Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Gestão

Derrubando barreiras: uma história de superação

Derrubando barreiras: uma história de superação

 

Texto: Marcelo de Rezende 

Após participar de uma palestra do Goiás Mais Leite e aderir ao programa, os conceitos de produção de leite aplicados na fazenda do Sr. Cleuzir Miguel Rezende começaram a mudar, superando aos poucos a força dos métodos tradicionais até então aplicados na propriedade.

Coluna Gesta?o.jpg (101 KB) 

O Estado de Goiás é hoje o 4° maior produtor de leite do país, contabilizando, segundo os dados do IBGE de 2014, uma produção de 3,6 bilhões de litros de leite no ano, o que equivale a 10,47% da produção nacional. Esta colocação no ranking da produção brasileira se explica, em parte, por ilhas de produção elevada em algumas mesorregiões do Estado, incluindo municípios como Piracanjuba, com 154,8 milhões de litros – 4,2% da produção estadual – e Jataí, tendo produzido 144,7 milhões e compondo 3,9% da produção de Goiás. As propriedades dessas regiões se caracterizam pela eficiência na aplicação de tecnologias produtivas, na utilização de raças especializadas, na estabilidade da produção ao longo do ano devido ao manejo de alimentação do cocho no período seco do ano, na elevada oferta de milho e soja oriunda da intensa atividade agrícola local e, principalmente, no perfil dos produtores, que conduzem de perto essa atividade que é tão complexa e que exige cada vez mais a presença constante do proprietário e do responsável técnico pela atividade.

Mesmo apresentando alguns números interessantes, Goiás, como a maioria dos principais estados produtores brasileiros, possui números médios ainda arcaicos. Observando os dados do Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite (Quadro 1), realizado em 2009 pela Federação da Agricultura (FAEG) e Senar Goiás, encontramos informações que traduzem, de maneira geral, a situação crítica da atividade no Estado.

 Captura de tela 2016-09-26 a?s 10.55.32.png (37 KB)


Apesar de ser um indicador pouco avaliado, a “Idade média dos produtores” mostra a realidade da produção de leite, principalmente quando se analisa aspectos ligados à tradição e resistência à implantação de novas tecnologias disponíveis. Apenas para efeito comparativo, outro levantamento, nesse caso ligado à agricultura, identificou um perfil de produtor diferente, cuja idade média era de 39 anos, indicando que possivelmente, na agricultura, a transição da atividade entre pais e filhos esteja ocorrendo de maneira mais eficiente; mas o fato é que, em linhas gerais, os agricultores mais jovens têm aplicado mais tecnologia em sua atividade quando comparados aos pecuaristas. Apenas como complemento, nesse mesmo diagnóstico da cadeia do leite em Goiás foi identificado que os produtores com maior escolaridade faziam parte do estrato de produção mais alto, acima de 1.000 litros/dia, demonstrando o efeito positivo do maior nível de escolaridade sobre a condução das fazendas, e o quanto a atividade pode evoluir a partir do momento em que os filhos, mais jovens e de maior escolaridade, passem a se interessar pelo negócio.           

Já na área zootécnica, ao analisarmos ainda no Quadro 1 os indicadores “% Vacas em lactação”, “% Vacas em lactação no rebanho” e “Produção por vaca em lactação”, percebemos a enorme distância entre os índices obtidos e os que seriam ideais para a produção de leite. O mais preocupante são os índices relacionados à estrutura e reprodução do rebanho (baixa porcentagem de vacas em lactação em relação ao total de vacas e pequena porcentagem de vacas em lactação em relação ao total do rebanho), pois refletem a falta de conceitos produtivos na condução da atividade, fator que afeta economicamente qualquer sistema de produção de leite, diferentemente do índice relacionado ao potencial de produção da vaca (produção por vaca em lactação), que afeta somente as propriedades com rebanho sem potencial genético. O item “Vacas em lactação”, que no diagnóstico estava em 59%, deveria estar próximo de 83%, ou seja, as vacas teriam que ter um ‘intervalo entre partos’ de 12 meses e manter uma lactação de 10 meses dentro do intervalo. Quando temos uma porcentagem de vacas em lactação de somente 59%, certamente temos tanto uma reprodução deficitária quanto uma duração da lactação inferior a 10 meses, diminuindo, portanto, o potencial de geração de renda da fazenda.

Esses fatores contribuem também para que tenhamos uma baixa porcentagem de animais em produção na fazenda quando analisamos o total de cabeças do rebanho; neste caso, o diagnóstico apontou para somente 27% de vacas em lactação nos rebanhos de Goiás, quando o ideal seria que as fazendas tivessem ao redor de 50% de animais em produção em relação ao rebanho total da atividade. O mais impactante deste item é a quantidade de animais em recria nas fazendas, explicada pela manutenção de machos, baixa taxa de descarte de bezerras e novilhas, além da idade tardia ao primeiro parto (diagnosticado como 34 meses quando o correto seria em torno de 24), responsável por retardar a entrada do animal em produção a fim de caracteriza-lo como fator gerador de renda na propriedade.

Todos estes dados zootécnicos têm reflexo na situação econômica da atividade e na vida diária dos produtores. Se avaliarmos o índice “Reais investidos por litro produzido”, verificamos o alto capital empatado para se produzir um litro de leite em Goiás (R$ 3.210,00). Fazendas atendidas pela Cooperideal, tanto em Goiás quanto em outros estados do Brasil, empatam de R$ 800,00 a R$ 1.500,00 por litro produzido diariamente, ou seja, são necessários menores investimentos para que se obtenha a mesma produção, principalmente no fator terra, que pela melhoria na fertilidade de solo em sistemas intensificados garante produções condizentes com o capital investido na sua aquisição.

Com os índices zootécnicos apresentados, além de não conseguir remunerar o capital empatado na atividade, os produtores dificilmente conseguem arcar com as despesas operacionais do negócio e ainda fazer as retiradas necessárias para a manutenção da sua família, sendo esse um dos motivos pela baixa perspectiva que filhos têm de dar continuação à atividade iniciada pelos pais (apenas 43% dos filhos pretendem continuar na atividade - item 2 do Quadro 1).

 

Uma outra realidade

Agora, imagine uma propriedade com a seguinte realidade: com números iguais a esses, onde há resistência a novas tecnologias e com o proprietário lutando contra uma doença gravíssima... Como promover mudanças nesse quadro? Essa é a história real de garra e superação que vamos apresentar a seguir, cujo cenário foi a Fazenda Nossa Senhora Aparecida no município de Portelândia, tendo como protagonista o Sr. Cleuzir Miguel Rezende, participante do Programa Goiás Mais Leite, do Sistema Faeg/Senar, com a participação não menos importante do técnico André Rezende.

Portelândia é um pequeno município do sudoeste goiano, inserido numa região de elevada produção agrícola e de aves. O município de Mineiros, que circunda Portelândia é, segundo o IBGE, o 5° PIB agrícola de Goiás, gerando 266,24 milhões de reais anualmente. Ou seja, as propriedades dessa região, de maneira geral, aplicam as tecnologias disponíveis em busca de elevadas produtividades, justamente pelo fato do valor da terra ser considerado alto – em média R$ 25.000,00/ha.

Devido ao cenário apresentado da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, o produtor Cleuzir já havia pensado diversas vezes em arrendar sua propriedade para a lavoura, pois os valores pagos pelo arrendamento eram atrativos e, além disso, ele estaria “livre do leite”, que até então era para ele, como para muitos produtores, uma atividade penosa e sem retornos financeiros adequados. Após participar de uma palestra do Goiás Mais Leite, no ano de 2012, e aderir ao programa, os conceitos de produção de leite aplicados na fazenda do Sr. Cleuzir começaram a mudar, superando aos poucos a força dos métodos tradicionais até então aplicados na propriedade.

Inicialmente foram intensificados, a fim de sanar a deficiência alimentar de parte das vacas em produção no rebanho, 2,0 ha de capim Tanzânia divididos em 26 piquetes, que serviram como base de aprendizado para o manejo intensivo de pastagens. No período da seca, as vacas da propriedade se alimentavam de apenas 15 kg de silagem de milho/dia, o que reduzia sua capacidade de produção e ainda exigia um aporte maior de concentrado na dieta dos animais. Para mudar esse cenário foi aumentada a área de produção de milho com recursos advindos do descarte de alguns animais improdutivos, oferecendo suporte para que na seca todas as vacas em lactação tivessem condição de produzir mais e melhor.

Em paralelo ao trabalho de intensificação das áreas, foram sendo implantadas as planilhas de gestão utilizadas no programa, que embora simples, são suficientes e eficientes para a avaliação da situação zootécnica e econômica da propriedade. Já no segundo ano de trabalho foi implantado mais um sistema de pastejo, também de 2,0 ha, mas agora de B. brizantha, que deram suporte para o restante dos animais em lactação e que ajudaram a melhorar também a oferta de forragem para a recria de vacas secas que permaneciam nas áreas não intensificadas.

