Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Gestão

Nasce uma nova estirpe de produtor de leite no Brasil

Nasce uma nova estirpe de produtor de leite no Brasil

Texto e fotos: Wagner Beskow

Nos países que concorrem pelo mercado mundial de leite (especialmente Nova Zelândia, Austrália, União Européia, EUA, Chile, Argentina e Uruguai), a grande maioria dos produtores vivem em suas propriedades, dependem exclusivamente da renda do leite para sobreviver; marido e mulher constituem a principal mão-de-obra fixa; têm terras muito mais caras que as nossas; recebem preços similares ou inferiores aos que têm sido pagos aqui e adquirem os demais insumos a preços muito parecidos aos que pagamos. Todos eles enfrentam secas ou fortes estiagens, muito frio (inclusive neve em muitos casos), calor, flutuações de preços e concorrência externa, se não em seus mercados domésticos, certamente na disputa, nem sempre leal, por mercados de países que eles dependem para viver.

7_o_novo_produtor_patronal_Copyright Wagner Beskow.jpg (1.71 MB)

Mesmo com tais adversidades, muitos desses produtores auferem margens que lhes têm garantido boa qualidade de vida ao longo dos anos. A pergunta que todo o brasileiro ligado à cadeia do leite deveria fazer é: “como?”, pois tal resposta nos encurtaria caminho, sofrimento, atraso e desgaste. Não se trata de procurar ou copiar receitas. Não há receitas, mas pessoas inteligentes estudam como as outras solucionaram seus problemas e buscam nelas inspiração para solucionar os seus. É o que fizeram esses países e ainda continuam fazendo. Exemplo recente é o alto interesse dos americanos em cursos, palestras e seminários sobre sistemas de produção de leite a pasto. “É sucesso garantido organizar conferências sobre pastagens nos EUA”, garante Michael Allen, professor do Departamento de Zootecnia da Michigan State University (NZ Dairy Exporter, out./2012, p.134).

 

Três grandes grupos mundiais de produtores e sistemas de produção

Para fins de conhecer e agir é sempre bom simplificar. Com isso em mente, eu costumo usar a seguinte classificação e gostaria de explicá-la e compartilhá-la com vocês.

 

Grupo 1: União Européia e EUA

Foram os países mais subsidiados no passado. Também são os que enfrentam os maiores frios, com alto custo energético para combatê-lo. Pela adversidade climática, desenvolveram um sistema de produção onde os animais são confinados e servidos com uma “dieta total” no cocho. Pelo intenso trabalho que isso demanda, aliado ao alto custo e escassez de mão-de-obra local, investiram pesado em mecanização intensiva e, mais recentemente, em automação. São líderes nessas tecnologias.

Genética e nutrição de gado de leite são duas áreas do conhecimento de grande destaque neste grupo de países e, por isso, possuem as vacas de mais alta produtividade. Por garantias e facilidades políticas do passado, puderam desenvolver sistemas tecnicamente muito eficientes e bem pensados, mas que só eram rentáveis em condições artificiais, resultantes de exportações ou produção subsidiados. Atravessam grave dificuldade econômica desde 2008 e muitos teem quebrado desde então. São organizados e conseguem exercer muita pressão política na UE e alguma nos EUA.

Em todos eles tem crescido a proporção de trabalhadores oriundos de países em desenvolvimento por se sujeitarem mais facilmente à rotina do leite, recebendo salários menores (p.ex. indianos na UE e mexicanos nos EUA). São os produtores que sofrem a maior pressão de adaptação no momento: ou conseguem artifícios políticos para melhorar suas margens ou quebram em grande proporção, pois poucos deles conseguem mudar de sistema. Mesmo para os de clima que permitiria uma base pasto, a resistência é muito grande, especialmente pelo alto investimento realizado em estrutura e maquinário para confinamento. Simplesmente não admitem que o preço do leite não mais cubra os custos tradicionais, mas em vários momentos ele não chega a cobrir a totalidade dos gastos diretos com alimentação. É uma situação econômica, social e politicamente insustentável. Certamente como está não poderá continuar por muito tempo.

