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Nutrição

Impacto das estratégias de aleitamento no sucesso da criação de bezerras

Impacto das estratégias  de aleitamento no sucesso da criação de bezerras

Texto: Bruna F. Silper, Sandra Ga. Coelho, Antônio U. de Carvalho

Com a intenção de reduzir os custos e estimular o consumo de concentrado, é frequente o fornecimento de leite ou sucedâneo em quantidades restritas, em torno de 4 litros/dia, o que equivale a aproximadamente 10% do peso do bezerro nas primeiras semanas de vida. No entanto, trabalhos de pesquisa têm mostrado que o fornecimento de maiores volumes de leite ou sucedâneo resultam em maiores taxas de ganho de peso, em maior peso ao desaleitamento e em maior eficiência alimentar.

 

Introdução

A criação de bezerras para reposição em rebanhos leiteiros é uma etapa de grande desafio para os produtores e técnicos em função da grande ocorrência de doenças e altas taxas de mortalidade, principalmente nos primeiros meses de vida. Aos gastos com medicamentos e perda de animais somam-se os custos de alimentação, que são altos devido à dieta líquida.

Com a intenção de reduzir os custos e também de estimular o consumo precoce de alimentos sólidos, é frequente o fornecimento de leite ou sucedâneo em quantidades restritas, em torno de 4 litros/dia, o que equivale a aproximadamente 10% do peso do bezerro nas primeiras semanas de vida. Esse volume restrito também se deve à crença de que o fornecimento de maior quantidade de leite causa aumento na incidência de diarreias. No entanto, várias pesquisas não têm relatado este efeito. Nesses trabalhos, observa-se que a ocorrência de diarreia é maior na segunda semana de vida, mas que elas ocorrem com incidência semelhante entre diferentes estratégias de aleitamento. A maior ingestão de líquidos pode reduzir a consistência das fezes, mas não necessariamente indica diarreia. As condições sanitárias e de manejo, provavelmente, são mais importantes como fatores predisponentes para diarreias em bezerros que a quantidade de leite oferecida.

 

Consumo de leite

Em 2002, os pesquisadores canadenses Jasper e Weary, estudando o comportamento de bezerras, forneceram a um grupo leite à vontade em alimentadores automáticos, e ao outro grupo, 10% do peso corporal em leite, até 42 dias de idade.  O consumo médio foi de 8,8 L/dia quando fornecido à vontade contra 4,9 L/dia quando fornecido a 10% do peso do bezerro. A ingestão de leite no grupo à vontade foi de até 11L/dia aos 23 dias de idade. O ganho de peso durante o aleitamento foi de 780 g/dia no grupo à vontade e 480 g/dia no grupo 10%, mostrando o potencial para maior ganho de peso na fase de aleitamento. Além disso, estes pesquisadores mostraram que, apesar do menor consumo de concentrado durante o aleitamento no grupo que recebeu leite à vontade, esse consumo e o ganho de peso não foram diferentes após a desmama.

Outros pesquisadores realizaram trabalhos para avaliar o efeito do fornecimento de leite em maior quantidade apenas em um primeiro momento do aleitamento, com consequente redução da quantidade fornecida. As estratégias utilizadas foram: (1) fornecimento de leite a 20% do peso corporal até 23 dias, redução gradual para 10% do peso do bezerro durante quatro dias e manutenção do fornecimento a 10% até 45 dias ou (2) fornecimento de leite a 10% do peso do bezerro até 45 dias. A primeira estratégia foi denominada “step-down”, remetendo à descida de degraus no fornecimento de leite. Esses autores observaram maior consumo de concentrado e ganho de peso no grupo submetido à primeira estratégia durante a fase de aleitamento e após a desmama. Esses resultados demonstram que o fornecimento de maior quantidade de leite nas primeiras semanas permitiu bom desenvolvimento dos animais, e que a redução de volume influenciou positivamente o consumo de concentrado e, consequentemente, o ganho de peso. Os autores relataram também que o desenvolvimento do rúmen, considerando aspectos como peso de pré-estômagos, densidade e comprimento de papilas, e espessura da parede do rúmen, foram maiores no grupo em “step-down”.

Esses dois estudos mostraram que os bezerros têm grande capacidade de ganho peso se forem melhor alimentados; que o maior volume de leite fornecido não restringe o consumo de alimentos sólidos e o desenvolvimento do rúmen; e ainda que o ajuste da quantidade de leite fornecida a medida que o bezerro ganha peso e cresce, é importante para manter o aporte de nutrientes durante o crescimento.

