Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Manejo

Manejo da vaca parturiente - Intervenções obstétricas

Manejo da vaca parturiente - Intervenções obstétricas

Texto: Valentim Gheller, Luciana Faria de Oliveira, Kilder Alves Arantes

foto ini?cio mate?ria.jpg (935 KB)

A ocorrência de distocias em bovinos será sempre um evento que exige decisões rápidas e corretas para minimizar os prejuízos advindos de complicações no trabalho de parto. É possível prevenir grande parte deste prejuízo, fato que aumenta a importância de uma adequada decisão e conduta do veterinário, preservando a vaca, o bezerro e a fertilidade da matriz, quando possível. O monitoramento constante durante o parto permite pronta intervenção, quando necessário.

Introdução

Os principais impedimentos para o nascimento de bezerros viáveis, e a transição gradual da vaca para a lactação, são a distocia e a mortalidade perinatal dos bezerros. A distocia é definida por alguns autores como parto dificultoso, que necessita intervenção humana. Já mortalidade perinatal pode ser definida como morte do bezerro antes ou durante o parto, ou até 48 horas pós-parto, após uma gestação de, no mínimo, 260 dias. Esta definição de mortalidade perinatal não faz distinção entre as diferentes causas da morte. Segundo um estudo irlandês, em 90% dos casos de mortalidade perinatal, os bezerros nasceram vivos e morreram no processo do parto. Portanto, assim como ocorre com a distocia, é possível prevenir grande parte deste prejuízo, fato que aumenta a importância de uma adequada conduta do veterinário durante o trabalho de parto, preservando a vaca, o bezerro e a fertilidade da matriz, quando possível.

Este artigo tem por objetivo a descrição dos fatores de risco para distocia e mortalidade perinatal, como prevenílas a um nível razoável, e os métodos de intervenção obstétrica nos casos necessários.

 

Fatores de risco

Distocia

Há uma grande diferença nos fatores de risco de distocia para vacas primíparas e pluríparas. As vacas de primeiro parto podem ter até três vezes mais distocias do que as pluríparas; além disso, os fatores causadores mais comuns são diferentes entre estas duas classes. As primíparas podem ter dificuldade de parir por incompatibilidade feto-pélvica, estática fetal anormal ou dilatação incompleta do canal do parto. Em pluríparas, fatores como gestação gemelar, inércia uterina e torção uterina, além dos demais já citados, ocorrem com maior freqüência nas distocias.

A incompatibilidade feto-pélvica ocorre mais frequentemente com fêmeas (especialmente novilhas) cuja área pélvica é efetivamente pequena para a passagem de um feto de tamanho normal, mas pode ocorrer com fetos absolutamente grandes. Fatores como a nutrição no final da gestação, o touro escolhido, a raça, o sexo do bezerro e a duração da gestação afetam o tamanho do feto e podem causar distocias. Já a área pélvica pequena pode ser consequência do peso à inseminação, e idade, peso e condição corporal no parto. Por isso, é indicado selecionar novilhas para início da vida reprodutiva pelo peso, idade e área pélvica.

Exostoses ósseas também podem atrapalhar o bom andamento do parto. Assim, a palpação retal (antes do parto, durante exame físico de rebanho) e vaginal (durante o parto, no exame obstétrico) deve avaliar a integridade e regularidade da via fetal óssea.

A apresentação, posição e postura do feto constituem a estática fetal. Partos fisiológicos ocorrem quando o feto se encontra na apresentação anterior, posição dorso-sacral e postura com membros estendidos. Outras estáticas podem causar distocias, e devem ser retificadas à medida que apresentam dificuldades para a expulsão fetal. É importante salientar que, normalmente, o útero se encarrega de posicionar corretamente o feto. Entretanto, quando há gestação gemelar, ou o feto é muito grande, esta ação do útero é dificultada.

A dilatação incompleta da vulva ou da cérvix pode ocorrer em vacas primíparas ou pluríparas. Nas primeiras, ocorre principalmente por estresse ambiental (que dificulta a liberação e ação dos hormônios que levam ao parto) ou assincronia hormonal entre progesterona e estrógeno próximo ao parto. Por outro lado, a dilatação incompleta do canal mole do parto em pluríparas ocorre tanto pelo estresse perinatal como pelos partos prematuros, sem a devida preparação pela qual a cérvix e a vulva devem passar.

A inércia uterina é um fator de risco para a distocia, pois a força de expulsão do útero é imprescindível para o parto fisiológico. Baixas concentrações de cálcio plasmático na época do parto podem contribuir para a inércia uterina primária (bem como para outros distúrbios, como a febre vitular, por exemplo). Idade avançada, debilidade, falta de exercício e parto prematuro são outros fatores de risco para a inércia uterina primária. Adicionalmente, vacas em trabalho de parto demorado e laborioso podem desenvolver inércia uterina secundária, devido à exaustão da musculatura do útero.