1_grupo_UE-EUA_Copyright Wagner Beskow.jpg (2.01 MB)

Grupo 2: Oceania

Composto por Nova Zelândia e Austrália, juntos respondem por mais de 40% dos lácteos exportados no mundo. De cultura predominantemente inglesa (também irlandesa e escocesa), desenvolveram-se com a mentalidade exportadora, buscando autonomia, independência política e qualidade de vida. São os produtores mais competitivos do mundo, aliando alta produtividade com baixo custo por quilograma de sólidos do leite, que eu chamo de GPB (gordura mais proteína bruta, base de produção e pagamento deles).

Enfrentam frios, mas normalmente não a neve. Conseguem produzir pasto 12 meses do ano, embora enfrentando secas no verão (a irrigação é indispensável na Austrália e crescente na NZ) e limitações pelo frio no inverno. Têm sua produção baseada na arte e na ciência de ajustar a curva de demanda alimentar de um rebanho de parição estacional (final do inverno) com a curva anual de oferta de pastos perenes, fazendo com que os picos de ambas as curvas coincidam na primavera e secando os animais quando o frio começa a limitar o pasto (outono). Algo mais lógico, inteligente e barato que isso? Detalhe: pasto de alta energia, proteína e digestibilidade, colhido pela vaca de forma abundante e eficiente. Em anos de bons preços, alguns produtores usam concentrado em momentos estratégicos (tipicamente aveia e em muito maior proporção na Austrália que na NZ).

São os maiores conhecedores de como se ganhar dinheiro com leite sem intervenção de seus governos. Para isso desenvolveram uma cultura de se autofinanciarem até mesmo na pesquisa, passando pelo estudo e desenvolvimento de produtos nobres extraídos do leite e também de mercados internacionais (p.ex. Dairy Australia eDairyNZ). Ninguém conhece mais sobre mercado internacional de leite que os neozelandeses e australianos. Por quê? Porque focaram nisso desde muito tempo atrás. Simples!

Passam por momentos difíceis desde 2008, mas com a “a cabeça fora d’água” (margens positivas). Seu principal desafio atual são as dívidas do produtor, assumidas quando as margens eram maiores.

2_grupo_oceania.jpg (694 KB)

Grupo 3: Cone Sul

Hispano-Americano

Formado pela Argentina, Uruguai e Chile, com predomínio de produtores de origem colonial alemã, italiana, russa, holandesa e polonesa. Representam um misto dos dois sistemas acima, mas em média, encontram-se ainda muito aquém em produtividade, eficiência e uso de tecnologia. Depois do Grupo 2, são os maiores conhecedores da transformação de pasto colhido pela vaca em leite (embora ainda muito atrás da Oceania). Possuem rebanhos de alto padrão genético, com predomínio de genética americana, seguida pela européia e neozelandesa.

Embora longe dos demais em resultado físico, superam o Grupo 1 em resultado econômico por seus baixos custos de produção, portanto também em potencial competitivo em épocas de dificuldade econômica. O principal fator que explica isto é o elemento pasto, seguido de terras mais baratas e mão-de-obra mais acessível de produtividade moderada.

Passam por momentos bem difíceis na Argentina (agravado por questões de política interna intervencionista), inclusive com produtores quebrando, mas com margens consistentemente positivas no Uruguai e no Chile.

3_grupo_conesul_Copyright Wagner Beskow.jpg (1.45 MB)

E o Brasil?

O Brasil é um caso especial. Em produtividade, qualidade e tecnologias dominantes, somos uma Índia no leite (um atraso), mas em resultado técnico de propriedades de ponta em confinamento, não perdemos em nada para o Grupo 1. Tudo muito parecido, até em custos e margens, ou seja, passa-se aqui igual dilema que lá (somos uma mistura complexa).

Como para se chegar a algum lugar é necessário simplificar, para fins práticos e considerando os principais estados produtores de leite, divido o Brasil em duas realidades ligadas a suas origens: produtores do tipo patronal extrativo e do tipo familiar sobrevivente. O principal diferencial entre estes é cultural, embora também estrutural e climático.

 

Tipo patronal extrativo

Nas regiões não-coloniais os pioneiros receberam as terras para ocupar o território, politico-estrategicamente  - a produção era secundária. Ao longo dos séculos, os proprietários sempre tiveram casa na cidade e no campo. Propriedade tocada, na prática, por um encarregado. São produtores falantes, de fortes opiniões, sendo que os tradicionais pouco valorizam o técnico (alguns são do tipo “não come um ovo para não jogar a casca fora”, imagina usar adubo!). Seu círculo ainda se preocupa com status social. Possuem ligações ou forte influência regional da cultura e da economia do boi, café ou cana. A influência da esposa sobre o negócio é forte, mas é velada e normalmente negada, sendo que muitas decisões não passam por ela. Encontram-se frustrados porque a renda da propriedade diminuiu muito e não mais sustenta empregados nem a vida na cidade (atualmente, mal paga as despesas da propriedade).

4_patronal_extrativo_Copyright Wagner Beskow.jpg (1.47 MB)

Tipo familiar sobrevivente

Nas regiões coloniais, os pioneiros compraram pequenos lotes de terra para produzir para os seus (subsistência). Os proprietários sempre viveram na propriedade, que é tocada pela família. São produtores introspectivos, mas com forte senso de comunidade. Valorizam o técnico, embora nem sempre demonstrem, e são frequentemente vistos como “teimosos”. Não ligam para status social. A esposa participa ativamente nas decisões do negócio, muitas vezes à frente. Estão ficando velhos, o trabalho é árduo (eles o fazem mais árduo ainda), a renda é muito baixa porque produtividade e produção são baixíssimas. Os filhos não vêem futuro e não querem continuar.

A grande maioria dos produtores de leite brasileiros se aproximam a um destes dois perfis simplificados e, do jeito que se encontram, não continuarão.

5_familiar_sobrevivente_Copyright Wagner Beskow.jpg (1.19 MB)

Nasce um novo perfil de produtor

Eu os chamo de “empreendedores rurais”. São pessoas ainda raras no leite, mas que estão se proliferando de forma perceptível. O técnico já as encontra prontas. O encontro dos dois é como se eles estivessem esperando por aquele momento toda a vida. Um fala, o outro escuta. As perguntas fluem e quando coloca-se a eles onde podem chegar e como, os olhos brilham e dali para frente o trabalho é conjunto, os frutos certos e reconhecidos, simplesmente porque o que tranca nosso país, inclusive a renda do leite, são pessoas!

O produtor com este perfil não tem tamanho, origem ou região certa, nem mesmo tipo de solo. Eles estão em todo o Brasil, sejam patronais ou familiares, mas têm as seguintes características em comum:

não são de reclamar de praticamente nada na vida;

querem melhorar o que fazem (não se contentam de como estão as coisas);

estão dispostos a se concentrar unicamente no leite;

acreditam em si próprios;

reconhecem que precisam de ajuda e que sem ela não chegarão a lugar algum;

sabem que “para tirar tem que colocar”;

têm opinião própria e a defendem, mas fazem o que for combinado, como foi combinado;

admitem quando erram, mas não aceitam errar;

o marido reconhece abertamente a importância da mulher no negócio e a envolve sempre;

valorizam as pessoas e dividem o sucesso entre os envolvidos (familiares, funcionários, fornecedores e técnicos);

são econômicos, mas tendem a considerar custos junto com benefícios esperados.

Quando bem orientados e adotando um sistema intensivo a pasto com suplementação, estes produtores têm saído de R$450/ha/ano para R$3.800-R$4.000/ha/ano (margem líquida sobre a superfície útil). Ou seja, mais de 700% de aumento em renda líquida, com endividamento zero. Uma propriedade de 20ha de superfície útil podendo propiciar uma renda líquida de R$6.000/mês, quando hoje conseguem R$750?

Somados aos investidores de mente aberta e pés no chão, que buscam orientação e já começam certo, estes produtores ainda farão do Brasil um grande exemplo de produção rentável e altamente competitiva, sem depender de muletas nem de favores políticos.

Em propriedades grandes (patronais), também se encontram produtores com o perfil empreendedor e dispostos a mudar sua forma de pensar e agir.

Pretendo falar mais sobre este sistema em outra oportunidade. Por ora, marquem bem o tipo de pessoa que consegue transformar dificuldades em oportunidades. Se você é produtor, reflita. Se técnico, faça um bem a você mesmo: procure este perfil de cliente.

6_o_novo_produtor_Copyright Wagner Beskow.jpg (789 KB)

7_o_novo_produtor_patronal_Copyright Wagner Beskow.jpg (1.71 MB)

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados