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Manejo, Sanidade

Leptospirose em bovinos leiteiros: controle e prevenção

Nos sistemas de produção de leite, a famosa doença do rato não é predominantemente transmitida pelo roedor. Conheça as fontes de contaminação e proteja seu rebanho contra a emergente e alarmante leptospirose.

Leptospirose em bovinos leiteiros: controle e prevenção

COMO VIVEM? 

As bactérias causadoras da leptospirose pertencem a diferentes espécie e sorotipos do gênero Leptospira sp. Esses microrganismos se destacam pela capacidade de sobrevivência por longos períodos em ambientes quentes e úmidos – condição presente na maior parte do país – e por causarem grande preocupação nos sistemas de produção, especialmente no contexto atual de aumento da prevalência nos rebanhos bovinos. 

Estudos feitos na década de 70 descreviam prevalência de cerca de 21%. Já nas décadas de 80 e 90, foram reportados 50 a 70% de animais soropositivos e trabalhos mais recentes já relatam cerca de 80% de indivíduos positivos nos rebanhos. Mas, por que o aumento da prevalência é tão alarmante? 

Primeiramente, a leptospirose é uma zoonose cosmopolita, altamente distribuída e de grande importância, por ser responsável por mais de um milhão de casos no mundo, anualmente. No Brasil, entre 2010 e 2020 foram registrados quase 40 mil casos da doença, embora seja estimado que esse número possa ser bem maior, devido à subnotificação. 

A alta prevalência preocupa também os produtores de leite no Brasil, uma vez que a doença causa grandes perdas econômicas associadas a abortos, falhas reprodutivas, nascimento de bezerros fracos, morte de bezerros jovens e queda da produção leite. É difícil imputar os prejuízos financeiros decorrentes de um caso de leptospirose, porém, uma pesquisa feita na França atribuiu o custo de 100 a 2.000 dólares a cada caso de aborto. O problema maior é que o custo da manifestação silenciosa da doença, a mais comum, ainda não foi estimado. 

A transmissão da leptospirose ocorre por meio do contato direto da pele (íntegra ou lesada) ou mucosa com secreções, água ou alimentos contaminados. É importante salientar que além da urina, as secreções genitais exercem papel fundamental na transmissão da doença, o que permite rápida distribuição no rebanho a partir do primeiro animal infectado. 

O leite de animais em fase aguda da infecção também pode ser fonte de contaminação, especialmente para os colaboradores que mantêm contato direto com o produto. Por isso, a leptospirose também é considerada uma doença de caráter ocupacional, tendo sido reportada em trabalhadores de frigoríficos e propriedades leiteiras, estudantes e professores das áreas agrárias. 

Imagem 1. Animais confinados têm maiores chances de contato direto com os patógenos eliminados na urina.

ONDE HABITAM? 

No primeiro momento pós-infecção, as leptospiras infectam alguns órgãos, como fígado, baço e meninges, e multiplicam-se rapidamente nos espaços intersticiais, principalmente no sangue do animal infectado, fenômeno denominado leptospiremia, que caracteriza a fase aguda da infecção. A presença dessa bactéria na corrente sanguínea pode provocar lesões mecânicas no endotélio de pequenos vasos, com extravasamento sanguíneo para os tecidos, gerando áreas de hemorragia, aparecimento de trombos e possível bloqueio do aporte sanguíneo em alguns tecidos.

Aproximadamente duas semanas após a infecção, começam a ser liberados anticorpos específicos na corrente sanguínea. Com isso, é reduzida – ou, eventualmente cessada – a leptospiremia e eliminação da bactéria na maioria dos órgãos afetados. Todavia, as leptospiras alojadas em regiões protegidas do sistema imune, com destaque para os rins e o trato genital, permanecem ativas por longos períodos, tornando o animal portador e possível fonte de contaminação para o rebanho. 

Os sinais clínicos da leptospirose variam de acordo com a fase de infecção e, principalmente, com o sorovar envolvido. Em bovinos, a manifestação predominante é o aborto, que pode ocorrer em qualquer fase da gestação, embora seja mais comum no terço final. Também podem ser observados: redução na taxa de crescimento, repetição de cio, natimortos e nascimento de bezerros fracos. 

Os quadros de mastite provocados pela leptospirose estão associados à alteração da coloração do leite para amarelado (semelhante ao colostro) ou avermelhado, devido ao extravasamento e/ou presença de coágulos de sangue. Além disso, ainda podem ser observadas pequenas áreas de hemorragia e flacidez no úbere da vaca.  

COMO DETECTAMOS? 