No entanto, apesar de ser muito importante, ajustar o volume de leite dos bezerros a medida que crescem, é um manejo difícil de ser implantado no dia a dia da fazenda, uma vez que o tratador teria que fornecer volumes diferentes a cada um dos bezerros. 

A partir desses trabalhos, vários outros têm sido realizados, objetivando uma nova estratégia de alimentação, intermediária entre os 4 L/dia tradicionalmente fornecidos e o fornecimento de leite à vontade, objetivando atingir a meta de dobrar o peso ao nascimento até os 60 dias de idade, reduzir a mortalidade e morbidade, e tornar essa fase economicamente viável.

Dados brasileiros

Entre setembro de 2010 e março de 2011 foi realizado na Escola de Veterinária da UFMG, com financiamento da FAPEMIG, um experimento para avaliar os efeitos de três estratégias de aleitamento sobre o desempenho de bezerros Holandeses até 90 dias de idade. Foi fornecido sucedâneo de leite (Lacthor, da Tortuga) nas seguintes estratégias:

- 4L-60d: quatro litros (500 g) de sucedâneo/dia até 60 dias de idade.

- 6L-29d/4L-60d: seis litros (750 g) de sucedâneo/dia até 29 dias de idade e quatro litros (500 g) de sucedâneo/dia de 30 a 60 dias de idade.

- 6L-60d: seis litros (750 g) de sucedâneo/dia até 60 dias de idade.

O sucedâneo (22,5% PB; 17,0% gordura) foi diluído para 12,5% de sólidos (1 kg de sucedâneo para obter oito litros de produto preparado). A quantidade determinada em cada tratamento foi divida em dois fornecimentos de igual quantidade/dia. Os bezerros receberam ainda água e concentrado farelado (20%PB) à vontade desde o primeiro dia de vida. O desaleitamento foi feito de forma abrupta aos 60 dias de idade e os animais foram mantidos até 90 dias de idade. Utilizou-se uma instalação do tipo “bezerreiro argentino”, que consiste em deixar os bezerros presos por uma corrente a um cabo de aço ou arame, livres para correr de uma ponta a outra, com acesso a sombra em uma extremidade e cochos de alimentação e água na outra (Figura 1).

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Como o experimento foi realizado no período mais chuvoso do ano, os bezerros foram submetidos aos mesmos desafios que passariam nas fazendas nesta época, que são: muita chuva, formação de barro, estresse por frio e calor, dependendo do momento do dia, e exposição a ventos.

Devido a esse alto desafio e aos quadros de diarreia, que atingiram todos os bezerros na segunda semana de vida, independente da estratégia de aleitamento, a ingestão de sucedâneo foi menor do que a quantidade fornecida, em todos os grupos, nessas semanas. O grupo que recebeu 4L/dia consumiu, em média, 3,8 L/dia, contra 5,2L/dia dos animais que receberam 6 L/dia.  Os bezerros doentes têm menor apetite e forçar a ingestão do leite ou sucedâneo é prejudicial à sua recuperação. Deve-se respeitar sua vontade, mas assegurar adequada hidratação oral, higiene e o uso de drogas antimicrobianas em casos de febre ou apatia. Alternativas como reduzir a diluição do sucedâneo ou aumentar o número de fornecimentos por dia, para os animais doentes, podem garantir a ingestão da quantidade adequada de nutrientes. 

O consumo de concentrado no primeiro mês foi pequeno, e igual em todos os grupos (tabela 1), assim como observado em outras pesquisas, que mostram que somente no segundo mês os bezerros são capazes de ingerir concentrado em quantidade suficiente para suprir suas necessidades energéticas. Isso reforça a importância do fornecimento de maior volume de leite ou sucedâneo que os convencionais 4 L/dia no primeiro mês.

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Era esperado, a partir do primeiro mês, um maior consumo de concentrado no grupo 6L-29d/4L-60d, devido à redução na quantidade de sucedâneo oferecida, o que não ocorreu. Este fato foi relacionado ao pequeno consumo no primeiro mês, que não estimulou o desenvolvimento ruminal de forma suficiente para permitir aumento expressivo do consumo, quando o fornecimento de sucedâneo foi reduzido.

Após o desaleitamento abrupto, aos 60 dias, o consumo de concentrado aumentou bastante, e foi também igual entre os grupos (tabela 1e figura 2). Ou seja, o fornecimento de maior quantidade de sucedâneo, durante todo o período de aleitamento, não prejudicou o consumo de concentrado em nenhum dos momentos avaliados.