 

Mortalidade perinatal

Praticamente todos os rebanhos sofrem com a mortalidade perinatal. No entanto, alguns poucos apresentam uma prevalência considerada alta (acima de 15%). A mortalidade perinatal se divide didaticamente em dois grupos: a que ocorre de maneira generalizada entre os partos, e a mortalidade ligada a partos distócicos, essa de maior importância.

A mortalidade perinatal generalizada pode ocorrer em surtos de diarréia, manejo inadequado de colostro, e outras condições que afetam a capacidade da vaca e/ou dos trabalhadores de cuidarem adequadamente dos bezerros recém-nascidos. Já a mortalidade de bezerros ligada às condições do parto está relacionada principalmente com o grau de dificuldade do parto. Quando este é demorado e realizado sem assistência veterinária, ou a intervenção é inadequada (muito cedo ou muito tarde), a viabilidade do feto diminui. Daí a importância do conhecimento das técnicas, manobras, e tempos adequados de intervenção obstétrica em bovinos.

Partos eutócicos também podem ocasionar esporadicamente mortalidade perinatal. Isso ocorre principalmente em partos prematuros, bezerros com alterações congênitas, nutrição inadequada da fêmea gestante, intoxicações, acidentes, e outros fatores que afetem significativamente a viabilidade do produto.

 

Trans-parto

O monitoramento constante durante o parto permite pronta intervenção, quando necessária. Como os partos acontecem o ano inteiro, e muitas vezes durante a madrugada, o médico veterinário deve garantir o treinamento adequado da equipe da fazenda. Os funcionários devem ter noções de cuidados pós-natais com o bezerro (descritos mais a frente), o que evitar fazer durante um parto e quando chamar o veterinário. A análise individual das vacas parturientes (pelvimetria, escore de condição corporal, histórico de distocia) e funcionários adequadamente treinados reduz significativamente a incidência de distocia em uma propriedade.

A prevenção da distocia traz, por si só, bons resultados na diminuição da mortalidade perinatal. No entanto, há medidas adicionais que reduzem ainda mais a quantidade de bezerros perdidos. Uma avaliação sanitária do rebanho é necessária, incluindo as principais doenças reprodutivas da região. A escolha do touro com facilidade de parto melhor pode levar a menor mortalidade dos bezerros. Durante a prenhez, a matriz deve ser resguardada de contaminantes agrícolas, plantas tóxicas e demais agressões.

A condição corporal da vaca gestante deve ser avaliada segundo o escore já definido (1-5), para determinar se a intervenção nutricional será necessária durante o terço médio da lactação. Os alimentos fornecidos às matrizes no terço final da gestação devem estar devidamente balanceados para o crescimento fetal, de forma a evitar fetos subnutridos ou excessivamente pesados.

O parto deve ser, sempre que possível, monitorado. No entanto, monitoramento não significa assistência e intervenção, mas sim saber se o processo transcorre normalmente ou se algum tipo de intervenção obstétrica é necessária. Muitas vezes, os tratadores da fazenda são impacientes e realizam a tração do feto ao primeiro sinal de um casco proeminente. Esta atitude, realizada indiscriminadamente, contribui para a formação de um quadro de distocia e aumenta as chances de mortalidade do bezerro. Daí a importância do treinamento dos trabalhadores da propriedade para aumentar a taxa de sobrevivência dos bezerros.

Após o começo dos sinais de parto, a fêmea deve ser monitorada aproximadamente a cada 3 horas, para detectar o início do segundo estágio do parto, quando o bezerro é expulso da mãe. O monitoramento freqüente é necessário, pois a duração do estágio de preparação do parto é altamente variável entre as fêmeas bovinas. Caso haja rompimento do alantocório e extravasamento do fluido, o esperado é que dentro de aproximadamente duas horas haja a expulsão do(s) feto(s), com exposição inicial dos cascos, da cabeça, seguida da propulsão final do bezerro.

Nesta fase, é comum ocorrer manipulação do feto por leigos, para extrair logo o produto. A manipulação precoce da fêmea gestante, praticada por veterinários ou por leigos, pode atrapalhar o curso natural daquele parto, acarretando lesões da via fetal mole e até mesmo a perda da função reprodutiva da fêmea. Por isso, essa fase do parto pede prudência e paciência. O médico veterinário deve intervir prontamente somente nos casos em que a mãe apresente causa segura de distocia. É importante salientar que a região do períneo deve ser lavada com água, sabão e degermantes antes de qualquer intervenção. Indica-se realizar uma anestesia epidural na fêmea com distocia.

