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Manejo

Comportamento e bem-estar, as “novas” palavras-chave na criação de bezerras

Comportamento e bem-estar, as “novas” palavras-chave na  criação de bezerras

M.A. Khan

D.M. Weary

M. A. G. von Keyserlingk

Animal Welfare Program, The University of British Columbia, Canadá

*Adaptação da Invited review do Journal of Dairy Science, cedida com exclusividade pela Dra. Marina von Keyserlingk à Revista Leite Integral

Um programa alimentar que permita uma tranqüila transição da dieta líquida (leite ou sucedâneos) para os alimentos sólidos (concentrado e forragem) é fundamental para minimizar o estresse e a perda de peso ao desaleitamento, que estão diretamente relacionados ao sucesso da criação de bezerras e novilhas. No passado, os esforços das pesquisas eram direcionados ao desenvolvimento de manejos alimentares que permitissem um desaleitamento precoce, talvez em função dos altos riscos de doenças durante essa fase. Como forma de estimular o consumo de alimentos sólidos, os programas convencionais de aleitamento limitavam a ingestão diária de leite a 10% do peso vivo da bezerra. Revisando toda a literatura disponível sobre a relação entre métodos de fornecimento de leite, consumo de alimentos sólidos e desenvolvimento do rúmen, nós concluímos que as bezerras podem seguramente ingerir 20% do seu peso vivo em leite (aproximadamente 8 litros/dia), e que essa maior ingestão propicia maiores ganhos de peso, maior eficiência alimentar, menor incidência de doenças e maior bem-estar.

Introdução

Na última década, vários estudos avaliaram os efeitos do aumento na quantidade de leite fornecida às bezerras, mostrando maiores ganhos de peso e bem-estar dos animais. As desvantagens desse manejo seriam a redução no consumo de alimentos sólidos, durante o período de aleitamento, e um desenvolvimento mais lento do rúmen.

No nosso entendimento, nenhuma ação foi feita no sentido de sumarizar as informações científicas disponíveis sobre o fornecimento de maiores quantidades de leite, e no sentido de entender como esse maior consumo afetaria a ingestão de alimentos sólidos e o desaleitamento, o que é nosso objetivo com esse artigo.

 

Como as vacas criam seus bezerros?

Em situações nas quais é permitido à vaca criar os seus bezerros, vários comportamentos maternos como, lamber, limpar e proteger a cria, são expressos. As vacas começam a lamber suas crias assim que elas nascem, e os bezerros, normalmente, começam a mamar dentro de poucas horas após o nascimento. Um estudo que avaliou o consumo de leite de bezerros Holandês, mantidos com as suas mães, mostrou que eles consu-miram aproximadamente 6 litros de leite/dia na primeira semana de vida, e 12 litros/dias na nona. Durante a primeira semana de vida, os bezerros mamam aproximadamente 8 a 12 vezes ao dia, com duração média de 10 minutos cada.

Os bezerros criados com suas mães começam a pastejar e a ruminar com aproximadamente 3 semanas de idade, tornando-se ruminantes completamente funcionais (como os adultos) entre 4 e 6 meses de vida. Os ruminantes jovens aprendem a reconhecer e a escolher seus alimentos, imitando seus companheiros de rebanho e, principalmente, suas mães. A vaca influencia o estabelecimento e a persistência dos hábitos de alimentação e seleção dos bezerros.

Com o avançar da idade, o bezerro passa a depender menos do leite materno e a influência da vaca sobre seu comportamento alimentar diminui. Com isso, os companheiros de rebanho passam a ser os grandes influenciadores na escolha da dieta. Na natureza, as vacas desmamam seus bezerros quanto eles atingem aproximadamente 10 meses de idade. Pela perspectiva da vaca, o desaleitamento envolve um rompimento da relação maternal com o bezerro, que se torna social e nutricionalmente indendepente. Esse processo ocorre de forma gradual, ao longo de vários meses, com a vaca reduzindo, aos poucos, a assistência dada ao bezerro e a quantidade de leite oferecida. Em contraste, nos sistemas intensivos de produção de leite, o desaleitamento é frequentemente feito de forma muito mais precoce e abrupta, em relação ao que ocorre na natureza, resultando em estresse tanto para a vaca quanto para o bezerro.

Em resumo, bezerros criados por suas mães consomem aproximadamente 6 a 12 litros de leite/dia, em várias mamadas diárias, e são desaleitados gradualmente pela vaca, em um processo que dura muitas semanas.

 

Programas de fornecimento de leite

 

Desaleitamento precoce e alimentação baseada em concentrados

Esse programa, iniciado na década de 1950, tem como ponto-chave o fornecimento de pequenas quantidades de leite (aproximadamente 10% do peso vivo ao nascimento ou 4 litros de leite/dia). A idéia é que a ingestão limitada de leite irá estimular o consumo precoce de concentrado, facilitando o desaleitamento precoce, com 7 ou 8 semanas de idade. O fornecimento de forragens é desaconselhado durante a fase de aleitamento, tendo como base as pesquisas que indicam menor consumo de concentrado e baixos ganhos de peso com a ingestão de volumosos. O consumo precoce de concentrado traria também como benefício um desenvolvimento mais rápido das papilas ruminais, estimulado pelos AGV, em particular o butirato, presente em maiores concentrações no rumem de bezerros consumindo grandes quantidades de concentrado.

 

Fornecimento de grandes quantidades de leite

Durante a última década, muitos trabalhos desafiaram a prática comum de se fornecer limitadas quantidades de leite aos bezerros. Muitas pesquisas evidenciaram baixos ganhos de peso, alto risco de ocorrência de doenças, e comportamentos anormais em animais recebendo apenas 4 litros de leite/dia, indicando que esse programa alimentar reduz o bem-estar dos bezerros. Por outro lado, vários trabalhos mostraram que o fornecimento de grandes quantidades de leite ou sucedâneo aumenta as taxas de crescimento e a eficiência alimentar.

Esse tipo de programa alimentar é descrito utilizando-se uma grande variedade de termos, incluindo “acelerado”, “intensivo” e “biologicamente apropriado” e identifica-se com antigos achados de literatura que mostravam os benefícios de se fornecer maior volume de leite aos bezerros. Por exemplo, citações do início dos anos 1800 diziam que os “melhores rebanhos da Suíça alimentavam seus bezerros ad libitum (aproximadamente 8 litros de leite/dia) e que os mesmos ganhavam cerca de 0,9kg/dia.

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Consumo de leite e alimentos sólidos

 

Consumo restrito de leite

A glicose e os ácidos graxos livres são as principais fontes de energia para os bezerros jovens; dessa forma, o controle metabólico glicostático e lipostático é importante para regular o consumo de leite e o tamanho de cada refeição, pelo menos até o início da ingestão significativa de alimentos sólidos. Baixos níveis de glicose sanguínea desencadeiam a sensação de fome, enquanto o aumento da glicemia gera saciedade. O esvaziamento do abomaso, regulado em parte pela formação do coágulo (estímulo dos mecanoreceptores), a composição do quimo (estímulo dos quimioreceptores), e vários peptídeos intestinais também participam do processo de regulação do consumo por meio de mecanismos de feedback. O paladar, associado às preferências de sabor, também está relacionado com o estímulo ao consumo (por exemplo: o sabor da lactose aumenta a motivação dos bezerros para ingerir leite).

Quando o leite é oferecido ad libitum, os bezerros, geralmente, consomem o equivalente a 20% de seu peso vivo/dia. Por outro lado, quando são fornecidos volumes limitados de leite, os animais, frequentemente, apresentam comportamentos indicativos de fome crônica como aumento do número de vocalizações (berros) e redução no tempo dedicado às brincadeiras. Um trabalho de pesquisa mostrou que bezerros recebendo apenas 5 litros de leite/dia vocalizavam aproximadamente 31,4 vezes/dia, contra apenas 5 vocalizações dos animais que recebiam 8 litros de leite/dia.

Bezerros aleitados em mamadeiras, recebendo quantidades restritas de leite (2 litros, 2 vezes ao dia) demoram cerca de 45 segundos para ingerir o volume fornecido. Em contraste, bezerros que mamam em suas mães se alimentam várias vezes ao dia, cada uma delas com duração média de 10 minutos. O fornecimento de leite à vontade torna o consumo mais lento, aumenta a digestibilidade e reduz o comportamento de mamada cruzada.

 

Relação entre consumo de leite e alimentos sólidos

Os bezerros começam a ingerir quantidades significativas de alimentos sólidos a partir dos 14 dias de idade, e o consumo aumenta rapidamente com a redução no volume de leite fornecido e com o desaleitamento. A relação inversa entre consumo de leite e de alimentos sólidos tem sido mostrada em trabalhos antigos e recentes. O menor consumo de alimentos sólidos, em bezerros recebendo grandes volumes de leite, não é difícil de ser entendido, e ocorre em função da saciedade associada a fatores químicos (altos níveis sanguíneos de glicose e insulina) e mecânicos (enchimento gástrico em função da formação do coágulo abomasal), como explicado anteriormente.

 

Desenvolvimento do rúmen

É importante salientar que o desenvolvimento funcional do rúmen não é dependente apenas dos AGV (especialmente do butirato). O suprimento de grandes quantidades de energia e nutrientes, por meio do fornecimento de maiores volumes de leite, pode contribuir diretamente para o desenvolvimento das papilas ruminais, por meio do eixo metabólico. Mudanças nos padrões endócrinos (especialmente de insulina e IGF-I) relacionadas ao alto consumo de leite, bem como a presença de fatores de crescimento e hormônios no leite e colostro, também podem favorecer o desenvolvimento do epitélio ruminal. 

Além do rúmen, outros órgãos como fígado e intestino sofrem mudanças que permitem a utilização dos sub-produtos da fermentação  microbiana para a mantença e crescimento dos animais.

Como o desenvolvimento funcional do rúmen (papilas) depende da ingestão de alimentos concentrados, muitos pesquisadores questionam a estratégia de se fornecer grandes volumes de leite que, teoricamente, “atrasariam” esse desenvolvimento. Entretanto, poucos trabalhos avaliaram especificamente as diferenças na morfologia ruminal relacionadas ao consumo de leite. Alguns resultados indicam que a restrição de leite, em função da maior ingestão de concentrado, aumenta o peso dos pré-estômagos, mas não tem nenhuma interferência no desenvolvimento das papilas. É inte-ressante também salientar que, bezerros que recebem grandes quantidades de leite iniciam a ruminação dos alimentos sólidos por volta da segunda semana de vida, ou seja, com a mesma idade dos que recebem quantidades restritas de leite.

Um trabalho recente mostrou que bezerros que receberam grandes quantidades de leite nos primeiros 30 dias de vida e que foram posteriormente desaleitados de forma gradual (método step-down) apresentaram maiores consumos de concentrado antes e após o desaleitamento em relação aos animais aleitados e desaleitados de forma convencional (Figura 1). Esses animais apresentaram também maior desenvolvimento metabólico do rúmen e pré-estômagos mais pesados.

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Desempenho e saúde

 

Fase de aleitamento

Em condições consideradas termo-neutras (15 a 25º C), um bezerro com peso de 45Kg necessita de 1,75 Mcal/dia de energia metabolizável (EM) apenas para se manter vivo (mantença). Sabendo que o leite integral contém aproximadamente 5,4 Mcal de EM/Kg, o bezerro utilizado como exemplo (45Kg) necessita-ria de 325g de sólidos do leite (MS) ou 2,6 litros de leite apenas para mantença. É importante salientar que a maior parte dos sucedâneos do leite comerciais contém uma menor concentração de gordura que aquela encontrada do leite e, assim, fornecem menor valor de EM por quilo de MS. Em temperaturas inferiores ou superiores às da zona termoneutra, os bezerros necessitam de uma maior quantidade de EM em função dos gastos necessários para regular a temperatura corporal.

Bezerros alimentados com a-penas 4 litros de leite por dia não são capazes de ingerir quantidade suficiente de concentrado (pelo menos nas 2 primeiras semanas de vida) que supra suas necessidades de nutrientes para crescimento e desenvolvimento. Um trabalho recente mostrou que, mesmo consumindo o dobro de concentrado, bezerros alimentados com apenas 4 litros de leite/dia, não conseguem atingir a mesma ingestão de energia, e suprir seus requisitos nutricio-nais, em relação a animais que recebem leite à vontade.