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Em todos os grupos, o ganho de peso no primeiro mês foi inferior ao que seria esperado de acordo com o NRC (2001) (tabela 2), devido ao estresse térmico e à ocorrência de doenças, que levam à utilização dos nutrientes ingeridos para enfrentar o desafio e para o desenvolvimento de resposta imunológica (figura 3).

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É interessante observar que o ganho de peso foi aproximadamente três vezes maior nos grupos 6L-29d/4L-60d e 6L-60d que no grupo 4L-60d, sendo que a estratégia de aleitamento forneceu apenas 50% a mais de sólidos/dia. Como a ingestão de concentrado foi a mesma, independente da estratégia de aleitamento, além de muito pequena nesta fase, é possível afirmar que a eficiência de ganho de peso com o fornecimento de seis litros de sucedâneo/dia foi maior do que aquela com o fornecimento de quatro litros/dia. Ou seja, a eficiência de conversão alimentar em bezerros aumenta quando mais leite ou sucedâneo é fornecido.

Um grande desafio dos sistemas de fornecimento de maior quantidade de leite ou sucedâneo é manter esta vantagem de peso após a desmama, que é importante por reduzir a idade à puberdade e ao primeiro parto, aumentando os dias produtivos do animal no rebanho. No entanto, o estresse gerado pelo agrupamento dos animais e também pela mudança de dieta e manejo contribui para a redução da taxa de ganho de peso após a desmama. Neste experimento, os bezerros foram mantidos individualizados, na mesma instalação, e com mesmo manejo e concentrado por 30 dias após a desmama. Este manejo certamente contribuiu para a obtenção das taxas de ganho de peso apresentadas.

Em fazendas comerciais, em função do tamanho dos bezerreiros, é difícil manter os bezerros individualizados por muito tempo após a desmama, mas esta medida deveria ser adotada por, pelo menos, 14 dias. Além disso, a formação de grupos pequenos de animais desmamados na mesma data, e o fornecimento do mesmo concentrado do período de aleitamento, resulta em melhor desempenho dos bezerros.

O fornecimento de seis litros de sucedâneo durante os 60 dias de aleitamento fez com que os bezerros apresentassem peso 10% maior à desmama e 13% maior aos 90 dias de idade quando comparados aos demais (tabela 4 e figura 4).

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Parâmetros como peso dos pré-estômagos e abomaso, proporção de cada estômago em relação ao peso total, comprimento de papilas e avaliação do epitélio ruminal, pH, concentração de ácidos graxos voláteis (AGV) e nitrogênio amoniacal, peso de fígado, baço e pâncreas,  concentrações plasmáticas de glicose, IGF-1, insulina, e ácidos graxos não esterificados foram analisados, não sendo observadas grandes diferenças entre os grupos.

Durante a fase de aleitamento (tabela 5), o custo total foi maior nos grupos 6L-29d/4L-60d e 6L-60d, devido à maior quantidade de sucedâneo fornecida. O consumo de concentrado foi pouco significativo no custo total de alimentação nesta fase. O custo por kg de peso ganho, no entanto, foi aproximadamente 11% menor no grupo 6L-60d em relação aos demais. Esse menor custo foi consequência do maior ganho de peso, e mesmo com maior custo total, devido ao maior consumo de sucedâneo, o resultado econômico foi favorável.

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Conclusões

O fornecimento de 6 L de sucedâneo/dia resultou em maior taxa de ganho de peso, e em maior peso ao desaleitamento e no final do período de 90 dias, sem redução no consumo de concentrado e no desenvolvimento dos pré-estômagos, além de produzir o menor custo por kg de peso ganho.

O fornecimento de seis litros no primeiro mês e quatro no segundo, na estratégia utilizada no trabalho, não foi economicamente viável, uma vez que resultou em ganho de peso semelhante e maior custo que o fornecimento de quatro litros durante os 60 dias.

O objetivo de um adequado manejo de criação de bezerras é a produção de bons animais para reposição do rebanho e a redução da idade ao primeiro parto, com o menor custo possível. Além dessas vantagens, outras, como melhor saúde e imunidade e ainda possível ganho em produção de leite nas lactações futuras, também têm sido relatadas em trabalhos de pesquisa. Esses ganhos, certamente, justificam um melhor manejo alimentar para as bezerras.

 

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