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Sanidade

Febre Maculosa Brasileira: sintomas e medidas de prevenção

A Febre Maculosa Brasileira é uma doença transmitida por carrapatos, causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, que pode levar a sintomas graves, como febre alta e erupções cutâneas

Febre Maculosa Brasileira: sintomas e medidas de prevenção

Introdução

A Febre Maculosa Brasileira (FMB) é uma zoonose de alta letalidade, capaz de provocar em humanos desde sintomas leves, como dores de cabeça e febre, até quadros sistêmicos graves, caracterizados por hemorragias e necrose de tecidos, podendo resultar em óbito. De notificação obrigatória e relevância para a saúde pública, a FMB é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii que é transmitida pela picada de carrapatos infectados, sendo o Amblyomma sculptum, conhecido popularmente como “carrapato-estrela”, o principal vetor no Brasil. A doença ressurgiu em algumas regiões do Brasil devido ao aumento da população de seus hospedeiros, que migraram para as áreas urbanas, trazendo consigo os principais vetores da enfermidade.

Para compreender a FMB, é essencial englobar o agente causador, o vetor transmissor e os hospedeiros envolvidos. Isso visa promover a conscientização e implementar as ações necessárias para resguardar a saúde coletiva, enfrentando assim esse desafio epidemiológico de maneira eficaz.

O agente

Dentro do complexo da FMB, existem algumas espécies de bactérias, do grupo das rickettsias, responsáveis pela doença em seres humanos. No entanto, a Rickettsia rickettsii é considerada a principal e mais patogênica entre elas. Também conhecida por causar a Febre das Montanhas Rochosas nos Estados Unidos, é responsável por desencadear a forma mais grave da doença. A espécie em questão é encontrada no Brasil principalmente na Região Sudeste, representando ameaça significativa à saúde pública. Descoberta por Howard Taylor Ricketts em 1909, a R. rickettsii é capaz de infectar várias espécies animais, ter grande variedade de vetores e ainda, possuir alto grau de letalidade para seres humanos. Por ser um patógeno transmitido por vetores infectados dos animais para humanos, a preocupação com essa zoonose não começou recentemente. No Brasil, o primeiro caso foi notificado na década de 1920 no estado de São Paulo, e desde então ocorreram diversos surtos ao longo dos anos, levando pesquisadores a estudarem a patogenia e as consequências da infecção. No seu desenvolvimento, R. rickettsii se multiplica nos tecidos dos carrapatos, alcançando suas glândulas salivares e, assim, esses vetores podem transmitir a bactéria ao se alimentarem do sangue de animais. Além disso, a bactéria pode atingir também os órgãos reprodutores dos carrapatos, infectando os ovos e se perpetuando pelas próximas gerações. Alguns hospedeiros vertebrados também desempenham papel fundamental na manutenção da bactéria, infectando novos vetores e mantendo a circulação da bactéria.

 
Figura 1. “Carrapato-estrela” parasitando diferentes hospedeiros A) Carrapato adulto sobre equino B) Carrapatos fêmeas ingurgitadas em vaca C) Ninfa em humano D) Carrapato adulto em humano

O vetor

O “carrapato-estrela” é o principal vetor responsável pela transmissão do agente da FMB, e tem como hospedeiros preferenciais capivaras e equinos. Porém, pode parasitar bovinos e, até mesmo, o homem (Figura 1). Todos os carrapatos obrigatoriamente precisam se alimentar de sangue de algum hospedeiro, e é nesse momento que ocorre a transmissão de agentes causadores de doenças.

TODOS OS CARRAPATOS OBRIGATORIAMENTE PRECISAM SE ALIMENTAR DE SANGUE DE ALGUM HOSPEDEIRO, E É NESSE MOMENTO QUE OCORRE A TRANSMISSÃO DE AGENTES CAUSADORES DE DOENÇAS

Vale ressaltar que no Brasil existem outras espécies de carrapatos que podem atuar como vetores de R. rickettsii, transmitindo a bactéria para seus hospedeiros. Dentre esses, se destacam Amblyomma aureolatum, o “carrapato-amarelo-do-cão” presente principalmente em áreas de Mata Atlântica de altitude, e Rhipicephalus sanguineus sensu lato, o “carrapato-marrom-do-cão”, presente em todo território brasileiro. Ambos parasitam principalmente cães domésticos que tiveram acesso a áreas infestadas e, apesar desses carrapatos serem possíveis vetores da bactéria em condições muito específicas, raramente se alimentam de sangue de seres humanos, diminuindo a possibilidade de transmitirem R. rickettsii.

No geral, os carrapatos possuem quatro estágios de vida: ovos, larvas, ninfas e adultos (machos e fêmeas). As larvas e ninfas do “carrapatoestrela” se alimentam do sangue de hospedeiros, em média, por cinco dias. Já os adultos permanecem em seus hospedeiros de sete a 10 dias. O carrapato precisa ficar fixado por pelo menos quatro horas para que ocorra a transmissão da bactéria. Ressalta-se que, no caso dos seres humanos, os principais estágios do carrapato responsáveis pelo parasitismo e transmissão da bactéria causadora da FMB são as larvas e ninfas. Por não possuírem hospedeiro preferencial e por serem de tamanho pequeno, passam despercebidos no corpo. Estudos demonstram que a fase de ninfa é a mais competente na transmissão de R. rickettsii.

O “carrapato-estrela” completa seu ciclo de vida em aproximadamente um ano. As larvas, os estágios mais jovens, podem ser encontradas principalmente entre os meses de abril a julho, durante as estações de outono/inverno. Já as ninfas, estágios que precedem os adultos, são encontradas principalmente entre julho e outubro, durante o inverno e o início da primavera. Finalmente, os adultos se manifestam principalmente de novembro a março, durante todo o período que compreende as estações da primavera e do verão (Figura 2). Levando em consideração a voracidade dos diferentes estágios e os riscos da transmissão da FMB, é possível afirmar que as estações de inverno e primavera devem ser observadas com atenção, quando há presença maior de larvas e ninfas desse carrapato no ambiente.

 

Os hospedeiros

Os animais vertebrados hospedeiros são aqueles que carregam a bactéria em seus organismos, onde ela consegue se multiplicar e possivelmente infectar os vetores que, nesse caso, são os carrapatos. Para a FMB, várias espécies desempenham esse papel, incluindo capivaras, equinos, cães e até mesmo seres humanos. Entre os animais domésticos hospedeiros da FMB, é importante enfatizar o papel de cães e cavalos. Embora pouco comuns, são comprovados os casos de infecção em cães, infestados por “carrapatos-estrela”, principal vetor da R. rickettsii, e ainda, por Rhipicephalus sanguineus sensu lato, um vetor hábil desse patógeno. Além dos cães, os cavalos também podem se infectar com a bactéria, mas não são capazes de dar continuidade ao seu ciclo a ponto de infectar novos carrapatos vetores. Entretanto, por viverem em pastos e áreas rurais, tornam-se importantes disseminadores desses carrapatos, contribuindo para a distribuição do agente da FMB em outras áreas. O contato frequente de cavalos infestados com carrapatos, tanto com humanos quanto com outros animais, devido a cavalgadas, provas equestres e exposições, pode ser motivo de preocupação.

As capivaras são os mais conhecidos hospedeiros da R. rickettsii, principalmente, por não aparentarem estar doentes e serem considerados “amplificadoras” da bactéria. Ou seja, na primeira vez que entram em contato com as rickettsias (normalmente quando ainda são filhotes), essas conseguem se multiplicar nas capivaras a ponto de infectar novos carrapatos. Após o período de duas semanas da infecção, as capivaras adquirem resistência à bactéria. Por isso, é importante manter o seu controle populacional, pois quanto mais filhotes, maior será a propagação da bactéria para carrapatos vetores. É importante destacar que em regiões periurbanas, próximas a parques e florestas (Figura 3), existe a possibilidade de encontro entre humanos com animais silvestres, representando grande risco de transmissão da FMB.

No contexto da FMB, é fundamental entender a distribuição das capivaras no país. Esses grandes roedores são encontrados em muitas partes do Brasil, especialmente nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste, onde há biomas como o Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. O contato entre capivaras e humanos ocorre principalmente devido ao desequilíbrio ambiental causado por desmatamento, queimadas e urbanização. As mudanças no ambiente levam as capivaras a se adaptarem a áreas próximas das cidades e fazendas, fazendo com que os humanos fiquem mais expostos aos carrapatos transmissores da bactéria causadora da FMB. Desta maneira, o homem acaba sendo hospedeiro acidental para a doença.



Figura 3. Presença de capivaras em ambiente periurbano. Lagoa da Pampulha - Belo Horizonte (MG), 2013 Foto: Daniel Sobreira Rodrigues

Controle e prevenção

A FMB gera grande preocupação em ambientes urbanos onde estão presentes o agente, os vetores e os hospedeiros amplificadores da bactéria. Na zona rural, a doença também representa risco significativo para os trabalhadores que têm contato com os carrapatos vetores em áreas onde R. rickettsii está presente. Nesse contexto, a implementação de medidas preventivas, especialmente o controle das populações de carrapatos, é essencial para minimizar seus impactos.

