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Gestão, Sustentabilidade

A boa governança

Responsabilidade, transparência e participação são as diretrizes da boa governança que guia os demais aspectos dos empreendimentos de sucesso.

A boa governança

Por Ben Warner, Professor na Universidade de Maryland (EUA)


As informações sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) são cada vez mais usadas pelas corporações do mundo todo, para melhor analisar e descrever os impactos do negócio para os atentos stakeholders. Os investidores exigem, de forma cada vez mais taxativa, que as empresas forneçam esses esclarecimentos, conforme foi confirmado por pesquisa recente, que revelou que 82% dos entrevistados “usam informações ESG porque são financeiramente relevantes para o desempenho do investimento” [1].

Para a cadeia de lácteos, a conversa sobre os benefícios em entender e relatar os impactos ambientais e sociais é impulsionada pela clareza sobre o alcance e a importância dessas duas questões. As pressões ambientais e sociais há muito fazem parte das discussões na mídia, nos campos políticos e nos lares da população. A governança, por outro lado, é um tema menos compreendido. 

No entanto, o cumprimento dos preceitos ambientais e sociais, bem como o sucesso financeiro do negócio depende, em última análise, da qualidade dos sistemas de governança.


O “G” do ESG


O que entendemos por governança? Os políticos, muitas vezes, não compreendem o assunto. Um parlamentar francês me disse: “Governança? Governança é quando o povo me elege e eu tomo as decisões. E isso é tudo o que eles precisam saber sobre governança.” Essa abordagem é extremamente míope. Embora “governança” e “governo” soem semelhantes [2], as autoridades eleitas constituem apenas parte do processo de governar – e o próprio governo é apenas parte do sistema maior no qual as decisões são tomadas e os resultados são obtidos.

O Governance Institute of Australia tem uma definição simples para o termo: 

“Governança engloba o sistema pelo qual uma organização opera e os mecanismos pelos quais ela e seu pessoal são responsabilizados” [3]. Com essa definição, compreendemos que governança é o processo usado por determinado governo/corporação, para: tomar decisões sobre o que é importante; desenvolver políticas, procedimentos e programas para atingir os objetivos; medir e relatar os resultados das ações e prestar contas. Atualmente, no Brasil, muita atenção é dedicada às questões mais amplas da governança política, enquanto a governança corporativa se afasta das manchetes – embora essa última tenha maior potencial em oferecer respostas eficazes, eficientes e rápidas a questões significativas.

As questões de governança são particularmente oportunas para a cadeia de produção do leite. Mudanças no tamanho e na estrutura das fazendas leiteiras, demandas externas, mercados locais e condições globais exigem um modelo de governança que supere os desafios de hoje e antecipe soluções aos riscos futuros. [4]. Pesquisadores identificaram “pelo menos, 28 questões ambientais, sociais e de governança (ESG) que podem prejudicar significativamente o valor financeiro de uma empresa, em curto ou longo prazo” [5]. E isso foi antes da ocorrência da pandemia, da pressão inflacionária global, das pressões alimentares devido aos conflitos globais e dos impactos acelerados das mudanças climáticas!

Se liga: Stakeholder refere-se a qualquer pessoa, grupo, organização, governo, instituição ou outra entidade com interesse direto ou indireto nas operações, ações e resultados de determinada empresa.

Em relatório do Institute of Innovation Management, de 2021, foi destacada a importância da governança na cadeia leiteira: “A indústria global de alimentos está enfrentando desafios de magnitude nunca vista. O setor leiteiro, em particular, está no centro dessa transformação” [6]. Então, como o foco na governança interna pode abordar esses desafios?


Shareholders e Stakeholders


No passado, a governança corporativa era vista sob a ótica de um modelo de governança acionista, assumindo que a sua função era apenas maximizar os lucros para aqueles que detêm ações na empresa. Esse modelo levou à instabilidade corporativa, uma vez que o crescimento em longo prazo foi sacrificado pelos lucros rápidos, e negligenciou as externalidades da tomada de decisões, de forma a criar ou exacerbar os desafios sociais e ambientais que enfrentamos hoje [7].

Uma melhor compreensão da boa governança é encontrada no modelo de stakeholders que inclui um conjunto mais amplo de pessoas que influenciam e são afetadas pelas tomadas de decisões corporativas. O The Dutch Corporate Governance Code (Código Holandês de Governança Corporativa) adotou, explicitamente, esse modelo:


O Código é baseado na noção de que a empresa é uma aliança de longo prazo entre os stakeholders. Stakeholders são grupos e indivíduos que, direta ou indiretamente, influenciam (ou são influenciados por) a realização/obtenção dos objetivos da empresa. O conselho de administração e o conselho fiscal têm a responsabilidade de equalizar os interesses, de forma a assegurar a perenidade da sociedade e dos seus filiados [8].


A definição restrita de stakeholder descreve “qualquer grupo ou indivíduo do qual a organização depende para a sobrevivência contínua” [9]. A lista pode incluir clientes, funcionários, determinados órgãos governamentais, fornecedores, instituições financeiras e shareholders. A definição mais ampla de stakeholder inclui “qualquer grupo ou indivíduo que possa afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos de uma organização” [10]. Essa lista pode incluir sindicatos, grupos de interesse público e, até mesmo, concorrentes.

No modelo de governança de stakeholders, podemos ver como a cadeia produtiva do leite começa com a fazenda leiteira e pode ser expandida para produtores de todos os portes, consumidores, técnicos da atividade, beneficiadores de alimentos, distribuidores de produtos, instituições de pesquisa, organizações jurídicas e de marketing e muito mais. O governo, como formulador de políticas/regulamentações e influenciador do clima fiscal, também é um stakeholder, e não apenas um regulador ou cobrador de impostos e taxas. Para que o setor prospere, em tempos desafiadores, todos os stakeholders precisam se ver como parte da solução, e, em tempos de otimismo, todas as partes interessadas se tornam contribuintes para o sucesso.


Se liga: Shareholder ou stockholder é o acionista, aquele que possui, pelo menos, uma ação em determinada empresa.


O futuro da cadeia leiteira depende de suas reações e respostas em momentos importantes. A meta-análise da Deloitte, líder mundial em auditoria e consultoria empresarial, concluiu: "As decisões que realmente importam são aquelas que afetam, fundamentalmente, o desempenho da organização. Lidar adequadamente com essas decisões é imperativo, especialmente porque implicam em fazer escolhas, entre várias opções desejáveis e indesejáveis, sem clareza da 'melhor' alternativa" [11].

Em tempos de desafio, crise ou conflito, os envolvidos na cadeia produtiva de leite precisarão tomar decisões que considerem o ambiente operacional total, não apenas o que maximiza o lucro em curto prazo para os shareholders:


Ter a governança certa em vigor é fundamental para contrabalançar condições adversas. A configuração de mecanismos de governança na sala de reuniões tem grande influência na forma como os executivos lidam com os dilemas. A tomada de decisão não é apenas uma atividade dos indivíduos, é uma questão de criar as condições certas para que os tomadores de decisão possam fazer escolhas equilibradas. Identificar os momentos que importam, reconhecer os dilemas e entender como a governança certa ajudará, é essencial [12].


Então, como estabelecemos as estruturas de governança corretas? Em todo o mundo, organizações desenvolvem, aplicam e analisam modelos de boa governança, identificando entre cinco e doze características [13]. Aqui, discutiremos três elementos comuns para melhorar a governança corporativa: responsabilidade, transparência e participação.


Responsabilidade


Boa governança significa que “grupos e indivíduos que ocupam posições de poder devem ter senso de responsabilidade e de vigilância da própria autoridade, se quiserem governar com sucesso” [14].

Como é essa responsabilidade? Na década de 1990, foi introduzido o conceito de “triple bottom line”, que incluía métricas financeiras, ambientais e sociais para uma corporação [15]. Os indicadores-chave de desempenho tornaram-se ferramentas para medir não apenas o resultado, mas também o progresso em direção às metas específicas [16]. O crescimento em disponibilidade, acessibilidade e escopo dos dados fez com que as empresas começassem a adicionar cientistas de dados à sua folha de pagamento, para entenderem e gerenciarem grandes dados (big data). Para contextualizar esse avanço, 90% dos dados criados na história das civilizações mundiais foram gerados apenas nos últimos dois anos [17].

A informação por si só não cria responsabilidade. Tampouco a responsabilidade recai exclusivamente sobre as agências reguladoras. Os pesquisadores apontam que a regulamentação do governo “não é sufi ciente para enfrentar os desafios de governança e as responsabilidades do presente, que se estendem além das fronteiras do Estado e envolvem stakeholders além das empresas e do governo”[18]. Especialmente no modelo de governança de stakeholders, a prestação de contas requer: clareza na direção estratégica e na tomada de decisões, medição da eficácia dos processos desenvolvidos para a conquista das metas estabelecidas e honestidade ao compartilhar os resultados e o desempenho geral. Por exemplo, se uma corporação determinar concentrar tempo e recursos em cinco iniciativas que a levarão a uma direção específi ca, todas as cinco iniciativas devem possuir medidas anexadas que informarão os tomadores de decisão e os stakeholders sobre o progresso feito e os resultados atingidos. A responsabilidade exige que todos os cinco conjuntos de indicadores, independentemente do quão bem-sucedidos forem, sejam abertamente compartilhados.

Outros esforços para melhorar a responsabilidade na governança vão além das medidas de desempenho, à exemplo de “códigos de conduta, esquemas de certificação, iniciativas multissetoriais, canais de reclamação, painéis de interessados, uso de mídias sociais, entre outras ferramentas” [19]. Essas iniciativas podem conferir conforto aos stakeholders e ao conselho de administração, à medida que fortalecerem o desempenho esperado da organização, de forma a construir confiança e capital social.


Transparência


De mãos dadas com a responsabilidade está o princípio da transparência [20]. A transparência foi definida como “a qualidade percebida das informações compartilhadas intencionalmente por um remetente” [21]. Altos níveis de transparência protegem a organização, criam compreensão e adesão entre stakeholders e se traduzem em maior senso de propriedade compartilhada, lealdade e conexão [22]. Em contraste, a falta de transparência pode criar alienação, desconfiança e desconexão na corporação.

A transparência efetiva é alcançada quando uma corporação compartilha informações de forma consistente e intencional com seus stakeholders, tanto dentro da organização quanto no ambiente de trabalho mais amplo. Pesquisadores identificaram três elementos presentes no cerne da informação transmitida com transparência efetiva: clareza, divulgação e precisão [23].

Para a boa governança, corporações compartilham não apenas as métricas de responsabilidade, mas também as decisões estratégicas que tomam. Construir uma cultura de comunicação aberta ajuda a garantir que todos os stakeholders entendam a direção que a organização está tomando e como ela planeja enfrentar os desafios futuros.

Durante o início da recente pandemia, algumas organizações se destacaram na comunicação aberta em resposta à crise global, enquanto outras foram reticentes em compartilhar seus planos com o público ou com sua força de trabalho interna. Você pode se lembrar de como essas comunicações afetaram você, individualmente, e seus relacionamentos com essas organizações. Aqueles que foram mais abertos, construíram confiança com funcionários, consumidores e investidores. Como Martin Gruell, da Raiffeisen Bank International disse uma vez: “Sem transparência, sem confiança. Sem confiança, sem crédito. Sem crédito, sem investimento. Sem investimento, sem crescimento!” [24].


PESQUISADORES IDENTIFICARAM TRÊS ELEMENTOS PRESENTES NO CERNE DA INFORMAÇÃO TRANSMITIDA COM TRANSPARÊNCIA EFETIVA: CLAREZA, DIVULGAÇÃO E PRECISÃO


Participação


O terceiro elemento a ser discutido nas boas práticas de governança é a participação. Sob o modelo de governança de stakeholders, a tomada de decisões precisa incluir amplamente aqueles que contribuem para o sucesso da corporação e/ou são afetados por suas realizações. Os stakeholders precisam reconhecer que seus pontos de vista fazem parte da matriz de decisões. O Código Holandês de Governança Corporativa afirma:


Para os stakeholders cooperarem dentro e com a empresa, precisam estar confiantes de que seus interesses são devidamente levados em consideração. Bom empreendedorismo e supervisão eficaz são condições essenciais para a confiança das partes interessadas na gestão e supervisão do negócio. Isso inclui integridade e transparência nas ações do conselho de administração e responsabilidade do conselho fiscal [25].


Pesquisadores da governança corporativa referem-se a um “princípio de simetria”, aquele que equilibra contribuição e participação. “Estabelecer o princípio da simetria é necessário para promover sistemas produtivos e justos de governança corporativa” [26]. A participação de stakeholders também é componente-chave dos esforços de responsabilidade social corporativa [27].


Benefícios em escala


O três princípios estão interligados:

  1. A responsabilidade avalia o desempenho;
  2. A transparência comunica o desempenho ao corpo maior de stakeholders;
  3. A participação fornece o ciclo de feedback dos stakeholders, que pode informar a tomada de decisões, melhorar o desempenho e fornecer resultados mais fortes – que são, então, mensurados na estrutura de responsabilidade e compartilhados com as partes interessadas.

Como resultado, um ciclo virtuoso de desempenho aprimorado, no qual aqueles que poderiam criticar áreas problemáticas tornam-se participantes do desenvolvimento e da implementação de soluções. Isso é extremamente importante, porque os desafios enfrentados por um setor podem estar fora do seu controle imediato, mas podem ser identificados, abordados, influenciados ou resolvidos por aqueles que se consideram partes interessadas no sucesso da organização.

A boa governança é mais do que apenas a coisa certa a fazer. É uma forma de atingir as metas ambientais e sociais nas estruturas ESG, além de melhorar a eficácia da tomada de decisão organizacional e os resultados financeiros.

Do ponto de vista financeiro, “A governança corporativa sólida tornou-se pré-requisito para conquistar a confiança dos shareholders e desencadear valor para os acionistas” [28]. Os benefícios incluem fluxo de capital aprimorado, mitigação dos riscos, aumento da reputação, tomada de decisão mais assertiva, aprimoramento dos relatórios, foco em conformidade, maior retenção de pessoal e redução de comportamentos disruptivos e de conflitos de interesse [29].

A cultura corporativa positiva se beneficia dos laços fortalecidos com os colaboradores, dos relacionamentos credibilizados com os fornecedores e da fidelidade elevada do cliente à marca. Em suma, a boa governança é a chave para a bonança no empreendimento. 



REFERÊNCIAS

https://bit.ly/3fyjjkz


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