Os sinais clínicos da leptospirose em bovinos são comuns a outras doenças, por isso, é importante realizar a associação entre achados clínicos, epidemiológicos (baixa eficiência reprodutiva, casos suspeitos com as estações de maior índice pluviométrico, etc) e, principalmente, resultados dos exames laboratoriais. 

Os principais testes laboratoriais utilizados para o diagnóstico de leptospirose em bovinos são a identificação direta, por visualização das leptospiras em microscópio de campo escuro, e os testes sorológicos: soroaglutinação microscópica (SAM) e ELISA. Outros métodos incluem o isolamento e a detecção molecular (PCR).

A soroaglutinação microscópica (SAM) é um dos exames mais utilizados e considerado o padrão ouro, por possuir alta especificidade. Essa técnica consiste na reação entre antígenos encontrados na superfície das leptospiras e os respectivos anticorpos, sendo observada aglutinação, quando positiva. Entretanto, é necessário se atentar ao período de vacinação do bovino testado, já que pode haver reação cruzada com a vacina e, por consequência, resultado falso-positivo. Para um diagnóstico mais preciso, é recomendado realizar a sorologia pareada, que consiste em testar os animais selecionados e repetir o teste, nos mesmos animais, após 21 a 30 dias, como forma de avaliar se houve infecção recente.  

COMO CONTROLAMOS?

Em bovinos, o tratamento contra essa enfermidade é pouco realizado, sendo indicado, principalmente, nos casos de surtos e animais com sinais clínicos. As leptospiras são sensíveis a diversos antibióticos, contudo, estreptomicina e di-hidroestreptomicina são os mais usados, devido à boa perfusão e excreção renal. A antibioticoterapia é a única forma de eliminar os animais portadores renais (fontes de contaminação) do rebanho. No entanto, são necessárias altas doses dos medicamentos e a possibilidade de muitos animais portadores pode tornar esse manejo caro e inviável. 

No que tange ao controle e à prevenção da leptospirose em bovinos, o ponto chave é a vacinação. É importante salientar que a vacina não impede a infecção e não atua em animais portadores renais, mas age na diminuição de manifestações clínicas, como problemas reprodutivos, mastites, entre outros. 

Em caso de identificação ou suspeita da doença, todos os animais com mais de 4 meses de idade devem ser alvos da vacinação. A dose de reforço deve ser administrada entre 30 e 40 dias após a primeira, com revacinação semestral. Esse intervalo pode ser menor em rebanhos que apresentam cenário alarmante, conforme avaliação frequente e validação por especialista em sanidade. 

Em planteis abertos, o produtor deve estar atento à entrada de soropositivos. Para tanto, é recomendada a testagem prévia de todos os animais. Em rebanhos controlados, pode ser possível realizar a revacinação em intervalos maiores ou nos animais em período reprodutivo, cerca de 45 dias pós-parto de vacas e 30 dias pré-inseminação de novilhas. Porém, para essa adaptação de estratégia, é preciso ter em mente que a propriedade deve ser particularmente avaliada.

A definição do intervalo diante da caracterização do desafio é fundamental, uma vez que a imunidade decorrente da vacina contra Leptospira sp. é muito variável. Nesse sentido, o diagnóstico dos sorotipos envolvidos é a melhor estratégia para a escolha da vacina, já que nem todas incluem proteção contra os sorotipos presentes em alguns rebanhos. Atualmente, a maior parte das vacinas contempla também outras doenças reprodutivas, como IBR, BVD e campilobacteriose, o que pode reduzir a concentração de antígeno específico e o potencial de estímulo do sistema imune contra as leptospiras. 

As práticas de biosseguridade devem estar presentes em qualquer rebanho, para prevenir e combater qualquer enfermidade. Associados aos demais fatores, são de extrema importância os manejos: não compartilhamento de pastagens entre diferentes espécies de animais; monitoramento constante do rebanho; testagem de animais adquiridos, antes que sejam incorporados ao plantel; rotação de piquetes maternidade ou higienização e desinfecção de baias maternidade; segregação entre animais jovens e mais velhos, quando possível, dentre outros cuidados sanitários gerais.  

Por ser um agente bem distribuído no território nacional e emergente, principalmente com a migração dos sistemas de produção para modelos mais intensivos, o alerta para a leptospirose deve permanecer fortemente acionado. A implementação e o aprimoramento das práticas de biosseguridade não podem ser interrompidos e, ao menor sinal de complicações, a intervenção rápida e estratégica pode livrar o rebanho do surto da doença e o produtor do rombo nos caixas da atividade.


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