O aumento na ingestão de leite é muitas vezes associado à maior ocorrência de doenças. Entretanto, no nosso entendimento, os problemas de saúde, especialmente as diarréias, estão muito mais relacionados ao manejo sa-nitário deficiente e a instalações inadequadas que ao alto consumo de leite. Além disso, deficiências nutricionais podem deprimir a função imune e, assim, aumentar a susceptibilidade a doenças.

A nutrição é um fator determinante nas respostas imunes. O suprimento dietético de proteína e energia influenciam a imunidade celular, a produção de citocinas, o sistema do complemento, a função fagocitária, e a produção de anticorpos.

 

Pós-desaleitamento

O desenvolvimento pós-desaleitamento está diretamente relacionado ao consumo de alimentos sólidos. Como dito anteriormente, bezerros que recebem maiores quantidades de leite no período de aleitamento, em geral, apresentam menor consumo de concentrado no desaleitamento. Entretanto, o método de desaleitamento tem grande influência no desempenho de bezerros alimentados com grandes volumes de leite. O desaleitamento abrupto causa grande depressão no desenvolvimento, tanto em bezerros aleitados de forma restrita quanto naqueles que recebem grandes quantidades de leite. Por outro lado, bezerros que recebem grandes quantidades de leite e que são desaleitados de forma gradual (step-down) apresentam maiores consumos de concentrado antes e depois do desaleitamento (Figura 1) e mantém sua vantagem em ganho de peso sobre aqueles aleitados de forma restrita, após o desaleitamento, o que pode ser explicado por uma maior capacidade ruminal que permitirá maior consumo de alimentos sólidos.

A idade ao desaleitamento é também muito importante no sucesso da criação de bezerras. Um trabalho recente mostrou que bezerros desaleitados de forma gradual, com início aos 19 dias de idade, não foram capazes de compensar a redução no aporte de nutrientes provenientes do leite por meio do aumento no consumo de concentrado. A revisão de literatura sobre esse tema nos mostrou que o desaleitamento gradual é um método efetivo em estimular o consumo de concentrado na fase de aleitamento, desde que seu início seja após a terceira semana de vida.

O consumo de concentrado pós-desaleitamento pode ser estimulado por meio do convívio social. Um trabalho recente mostrou que bezerros criados aos pares apresentaram maior consumo de concentrado no pré-desaleitamento que aqueles alojados individualmente, o que reforça a idéia de que esses animais são alelomímicos, ou seja, imitam o comportamento de suas mães ou companheiros de rebanho.

 

Efeitos de longo prazo

Vários trabalhos vêm examinando os efeitos do maior fornecimento de leite às bezerras sobre a produção futura de leite das mesmas. Altas taxas de crescimento nas fases iniciais da vida são associadas com redução da idade à puberdade e maior produção futura de leite.

Aproximadamente 25% da variação na produção de leite na primeira lactação pode ser explicada pela média de ganho de peso diário na fase de aleitamento. Para cada 0,1kg de aumento de ganho de peso observa-se um aumento de 107 litros de leite na primeira lactação. Essas evidências sugerem que a maior provisão de nutrientes nas fases iniciais da vida da bezerra têm grande impacto no futuro produtivo. Uma explicação para essa observação pode estar relacionada ao desenvolvimento inicial da glândula mamária. O maior aporte de nutrientes na fase de aleitamento (maior volume de leite fornecido) pode levar a um aumento de 32 a 47% na quantidade de DNA, e a uma proliferação celular 40% maior na glândula mamária.

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Conclusões

A literatura revisada, de forma coletiva, indicou que as práticas convencionais de aleitamento (fornecimento de 4 litros de leite/dia) fazem com que as bezerras passem fome e compro-metem o crescimento, saúde, bem-estar e a produção futura de leite. Entretanto, o fornecimento de grandes quantidades de leite pode impactar negativamente o consumo de concentrado se o manejo alimentar não for adequadamente desenvolvido.

O desaleitamento gradual, iniciado após a terceira semana de vida, quando as bezerras estão mais aptas a digerir os nutrientes presentes no concentrado, nos parece a melhor forma de estimular o desenvolvimento na fase de aleitamento, sem comprometer o consumo no pós-desaleitamento. Essa estratégia reduz o estresse causado pela fome, melhora o desempenho, reduz a ocorrência de doenças e, em última análise, aumenta o bem-estar dos animais. •

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