O sucesso no controle e prevenção da FMB está vinculado a três cenários: vigilância e monitoramento de áreas de risco, controle de vetores e adoção de medidas individuais de prevenção. Em primeiro lugar, a vigilância e o monitoramento das áreas de risco são incumbência, principalmente, das autoridades públicas, por meio de ações como a vigilância epidemiológica e a vigilância ambiental. Nesse contexto, ocorre a atuação nas regiões afetadas pela doença, como áreas urbanizadas (parques, trilhas ecológicas e fazendas), incluindo a implementação de intervenções diretas nos animais, como as capivaras. Essas medidas têm objetivo primordial: impedir a proliferação das capivaras.

Na sequência, são de fundamental importância as iniciativas de controle dos vetores, que podem alcançar grande eficácia quando direcionadas a animais domésticos. A principal abordagem para combater carrapatos em cavalos e cães envolve o uso de carrapaticidas sob a supervisão de Médicos Veterinários, com estratégias integradas com o ambiente. Sem dúvida, pode-se considerar que a principal medida preventiva para a FMB é evitar o contato com carrapatos. Como mencionado anteriormente, o carrapato precisa se alimentar de sangue para se desenvolver, porém, esse processo requer algum tempo desde o primeiro contato até o início da ingestão de sangue. Dessa forma, a inspeção detalhada e criteriosa pelo corpo após o contato com ambientes notadamente infestados por carrapatos pode ser o suficiente para evitar a infecção, principalmente durante as estações de primavera e inverno, que são os períodos de maior risco da ocorrência da FMB. Caso carrapatos sejam encontrados no corpo, devem ser removidos imediatamente com o auxílio de pinça, retirando-os o mais próximo possível da pele, evitando apertá-los ou esmagá-los entre os dedos.

NA ZONA RURAL, A DOENÇA TAMBÉM REPRESENTA RISCO SIGNIFICATIVO PARA OS TRABALHADORES QUE TÊM CONTATO COM OS CARRAPATOS VETORES EM ÁREAS ONDE R. RICKETTSII ESTÁ PRESENTE

SEM DÚVIDA, PODE-SE CONSIDERAR QUE A PRINCIPAL MEDIDA PREVENTIVA PARA A FMB É EVITAR O CONTATO COM CARRAPATOS

Para prevenir o contato com carrapatos, é necessário utilizar botas e roupas que cubram todo o corpo, de preferência em cores claras. Isso facilitará a visualização dos carrapatos e evitará que tenham acesso à pele. Além disso, é possível utilizar repelentes, sendo o mais eficaz aquele que contém o composto DEET em sua fórmula, comumente usados contra mosquitos. Esses repelentes são seguros para a saúde humana e facilmente encontrados em farmácias. Combinando duas ou mais medidas preventivas, é possível reduzir o contato com carrapatos e, consequentemente, a transmissão da bactéria causadora da FMB.

Caso frequente áreas suspeitas ou com casos confirmados de FMB, é importante ficar atento a sintomas como febre, dores no corpo, dores de cabeça, vômitos, diarreia e manchas avermelhadas na pele, que possam surgir aproximadamente sete dias após o contato. Devido à rápida progressão e à gravidade dessa doença, é fundamental buscar atendimento médico imediatamente e informar aos órgãos competentes sobre o contato com carrapatos e/ou presença de capivaras e cavalos na área.


SE LIGA: DEET, ou N,N-Dietil-meta-toluamida, é um composto químico usado como ingrediente ativo em muitos repelentes de insetos. É eficaz na prevenção de picadas de insetos, reduzindo a probabilidade de transmissão de doenças causadas por esses vetores. O DEET funciona interferindo nas habilidades dos insetos de detectar o cheiro do hospedeiro humano, tornando-os menos propensos a se aproximarem e picarem.

PARA PREVENIR O CONTATO COM CARRAPATOS EM ÁREAS DE RISCO, É NECESSÁRIO UTILIZAR BOTAS E ROUPAS QUE CUBRAM TODO O CORPO, DE PREFERÊNCIA EM CORES CLARAS



JOÃO PAULO SOARES ALVES - Pós-graduando em Ciência Animal, EV/UFMG
GABRIEL RESENDE SOUZA - Pós-graduando em Ciência Animal, EV/UFMG
FELIPE MENDES CONSTANTINO - Graduando em Medicina Veterinária, UNIFEMM
LORENA LOPES FERREIRA - Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG
JÚLIA ANGÉLICA GONÇALVES DA SILVEIRA - Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG
DANIEL SOBREIRA RODRIGUES - Pesquisador, EPAMIG
CAMILA DE VALGAS E BASTOS - Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária/UFMG

 


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