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Sanidade

Descubra estratégias para reduzir a incidência da tristeza parasitária bovina

Para mandar a tristeza parasitária bovina embora da sua propriedade, é essencial compreender seus agentes causadores, identificar os fatores de risco, e adotar estratégias eficazes de prevenção e tratamento.

Descubra estratégias para reduzir a incidência da tristeza parasitária bovina

A tristeza parasitária bovina (TPB) é um complexo de doenças causadas por agentes parasitários, conhecidos como hemoparasitas. No Brasil, essa enfermidade é endêmica, comum em regiões tropicais e subtropicais. Seus principais agentes etiológicos são Anaplasma marginale, Babesia bovis e Babesia bigemina. Popularmente, é chamada de “tristezinha”, “mal da boca branca”, entre outros nomes. A TPB pode comprometer severamente a atividade pecuária, acarretando prejuízos financeiros significativos devido aos custos com tratamento, mortes e atraso no desenvolvimento do rebanho. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), os custos relacionados ao tratamento da doença alcançam cerca de 18 bilhões de reais anualmente.

Um fator agravante é o clima brasileiro, caracterizado por temperaturas médias de 27°C e umidade relativa do ar em torno de 70%. Essas condições são ideais para a reprodução e desenvolvimento do principal vetor da doença, o carrapato do boi, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, que tem papel fundamental na propagação da TPB dentro do rebanho e contribui para os prejuízos financeiros.

Nas regiões onde os animais têm contato frequente com os agentes causadores da TPB, pode ocorrer a chamada estabilidade enzoótica, na qual, apesar do contato com os agentes, os animais não adoecem devido ao desenvolvimento de resposta imune que previne casos graves da doença, surtos e mortalidade. Em contrapartida, em áreas onde o carrapato não está presente, a situação pode ser alarmante, pois os animais não desenvolvem resposta imune adequada e são gravemente afetados, podendo levar à morte.

Controlar a doença dentro do sistema de produção é um grande desafio, especialmente porque os animais frequentemente manifestam sinais clínicos em estágios avançados da doença. Portanto, é necessário elaborar estratégias de controle, prevenção e tratamento para minimizar os prejuízos causados pela TPB.

Anaplasma marginale indicado pela seta

Etiologia e epidemiologia

A anaplasmose é uma das doenças do complexo da TPB, causada pela bactéria Anaplasma marginale. A doença se manifesta visualmente como um ponto azul escuro na periferia das células vermelhas do sangue, conforme ilustrado na Figura 1. Sua transmissão ocorre por meio de vetores biológicos, como carrapatos, de maneira mecânica por moscas hematófagas, de forma iatrogênica através do uso compartilhado de materiais como agulhas, e também de forma congênita, da mãe para o feto durante a gestação, o que pode resultar em bezerros prematuros, natimortos e abortos (Tabela 1).


A babesiose, outra doença significativa do complexo, é provocada por protozoários, especificamente Babesia bovis e Babesia bigemina. Essa condição pode afetar bovinos de todas as idades, induzindo anemia, síndrome inflamatória e, em casos graves, levar à morte.

Nos sistemas de produção predominantes, os animais mais suscetíveis são aqueles em fase de recria, após a desmama. Nesse período, são comumente transferidos para piquetes onde ocorre o contato inicial com carrapatos e outros agentes transmissores. Os animais jovens, em torno dos 90 dias de idade, estão entre os mais vulneráveis à doença. Contudo, bovinos adultos também estão em risco e podem apresentar manifestações clínicas da doença em algum momento da vida, influenciadas por fatores como condição geral de saúde, exposição a ectoparasitas e o status imune do indivíduo.

NOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO PREDOMINANTES, OS ANIMAIS MAIS SUSCETÍVEIS SÃO AQUELES EM FASE DE RECRIA, APÓS A DESMAMA

O vetor crucial: o carrapato

No ciclo de vida do carrapato, a Babesia atinge o trato reprodutivo, infectando os ovos por meio da transmissão transovariana. Consequentemente, as larvas dos carrapatos nascem infectadas. No entanto, a capacidade de transmissão da doença por essas larvas não é universal. Especificamente, no caso da Babesia bovis, o agente consegue alcançar as glândulas salivares do vetor ainda na fase larval, o que possibilita a transmissão da doença assim que o vetor se alimenta do sangue do hospedeiro. Já para a Babesia bigemina, apenas as ninfas e os carrapatos adultos têm a capacidade de transmitir o agente.

É importante notar também que a Babesia pode ser transmitida de forma congênita, da mãe para o feto ainda dentro do útero, embora essa forma de transmissão seja mais comum na anaplasmose do que na babesiose.

De maneira similar, o carrapato ingere células sanguíneas infectadas por Anaplasma marginale. Essas células infectadas são transportadas para as células intestinais do carrapato e, posteriormente, para outras células do vetor, incluindo as da glândula salivar. Assim, quando o carrapato se alimenta de um novo hospedeiro, pode transmitir o agente causador da anaplasmose.

Fatores de risco 

Os fatores de risco associados à TPB são influenciados por várias condições, dentre as quais a genética do hospedeiro se destaca. Os bovinos de raças zebuínas demonstram maior resistência aos parasitas e aos vetores da doença, ao passo que as raças de origem europeia tendem a ser mais susceptíveis. A idade do animal também é fator determinante, visto que os mais jovens tendem a apresentar resposta imune mais eficaz à doença em comparação aos mais velhos. Isso se deve, em parte, aos anticorpos recebidos via colostro materno, que conferem proteção inicial contra os agentes infecciosos. Além disso, a capacidade de resposta imune celular nos animais mais jovens é mais rápida e eficiente, com produção acelerada de células sanguíneas para substituir aquelas que foram destruídas, e a presença de hemoglobina fetal, que interfere na multiplicação dos patógenos nas hemácias.

O sistema de criação adotado tem papel significativo no risco de exposição e desenvolvimento da doença. Com a intensificação da pecuária e a melhoria das instalações, muitos animais passam grande parte de suas vidas em confinamento, distantes dos vetores naturais da doença. Essa separação do ambiente natural pode atenuar a eficácia da resposta imune dos animais, tornando-os potencialmente mais vulneráveis a formas graves da doença quando expostos aos agentes transmissores.

OS BOVINOS DE RAÇAS ZEBUÍNAS DEMONSTRAM MAIOR RESISTÊNCIA AOS PARASITAS E AOS VETORES DA DOENÇA, AO PASSO QUE AS RAÇAS DE ORIGEM EUROPEIA TENDEM A SER MAIS SUSCEPTÍVEIS

Sinais clínicos

Dentro do hospedeiro, os agentes causadores da TPB manifestam-se de maneiras distintas, provocando diferentes patologias.
No caso da Babesia bigemina, o agente provoca hemólise intravascular, que é o rompimento das hemácias dentro do leito vascular, resultando em anemia. Esse rompimento libera hemoglobina no sangue, que pode ser detectada nos exames laboratoriais, incluindo a presença de hemoglobina na urina. Com menos hemácias para transportar oxigênio, o organismo do animal adota um metabolismo anaeróbico, levando a acidose metabólica.

Por outro lado, Babesia bovis induz alterações na membrana das hemácias parasitadas, promovendo sua aglomeração e formação de trombos, que podem ocasionar distúrbios de coagulação. O sistema imunológico reconhece essas células alteradas, levando ao seu sequestro e destruição pelo baço, o que também resulta em anemia. A formação de trombos pode obstruir os capilares cerebrais, resultando em hipóxia cerebral e sinais neurológicos característicos da babesiose cerebral.

A anaplasmose, causada pela bactéria Anaplasma marginale, altera as células de maneira que o organismo hospedeiro inicie a produção de anticorpos autoimunes. Isso leva ao sequestro e à destruição tanto das células parasitadas quanto das sadias pelo baço, culminando em anemia e febre. Em gestações, a anemia severa pode comprometer a oxigenação da placenta, induzindo o aborto ou o nascimento de animais prematuros devido à liberação de hormônios como a prostaglandina.

Em resumo, os animais afetados pela TPB podem exibir uma gama de sintomas, incluindo apatia, perda de peso, anemia, febre, acidose metabólica, queda na produção leiteira, emagrecimento progressivo, redução do consumo de alimentos e icterícia (Figura 2), evidenciada pela coloração amarelada das mucosas e do plasma (Figura 3).




Como diagnosticar?

O diagnóstico da TPB requer a integração de diversas informações. Inicialmente, é importante avaliar a situação epidemiológica da propriedade. Deve-se determinar se a propriedade encontra-se em condição de estabilidade ou instabilidade enzoótica, verificar a eficácia da colostragem e a presença de vetores, como moscas e carrapatos.

Em segundo lugar, é fundamental que a avaliação clínica do animal esteja alinhada com os sintomas típicos da doença. Isso inclui observar sinais clínicos que possam indicar a presença da TPB.

Como uma medida confirmatória, o diagnóstico laboratorial desempenha papel complementar. A técnica mais comum envolve a coleta de sangue e a realização de um esfregaço sanguíneo, preferencialmente da ponta da cauda ou da orelha, durante o pico febril do animal. Esse é o momento em que a parasitemia atinge seu ápice, facilitando a visualização e a diferenciação dos agentes causadores da doença. Métodos indiretos, como testes sorológicos, também são úteis, especialmente para avaliar a situação epidemiológica geral da propriedade, embora sejam menos específicos para diagnósticos individuais.

No contexto de mortes, a necropsia é ferramenta diagnóstica valiosa. Aspectos a serem observados incluem o aumento do baço e do fígado, bem como a presença de petéquias no coração. Adicionalmente, o exame de squash cerebral, realizado através da análise de amostras de tecido cerebral em lâmina, é necessário para confirmar casos de babesiose cerebral provocada pela Babesia bovis.

Estratégias de tratamento

O tratamento da TPB deve ser criteriosamente avaliado, especialmente devido à diversidade patogênica dos agentes envolvidos. Para Babesia bovis, o tratamento é aconselhável ao se identificar mesmo uma única célula parasitada em esfregaços sanguíneos. Essa recomendação decorre da baixa parasitemia característica dessa espécie, que tem preferência por vísceras, e sua alta patogenicidade. Já para Babesia bigemina, indica-se o tratamento quando a parasitemia excede 1%.

Para ambos os agentes, o aceturato de diminazene e o dipropionato de imidocarb são medicamentos de escolha. O dipropionato de imidocarb é também eficaz no tratamento da anaplasmose. Contudo, é crucial enfatizar a toxicidade dessas substâncias, exigindo cautela na administração.

No caso específico da anaplasmose, antibióticos como a oxitetraciclina, que apresenta ação bacteriostática inibindo a síntese proteica bacteriana a nível ribossômico, são recomendados. As doses variam de 11 a 22 mg/kg, administradas via intramuscular (IM) a cada 24 horas, durante um período de 5 a 7 dias. Outra opção terapêutica é a enrofloxacina, administrada em dose única de 7,5 mg/kg. É importante notar que derivados de diamidina não são eficazes contra Anaplasma spp., e tanto a oxitetraciclina quanto a enrofloxacina não apresentam atividade contra Babesia spp. Assim, em casos de infecção mista (babesiose e anaplasmose), recomenda-se o uso do dipropionato de imidocarb ou a combinação dos medicamentos mencionados.

Além do tratamento específico, medidas de suporte como fluidoterapia, caso necessário, e transfusão sanguínea podem ser vitais para a recuperação do animal.

O TRATAMENTO DA TPB DEVE SER CRITERIOSAMENTE AVALIADO, ESPECIALMENTE DEVIDO À DIVERSIDADE PATOGÊNICA DOS AGENTES ENVOLVIDOS

Estratégias de prevenção e controle

É importante que os bezerros sejam expostos aos agentes causadores da TPB de maneira controlada, para estimular a produção de anticorpos. A imunidade passiva, adquirida através do colostro, diminui ao longo do tempo, tornando a exposição controlada estratégia importante para manter a imunidade ativa nos rebanhos e prevenir casos graves em animais que possam se infectar pela primeira vez na fase adulta.

Nessa estratégia, o controle estratégico dos carrapatos permite que os animais entrem em contato, mantendo a imunidade sem promover a instabilidade enzoótica. O controle de moscas também é essencial, especialmente para combater a anaplasmose, cuja transmissão não é completamente prevenida apenas pelo controle de carrapatos. Durante períodos chuvosos, quando a população de dípteros hematófagos aumenta, o controle rigoroso de moscas torna-se ainda mais crítico.

A quimioprofilaxia é outra abordagem preventiva. Consiste na aplicação de subdoses de medicamentos como o dipropionato de imidocarb e antibióticos específicos para anaplasmose antes da exposição inicial dos animais aos vetores. Essa prática visa prevenir a manifestação grave da doença, embora requeira cautela para evitar o desenvolvimento de resistência aos medicamentos.

Para a prevenção da babesiose, recomenda-se a utilização de dipropionato de imidocarb na dosagem de 1-3 mg/kg de peso vivo (PV), seguindo as orientações do fabricante. No caso da anaplasmose, são indicadas duas a quatro aplicações de subdoses de tetraciclinas, entre 2-4 mg/kg PV, administradas via intramuscular (IM), em intervalos de 21 dias. Após a administração, os animais devem ser expostos a infestações por carrapatos por, no mínimo, 30 dias, para estimular a imunidade.

Estratégias de monitoramento

A implementação de estratégias de monitoramento diferenciadas é fundamental para reduzir a incidência de formas graves da doença e a mortalidade no rebanho. Existem várias camadas de monitoramento que podem ser adotadas, cada uma com seus méritos e limitações:

  1. Monitoramento visual: A observação atenta dos bezerros para identificar sintomas iniciais, como perda de apetite e perda de peso, é o primeiro passo. Embora útil, essa abordagem por si só pode não ser suficientemente específica para permitir uma intervenção precoce e precisa, pois não permite a diferenciação do agente;
  2. Aferição rotineira da temperatura: Medir a temperatura corporal dos animais regularmente, pelo menos duas vezes por semana, é estratégia eficaz para identificar indivíduos febris, um indicador precoce de infecção. A utilização de gráficos para acompanhar a evolução da temperatura corporal e do hematócrito fornece a base visual para compreender as tendências de saúde do rebanho, ajudando a prever e a responder a surtos da doença com maior precisão. Na maioria dos casos, os animais doentes manifestarão febre antes de qualquer outro sinal clínico da doença, como, por exemplo, a anemia, caracterizada por hematócrito abaixo de 24%, conforme ilustrado no Gráfico 1. A análise das mucosas para sinais de anemia pode complementar esse método. Contudo, sem um diagnóstico definitivo, essa prática pode levar a tratamentos imprecisos.
  3. Diagnóstico por meio de exame direto: A associação da medição da temperatura com a realização de esfregaços sanguíneos em animais com febre (acima de 39,3°C) representa a abordagem mais informativa. Essa combinação permite o diagnóstico acurado, identificação do agente causador e a escolha de um tratamento direcionado, aumentando as chances de recuperação e reduzindo o uso desnecessário de medicamentos.


A implementação dessas estratégias deve ser acompanhada de análise regular dos dados coletados, ajustando os protocolos conforme necessário para responder às dinâmicas de saúde do rebanho.

Conclusão

A TPB é provocada por diversos agentes etiológicos, apresentando sintomas e padrões epidemiológicos similares. Essa doença é endêmica no Brasil, destacando-se o carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus como seu principal vetor. As perdas econômicas para a pecuária brasileira são significativas, incluindo o aumento na taxa de mortalidade, particularmente entre bezerros. Portanto, é essencial desenvolver estratégias eficazes de controle de vetores e de gestão dos fatores de risco para minimizar os prejuízos decorrentes da doença. Nesse contexto, o monitoramento estratégico na fazenda desempenha papel fundamental, ao possibilitar o diagnóstico preciso da TPB e ao auxiliar nas decisões relacionadas ao tratamento e às práticas de biossegurança.





GISLAINE OLIVEIRA GOUVEIA - Graduanda em Medicina Veterinária, EV-UFMG

LUANA TEIXEIRA LOPES - Graduanda em Medicina Veterinária, EV-UFMG

GIAN CARLOS DE OLIVEIRA - Mestrando em Ciência animal, EV-UFMG

ELIAS JORGE FACURY FILHO - Professor Clínica de Ruminantes, EV-UFMG

RODRIGO MELO MENESES - Professor Clínica de Ruminantes, EV-UFMG, Coordenador doGrupo de Estudos em Medicina de Produção (GEMP)




 


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