Os instrumentos necessários à prática obstétrica em bovinos são:

• luvas de toque retal

• balde com água morna

• balde com solução desinfetante

• corrente obstétrica

• muleta de Khun

• gancho de Krey-Schöttler

• fetótomo de Thygesen

• fio-serra de Liess

• passa-fio de Sand

• pinças de Glock

• instrumental cirúrgico para grandes animais

As intervenções podem ser feitas por meio de manobras obstétricas ou cirúrgicas (episiotomias, cesarianas ou fetotomias). Os tipos de intervenção serão resumidamente descritos a seguir.

102_2191.jpg (969 KB)

102_2192.jpg (962 KB)

Extração manual do feto

O feto deve ser extraído manualmente quando a parturiente ainda não consegue expulsá-lo, mesmo que este apresente posicionamento fisiológico, tenha tamanho compatível com a mãe, e não haja qualquer estreitamento congênito ou adquirido da via fetal mole e óssea.

As correntes obstétricas devem ser posicionadas separadamente em cada membro, sempre no metacarpo ou metatarso. A tração deve ser vigorosa a ponto de remover o feto sem, no entanto, luxar ou romper suas articulações. Ainda mais, a tração dos membros deve ser alternada, para garantir a exteriorização da escápula ou a pelve do bezerro.

O períneo da parturiente deve ser protegido durante a extração manual do feto. Para tanto, basta a tração manual do períneo por um auxiliar no sentido dorsal. Inicialmente, a direção da tração do bezerro deve ser paralela à coluna vertebral da vaca, no sentido do obstetra. Após a passagem dos membros torácicos (ou pélvicos, no caso de apresentação longitudinal posterior) e da cabeça, o produto deve ser tracionado em direção ao jarrete da vaca. O prognóstico é geralmente favorável, mas piora consideravelmente se houver intervenção leiga.

102_2196.jpg (1.27 MB)

Correção manual da estática fetal e tração do feto

A distocia pode ocorrer por posicionamento errôneo do feto no útero. Nesses casos, pode haver a possibilidade de correção do mal-posicionamento do feto, para se adequar à via fetal. As apresentações longitudinais anterior e posterior não apresentam problemas, desde que a posição seja dorso sacral, e a postura, de membros estendidos. As apresentações transversais são de prognóstico reservado a desfavorável, e quando o feto está vivo, pode-se tentar a retropulsão com muleta de Khun simultânea a tração de outro membro. Fetos mortos com tais apresentações anômalas devem ser retirados por cesariana ou fetotomia.

Alterações na postura do feto são causas freqüentes de distocia. O prognóstico das posturas anômalas da cabeça é geralmente favorável, pois normalmente são de fácil correção (quando a apresentação e posição são fisiológicas), exceto no desvio dorsal da cabeça, que é de difícil resolução e possui prognóstico desfavorável para o produto. O desvio de cabeça em fetos mortos deve ser resolvido com decapitação por fetotomia, se possível. Nos fetos vivos, a correção da postura da cabeça pode ser feita manualmente, com retropulsão pela muleta de Khun simultânea à tração da cabeça. Desvios esternais da cabeça são retificados com a retropulsão do feto, seguida da flexão das articulações cárpicas e tração em sentido superior da cabeça. Nestes casos, deve-se cuidar para que os dentes incisivos do feto não lesionem a parede uterina.

A resolução das posturas fletidas dos membros posteriores, na apresentação posterior, é semelhante à retificação dos membros anteriores, e consiste basicamente em aproveitar o espaço da cavidade uterina para a correção, após retropulsão.

Nos casos de anomalias de postura e posição, a postura anômala deve ser retificada antes. Somente então, parte-se para a correção da posição. As apresentações anômalas, quando combinadas com posturas laterais, são preferencialmente resolvidas por cesariana.

Gestações gemelares também podem acarretar distocias, geralmente com anomalias de apresentação, posição e postura. Na maioria dos casos, tais distocias são corrigidas sem problemas com as manobras para retificação descritas, que costumam ser feitas com maior facilidade, devido ao menor tamanho dos fetos. É importante notar que todo parto de feto único deve ser seguido de palpação vaginal para verificação da ausência (ou presença) de um segundo feto, além da averiguação da integridade da parede uterina.

Fetotomia 03 09 08 (4).jpg (1.01 MB)

Episiotomia

Se houver limitação para passagem do produto pela vulva, o médico veterinário deve aumentar a abertura vulvar através de incisão bilateral oblíqua dorsal do períneo. Este procedimento, conhecido por episiotomia, não deve ser realizado logo no início do parto, sob risco de ser uma intervenção desnecessária. A vaca deve dispor de seu tempo natural para a dilatação da via fetal mole, o que pode demorar de 30 minutos a poucas horas. O médico veterinário deve ter a paciência de observar o parto e procurar sinais verdadeiros de distocia, para só então intervir.

