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Nutrição

Nutrição eficiente: muito além da Formulação de Dietas

Além da formulação de dietas, existem outras competências essenciais para os nutricionistas que visam alcançar o sucesso em sua atuação na atividade leiteira.

Nutrição eficiente: muito além da Formulação de Dietas

Ao buscar aprimorar o conhecimento em nutrição de rebanhos leiteiros, muitos estudantes procuram informações sobre como formular dietas e utilizar programas de formulação. Essa abordagem é compreensível, uma vez que dominar softwares de dietas é parte importante da formação do nutricionista. No entanto, nem sempre é enfatizado que essa não é a única habilidade necessária para ser efetivo em seu trabalho. Nesse contexto, serão descritas três competências fundamentais dos nutricionistas que vão além da formulação de dietas. De fato, essas habilidades são essenciais para aqueles que desejam trabalhar com nutrição em rebanhos leiteiros e gerar impactos positivos tanto para os rebanhos quanto para os clientes.

1) Utilizar o conhecimento de estatística básica para interpretar dados de desempenho animal e estabelecer exigências

Nos rebanhos leiteiros, existe variação de desempenho entre animais e até mesmo em diferentes estágios de produção do mesmo animal. As vacas leiteiras são mais produtivas no início da lactação e próximas ao pico, em comparação com as vacas no final da lactação. Como a produção de leite é o componente mais significativo da exigência nutricional, dentro de um mesmo rebanho haverá variabilidade das exigências dos animais. No entanto, a maioria dos sistemas de alimentação não permite o fornecimento de dietas que atendam individualmente. Portanto, é necessário agrupar os animais em grupos nutricionais, que consistem em lotes de animais com exigências semelhantes e que podem ser alimentados com a mesma dieta. Para isso, o nutricionista deve conhecer e aplicar conceitos de estatística básica, como medidas de posição e medidas de variabilidade.


Considere como exemplo o rebanho abaixo: 
• Média de produção no último controle: 27 kg/dia
• Número de animais em lactação: 193 vacas


A média de produção do rebanho é a medida de posição mais comumente utilizada, sendo obtida pela soma de todas as produções individuais dividida pelo número de animais. A média pode ser muito influenciada por valores extremos, sejam eles muito baixos ou muito altos. Ao observarmos a distribuição da produção no rebanho, podemos ter ideia da variabilidade ou amplitude em torno da média, na qual a produção se distribui (Gráfico 1).

 

Nesse rebanho, conforme Gráfico 1, a maior produção de leite foi de 61,8 kg/dia, enquanto a menor foi de 1,3 kg/dia. A média de produção (27 kg/dia) está localizada no centro do histograma, indicando que aproximadamente 50% dos animais estão produzindo abaixo da média (98 animais) e os outros 50% estão produzindo acima da média (95 animais). Se formulamos a dieta com base apenas na média de produção, não atendemos exatamente às exigências de nenhum animal, fornecendo uma dieta mais densa do que o necessário para metade dos animais e menos densa do que o necessário para a outra metade.
Assim, os nutricionistas usam a estratégia de agrupamento para formar grupos mais homogêneos, com menor amplitude interna, e diferentes entre si, com a maior diferença média possível. Dessa forma, é possível atender ao maior número de animais com a mesma formulação por grupo. Nesse contexto, é importante compreender uma medida estatística de variabilidade amplamente utilizada para avaliar o agrupamento e estabelecer metas de formulação: o desvio padrão. No exemplo mencionado anteriormente, o desvio padrão da produção de todo o rebanho é de 10,8 kg/dia.
Matematicamente, o desvio padrão é a raiz quadrada da variância, que é a soma dos quadrados das diferenças entre cada produção individual e a média, dividida pelo número de produções menos um. Existem razões matemáticas e estatísticas para calcular o desvio padrão dessa forma, que não cabem serem explicadas aqui, mas é uma medida útil porque, em dados que seguem a distribuição normal (em forma de “sino”, como observado no Gráfico 1), aproximadamente 83% das observações estarão abaixo da média somada ao desvio padrão.