Avaliando os números da propriedade no Quadro 2, é possível observar que a produção média da fazenda passou de 467 litros/dia em 2012, para 717 litros diários nos últimos 12 meses, um aumento de 53% no período. Este número é explicado pelo aumento da média de produção dos animais (14,2 litros no primeiro período para 15,6 no segundo), e principalmente pelo aumento do número de vacas em lactação (32,8 para 45,8 vacas em 2014/2015). O interessante dessa análise é que parte do aumento do número de vacas em lactação se deu em substituição ao número excessivo de bezerras e novilhas mantidas na propriedade. No primeiro ano avaliado, a % de vacas no rebanho era de apenas 51%, ou seja, a participação de animais com potencial de geração de renda na propriedade estava aquém do que poderia, gerando menos receita e, consequentemente, um menor fluxo de caixa em relação a um rebanho adequadamente estruturado (com mais de 60% de vacas no rebanho). Com o aumento da participação de vacas (após o processo de estruturação, o rebanho da fazenda passou a trabalhar com 62% de vacas), a receita da propriedade aumentou, trazendo uma série de benefícios para os envolvidos no negócio.

 

Colhendo frutos

O primeiro impacto foi no aumento da capacidade de investimento da propriedade, que saiu de R$ 1.600,00 no primeiro período para R$ 25.804,29 no segundo, e ainda assim, mesmo com mais investimentos sendo feitos, o fluxo de caixa (sobra financeira efetivamente embolsada pelo produtor) teve um aumento de 183% (saindo de R$ 25.395,84 no primeiro período para R$ 71.884,40 no período atual). Se dividirmos o valor do fluxo de caixa atual pela quantidade de ha utilizados, temos um fluxo de caixa de R$ 2.178,31/ha utilizado, resultando em um aumento de 2,8 vezes em relação ao primeiro ano de trabalho, permitindo que a atividade leiteira na propriedade já comece a competir em condições de igualdade com outras culturas da região que, segundo o Estudo de Viabilidade Econômica e Risco das Principais Culturas Anuais do Município de Rio Verde, da UFG de 2010 (dado corrigido pelo IGPDi), alcançam como resultado em torno de R$ 1.762,00/ha. Além de conseguir colocar mais dinheiro no bolso, o produtor também conseguiu diluir o capital empatado para a produção de cada litro de leite na fazenda, mesmo seu patrimônio tendo sido valorizado em quase duas vezes em relação à situação encontrada no início do trabalho na propriedade (item “r” do Quadro 2).

Captura de tela 2016-09-26 a?s 10.55.37.png (62 KB)

Isso mostra o aumento de eficiência na utilização dos recursos disponíveis, que garantem sobras que possibilitarão, no futuro, a substituição do seu maquinário/instalações, pois agora a atividade consegue pagar, além dos custos operacionais, também as depreciações dos bens da fazenda.

 Muitas vezes nos atemos somente às questões da produção, da viabilidade da atividade e em como fomentar o negócio leite de forma a demonstrar sua competitividade e obter, digamos assim, uma cadeia mais consistente e eficiente. Contudo, não imaginamos os impactos que a melhoria e a sustentabilidade na renda gerada têm sobre a estrutura familiar envolvida.

No caso do Sr. Cleuzir Miguel, o aumento de renda proporcionou uma sensível melhoria na qualidade de vida da casa, permitiu a aquisição de bens materiais, como uma caminhonete, que sempre foi o seu sonho de consumo; o produtor criou também condições de permanecer no campo, vivendo da atividade que gosta e sem a necessidade de arrendar sua fazenda para a produção de grãos como imaginava antes; seu filho André Rezende, que também é seu técnico, pôde verificar tanto na propriedade de sua família quanto com outros produtores que são assistidos por ele, que a atividade leiteira pode ser uma grande promotora de mudanças, de realização pessoal e profissional, despertando nele o interesse por continuar a atividade iniciada pelos pais.

Esse belo filme da vida real teve ainda o final feliz que merecia: com a graça de Deus, o Sr. Cleuzir conseguiu vencer um câncer que o afligia. Obviamente que essa luta não foi vencida pelas melhorias realizadas na atividade leiteira, mas certamente a tranquilidade promovida pela melhoria na renda, pela alegria de ver sua família vivendo em harmonia e de maneira confortável, e a satisfação de poder colher os frutos do seu trabalho certamente ajudaram no enfrentamento da enfermidade, que pôde ser combatida com a serenidade necessária e tão exigida em momentos como este na vida. 

Foto 1.jpg (124 KB)

Foto 2.jpg (114 KB)

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados