33 em 2015, um aumento de mais de cinco vezes em relação à receita inicial. A estruturação do rebanho, com a venda de animais com problemas reprodutivos e de baixo desempenho produtivo, aliada ao descarte de machos e de fêmeas em crescimento sem aptidão leiteira, em muito contribuiu para esse bom desempenho econômico da atividade em 2015.

Atualmente a propriedade utiliza menos de 1/3 da área usada em 2010 (65 ha em 2010 contra 20 ha em 2015), porém a aplicação de conceitos de intensificação, tanto na produção de forragem como na utilização de animais mais produtivos, permitiu que a produção de leite aumentasse 400% (saindo de 101 litros em 2010 para 402 litros/dia em média em 2015) mesmo com a redução na área utilizada. Em 2010, com o hectare de terra sendo avaliado em R$ 10.000,00, a atividade buscava a impossível façanha de remunerar anualmente os R$ 650.000,00 investidos em terra (65 ha x R$ 10.000,00), a partir da renda obtida por uma produção média diária de apenas 101 litros de leite. Em 2015, com a redução da área utilizada, o capital investido em terra foi de R$ 400.000,00 (20 ha x R$ 20.000,00), e mesmo com a terra duplicando seu valor no período (em 2015 o hectare de terra utilizado para o leite na fazenda foi avaliado em R$ 20.000,00 em função de investimentos realizados em instalações, fertilidade do solo e formação de áreas de pastejo), o produtor conseguiu remunerar o capital investido, pois sua produção de leite aumentou quatro vezes entre um período e outro.

No ano de 2015, passados 5 anos de acompanhamento técnico, a propriedade obteve um bom retorno sobre o capital investido na atividade, de 14,8%, saindo de uma situação de retorno negativo em 2010 (- 1,6%). É necessário lembrar que nos atuais 20 ha de área disponível para a produção de leite na fazenda Santa Isabel é possível ao produtor dobrar a produção hoje obtida. A tabela 1 detalha os índices econômicos e zootécnicos da Fazenda Santa Isabel.

 Captura de tela 2016-09-26 a?s 13.52.19.png (67 KB)  

Um exemplo de transformação

A Fazenda Santa Isabel é hoje uma das unidades demonstrativas do trabalho que a Cooperideal realiza com o apoio da Fundação Banco do Brasil no Mato Grosso do Sul. Além de servir como referência para outros produtores do Estado, a propriedade é utilizada também para a capacitação de técnicos locais, como é o caso do zootecnista César Gonçalves Santos, que após acompanhar o trabalho desenvolvido nessa propriedade, qualificou-se para aplicar o que aprendeu em outras propriedades da região, aplicando conhecimento técnico capaz de gerar renda e desenvolvimento à atividade leiteira local.

O objetivo inicial de produzir 500 litros/dia, traçado no início do trabalho na fazenda, parecia algo muito distante, porém em outubro de 2015 a fazenda chegou a produzir 575 litros, superando sua primeira meta; imediatamente, um novo objetivo foi traçado, e assim segue a vida da família Nantes, hoje confiante e segura de que dias ainda melhores estão por vir. Muitas foram as mudanças na fazenda Santa Isabel, porém a mais marcante foi a transformação pela qual passou o produtor, que de incrédulo se tornou um eficiente gestor dos fatores produtivos da sua atividade. No decorrer do trabalho, João Renato e sua família desenvolveram outra especialidade, a de transformar sonhos em realidade, utilizando o conhecimento, essa preciosa ferramenta, que cada vez mais tem transformado vidas na produção de leite! 

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