Por que isso é útil? Quanto menor for o desvio padrão de um grupo, mais concentrados em torno da média estarão os dados. No exemplo anterior, dividimos o rebanho em 4 grupos nutricionais e o grupo de alta produção ficou com 50 animais, com média de 37,8 kg/dia. Observe o histograma do grupo de alta produção (Gráfico 2).
Conforme o Gráfico 2, apenas 1 animal apresenta produção divergente em -10 kg (< 28 kg/dia), enquanto 3 animais têm produções divergentes em +10 kg (> 48 kg/dia) em relação à média. A grande maioria dos animais está concentrada acima de 31 kg/dia e abaixo de 44 kg/dia nesse grupo, ou seja, estão reunidos em torno da média. O cálculo do desvio padrão das produções desse grupo resulta em 6,4 kg/dia, valor menor em comparação ao desvio padrão do rebanho em geral (10,8 kg/dia).
Uma dieta com densidade nutricional adequada para atender a produção de 44,2 kg/dia suprirá as necessidades de aproximadamente 42 dos 50 animais nesse lote (metade dos animais com produção entre 43 e 48 kg/dia, além de todos aqueles que estão abaixo desse valor). Normalmente, utilizamos a média de produção do grupo nutricional para estabelecer a exigência de consumo de matéria seca do grupo e a média acrescida de um desvio padrão como meta para a formulação. A formação de grupos nutricionais homogêneos e o uso das informações para estabelecer exigências e embasar a formulação requerem habilidades do nutricionista para manipular os dados do rebanho e interpretar as informações, aliadas ao conhecimento da fisiologia do ruminante. 

 


 

A formulação de dietas tem como finalidade otimizar os recursos financeiros destinados à alimentação sem prejudicar a produtividade das vacas leiteiras

2) Interpretar criticamente a análise de alimentos

A composição dos alimentos pode ser conhecida por meio de análises laboratoriais ou consultando bancos de dados. Para os alimentos que possuem composição estável, como grãos, sementes e oleaginosas, é possível utilizar a composição de banco de dados na formulação. No passado, quando os modelos nutricionais computadorizados não eram amplamente disponíveis, as tabelas de composição de alimentos impressas, como as Tabelas de Composição de Alimentos para Ruminantes publicadas pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), eram utilizadas como banco de dados. Atualmente, os softwares de formulação possuem bancos de dados robustos que compilam centenas de milhares de análises (por exemplo, NASEM* 2021, CNCPS* no AMTS* versão 4.18). O nutricionista deve ter o conhecimento necessário para avaliar se a fonte dos dados é confiável e se representa adequadamente os alimentos que está utilizando, considerando possíveis diferenças regionais, por exemplo, ao consultar os bancos de dados de alimentos para formulação.
Para alimentos altamente variáveis, como as forragens e os subprodutos da agroindústria, o ideal é utilizar dados provenientes de análises laboratoriais na formulação. A análise de alimentos acrescenta duas fontes adicionais de variação além daquelas relacionadas a fazendas e ao longo do tempo: amostragem e método analítico. Em estudo realizado em 2015 por pesquisadores norte-americanos, foram investigados os componentes da variação na composição de alimentos utilizados em fazendas leiteiras. Para isso, 14 nutricionistas coletaram amostras de silagens e pré-secados durante 14 dias, provenientes de 11 fazendas diferentes, e enviaram todas as amostras para o mesmo laboratório (ST-PIERRE E WEISS, 2015).

A FORMAÇÃO DE GRUPOS NUTRICIONAIS HOMOGÊNEOS E O USO DAS INFORMAÇÕES PARA ESTABELECER EXIGÊNCIAS E EMBASAR A FORMULAÇÃO REQUEREM HABILIDADES DO NUTRICIONISTA PARA MANIPULAR OS DADOS DO REBANHO E INTERPRETAR AS INFORMAÇÕES, ALIADAS AO CONHECIMENTO DA FISIOLOGIA DO RUMINANTE        

O objetivo dos pesquisadores era determinar os valores médios e a dispersão - amplitude e coeficiente de variação (CV) da matéria seca (MS), fibra em detergente neutro (FDN), proteína bruta (PB), amido e cinzas presentes nas amostras. Além disso, buscaram quantificar o quanto da dispersão poderia ser atribuído a diferentes fontes, como variação entre fazendas, variação ao longo do tempo (tempo) e variação entre amostras (amostragem e análise). Em outras palavras, o objetivo era identificar as fontes de variação intrínsecas e reais associadas ao alimento, como a variação de uma fazenda para outra e ao longo do tempo, e as fontes de variação extrínsecas, que são adicionadas durante o processo de medição da composição do alimento, como a amostragem e a análise, conforme Tabela 1.
Em uma mesma fazenda, é importante considerar a variação relacionada ao dia, à amostragem e à análise para compreender a variabilidade do nutriente. Um exemplo disso pode ser observado no CV da MS e das cinzas presentes na silagem de milho, ambos com 14% de variação. No entanto, as fontes de variação são distintas: aproximadamente 46,7% da variação na MS da silagem de milho é atribuída ao dia, enquanto apenas 17,8% da variação nas cinzas tem a mesma causa. Isso nos leva à conclusão de que a análise de MS para a silagem de milho deve ser realizada com frequência devido à alta variação ao longo do tempo, enquanto a análise de cinzas pode ser menos frequente. No entanto, se desejamos obter resultados confiáveis na análise de cinzas, a amostragem deve ser realizada de forma precisa, pois mais de 80% da variação nesse nutriente é proveniente da amostragem.




É importante ressaltar que normalmente não solicitamos análises de nutrientes específicos nos alimentos, pois os laudos geralmente fornecem a composição completa do alimento. No entanto, compreender as fontes de variação dos resultados é crucial para aumentar a confiabilidade dos mesmos. Ao analisar a decomposição do desvio padrão de todos os nutrientes, observa-se que a amostragem representa no mínimo 30% da variação. Portanto, obter uma amostra representativa é a premissa mais importante. Esse conhecimento também é útil para determinar a frequência adequada de análise dos alimentos. Para a maioria dos nutrientes listados na Tabela 1, o tempo contribui com pelo menos 20% da variação. Ou seja, para forragens, é recomendado realizar análises frequentes, geralmente em intervalos mensais. 

3) Comunicar com o setor de alimentação na fazenda

Entre a emissão do relatório da dieta no programa de formulação e a alimentação dos animais no cocho, ocorrem diversos processos dentro da fazenda. Esses processos podem ser divididos em duas etapas principais: preparação da dieta de acordo com a receita estabelecida e fornecimento para o lote correto de animais. A forma mais comum de expressar as dietas para os responsáveis pela preparação é por meio de planilha que indica a quantidade de cada alimento a ser fornecida por animal, por dia.  

 
É fundamental que o nutricionista assegure a adesão diária à receita prescrita ao estabelecer comunicação eficiente com os colaboradores das fazendas atendidas
               

No entanto, essas informações precisam ser tratadas antes que o alimento chegue ao cocho. É importante definir se a quantidade diária será fornecida de uma só vez ou em múltiplas refeições. Caso o equipamento de distribuição, geralmente um vagão, possua balança, é possível cadastrar a dieta diretamente nele. Nesse caso, é necessário determinar se o cadastro será feito por animal ou por lote, para o dia todo ou para cada fornecimento. Caso o equipamento não possua balança, os ingredientes devem ser pesados separadamente. Nesse processo, é importante decidir se alguma pré-mistura será feita antes do fornecimento. Para cada uma dessas situações, é possível estabelecer formas eficientes de comunicação com a equipe responsável pela alimentação, a fim de prevenir e minimizar erros. Para isso, o nutricionista precisa ter um bom entendimento de como os processos são realizados dentro da fazenda e de como as dietas devem ser expressas. 

Além disso, o nutricionista não estará presente na fazenda todos os dias, então é importante garantir que a receita seja seguida diariamente. Os alimentos podem variar tanto em disponibilidade quanto em composição bromatológica. É comum que o teor de MS de forragens e alimentos úmidos varie ao longo do tempo. Portanto, o nutricionista precisa treinar a equipe da fazenda na medição da MS e no ajuste do fornecimento, quando necessário. A substituição de um alimento por outro é sempre um desafio e requer a reformulação das receitas. Por esse motivo, o responsável pela alimentação na fazenda e o nutricionista devem manter contato constante para planejar antecipadamente qualquer modificação nos alimentos. 

Em resumo 

O trabalho de nutrição em uma fazenda leiteira vai além da simples formulação de dietas. Envolve a habilidade de resumir e interpretar dados dos animais, com base nos quais as exigências nutricionais são determinadas. Além disso, requer a busca de informações confi áveis sobre os alimentos disponíveis e, quando essas informações não estão disponíveis, a geração desses dados. Por fi m, é essencial ser capaz de se comunicar efetivamente com as pessoas responsáveis pelo fornecimento das dietas aos animais e garantir que essas diretrizes sejam seguidas ao longo do tempo.

É POSSÍVEL ESTABELECER FORMAS EFICIENTES DE COMUNICAÇÃO COM A EQUIPE RESPONSÁVEL PELA ALIMENTAÇÃO, A FIM DE PREVENIR E MINIMIZAR ERROS. PARA ISSO, O NUTRICIONISTA PRECISA TER UM BOM ENTENDIMENTO DE COMO OS PROCESSOS SÃO REALIZADOS DENTRO DA FAZENDA E DE COMO AS DIETAS DEVEM SER EXPRESSAS 




JULIA DIAS - CONSULTORA TÉCNICA DO REHAGRO

Referências
LIMA, P. C.; LIMA, R. R. Estatística Experimental. Guia de Estudos. Universidade Federal de Lavras, v. 20, n. 06, p. 7-184, 2014.
VALADARES FILHO, S. de C. et al. Tabelas brasileiras de composição de alimentos para ruminantes. Viçosa, MG, Brazil: Editora UFV, 2015.
ST-PIERRE, N. R.; WEISS, W. P. Partitioning variation in nutrient composition data of common feeds and mixed diets on commercial dairy farms. Journal of Dairy Science, v. 98, n. 7, p. 5004-5015, 2015.
(*) NASEM - National Academies of Science, Engineering and Medicine
CNCPS - Cornell Net Carbohydrate and Protein System
AMTS - Agricultural Modeling and Training Systems

 






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