A episiotomia pode ser realizada quando se verifica tentativas, sem sucesso, de expulsão fetal pela mãe, devido à insuficiente abertura da vulva. Após o parto, é feita a episioplastia. Salvo qualquer outra alteração, o prognóstico de recuperação da função reprodutiva da vaca é favorável.

 

Fetotomia

A fetotomia consiste na secção de partes fetais no útero, ou insinuadas, para a resolução da distocia e a retirada dos retalhos pela via natural.

Para a realização da fetotomia, preconiza-se o decúbito lateral esquerdo, com elevação da pelve. No entanto, é perfeitamente possível realizar uma fetotomia com o animal em estação. Em qualquer posição, é necessário realizar uma anestesia epidural.

As secções produzidas no feto devem ser feitas inicialmente nas estruturas que causam a distocia, como, por exemplo, membros e cabeça, até que se torne possível a extração do produto sem maiores dificuldades. Cada corte produz pontas ósseas, que devem ser guiadas com a mão do obstetra para proteger a parede uterina. A lubrificação da via fetal deve ser verificada antes de qualquer tentativa de extração.

Após o término da fetotomia, o médico veterinário deve palpar o útero à procura de restos fetais e lesões uterinas. Os cuidados pós-operatórios da saúde uterina incluem antibioticoterapia, antiinflamatórios e enfermagem básica.

Fetotomia 03 09 08 (8).jpg (977 KB)

Fetotomia 03 09 08 (26).jpg (1.02 MB)

Tomotocia (cesariana)

Outra possibilidade de extração do produto é a tomotocia, ou cesariana. Entretanto, o seu emprego deve ser bem avaliado pelo médico veterinário. A cesariana não deve ser sempre encarada como primeiro, nem como último, recurso mas, sim, como um dos métodos disponíveis para a resolução de distocias. Suas indicações são: incompatibilidade feto-pélvica; torções uterinas não-reversíveis por manobras, fraturas de pelve, ausência de dilatação da via fetal mole e distocias oriundas de estática fetal inviável de correção. A cesariana é contra-indicada nas parturientes com distúrbios consideráveis do estado geral, de origem infecciosa ou metabólica; na presença de lesões que prejudiquem a capacidade física do animal e desfavoreçam o prognóstico de vida da parturiente; e em todas as situações nas quais o médico veterinário não possua segurança para responder pelo êxito final.

A abordagem cirúrgica para a tomotocia deve ser, preferencialmente, no flanco esquerdo ou na região paramamária esquerda. A intervenção pelo flanco direito deve ser realizada somente quando a palpação vaginal indica uma apresentação transversal, com todos os membros voltados para o lado direito. As abordagens pelo flanco são executadas com o animal em estação, desde que o mesmo tenha bom temperamento.

A cesariana pelo flanco esquerdo também pode ser feita com o animal em decúbito esternal e com extensão do membro posterior esquerdo, protegido com acolchoamento. Nesses casos, não há o perigo da contaminação pelo decúbito, e a exposição do útero é facilitada. No entanto, é necessário mais tempo para preparar o animal. A escolha da posição da vaca parte da preferência e experiência do médico veterinário.

A abordagem paramamária é feita em fêmeas que necessitam ser sedadas (e colocadas em decúbito), ou para extrair bezerros muito grandes.

O feto é removido pela tração dos membros posteriores (apresentação anterior) ou da cabeça e membros anteriores (apresentação posterior), na direção do joelho esquerdo da vaca. As membranas fetais que restam na incisão uterina são seccionadas, e um grupo de auxiliares presta os cuidados de neonatologia.

 

Considerações finais

A ocorrência de distocias em bovinos será sempre um evento que exige do veterinário decisões rápidas e corretas para minimizar os prejuízos advindos de complicações no trabalho de parto. Algumas propriedades podem apresentar um número de casos mais elevado de distocia se não forem observadas algumas condutas importantes na ação do profissional.

Este artigo descreveu os fatores de risco, e como deve ser o manejo adequado da fêmea parturiente. Os métodos de intervenção obstétrica também foram descritos. É importante, no entanto, que o médico veterinário saiba mais do que avaliar cada caso – que ele consiga coordenar a equipe de funcionários da fazenda para reduzir os casos de distocia, e que, quando elas ocorram, sejam resolvidas adequadamente, evitando intervenções que podem influenciar na sobrevida do produto, na lactação futura e na capacidade reprodutiva da matriz.

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados