Este site utiliza cookies

Salvamos dados da sua visita para melhorar nossos serviços e personalizar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade, incluindo a política de cookie.

Novo RLI
x
ExitBanner
Sustentabilidade

Programas de certificação em bem-estar animal devem ser robustos

Quais são as características que tornam robustos os programas de certificação e auditorias de bem-estar animal?

Programas de certificação em bem-estar animal devem ser robustos

A crescente demanda por produtos éticos tem impulsionado a criação de programas que buscam comunicar aos consumidores que a produção de alimentos atende às suas exigências em relação às condições em que os animais envolvidos são criados. Em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, existem muitos programas de certificação que se propõem a atender às demandas relacionadas ao bem-estar dos animais. Neste artigo, iremos discutir cinco características que identificam programas robustos e os principais desafios associados a cada uma delas. Definimos como robustos os programas que têm sido bem-sucedidos em alcançar os objetivos propostos.


O selo de certificação indica que o produto foi produzido de forma a respeitar o bem-estar animal

1. Objetivos claros e explícitos
Certamente, os objetivos são importantes para determinar cada uma das decisões envolvidas no desenvolvimento e na estruturação do programa de certificação. Entre os diversos programas existentes, os objetivos mais comuns são:
a) Promover a melhoria do bem-estar animal;
b) Mitigar riscos que podem afetar a reputação do setor;
c) Demonstrar compromisso ou responsabilidade social;
d) Diferenciar o produto na prateleira do supermercado.

Se o objetivo for mitigar riscos, por exemplo, espera-se que um programa robusto enfatize situações de maus-tratos ou presença de animais debilitados (vacas emaciadas, com claudicação severa, entre outras condições). Além disso, espera-se que fazendas de alto risco sejam, no mínimo, identificadas e visitadas com maior frequência, e que o não cumprimento das normas resulte em penalizações, desde suspensão até o cancelamento do certificado de conformidade. Programas menos robustos geralmente apresentam objetivos vagos, pouco detalhados ou não descritos no programa, embora, na prática, sejam essenciais para sua existência. Por exemplo, alguns selos de certificação de alimentos têm como objetivo não listado atender a um número mínimo de clientes para que seja economicamente viável. Se o objetivo listado no mesmo programa for mitigar riscos, a exclusão de fazendas em não conformidade compete diretamente com o objetivo de ser economicamente viável, oferecendo alto risco de conflito de interesses.

2. Diretrizes e parâmetros relevantes para o bem-estar animal
Os programas robustos são caracterizados por possuírem diretrizes satisfatórias para o atendimento dos objetivos, que compreendam integralmente:
a) Categorias animais envolvidas no processo de produção de leite;
b) Principais problemas relacionados ao bem-estar animal;
c) Série de indicadores ou parâmetros que podem ser diretamente avaliados ou aferidos nos animais.
Muitos dos programas em vigor excluem a categoria animais de risco, como bezerros machos e vacas de descarte. No entanto, nem todos indicam essa exclusão em suas diretrizes, tornando-os menos robustos. Em contrapartida, programas robustos incluem categorias de risco ou indicam quais são os grupos excluídos.
Com relação aos principais problemas de bem-estar animal, para facilitar a discussão, serão divididos em três categorias: necessidades básicas, fisiológicas e comportamentais, incluindo emoções. As necessidades básicas referem-se a parâmetros que avaliam maus-tratos e negligência (eutanásia, animais moribundos); as fisiológicas, incluem parâmetros como saúde, acesso a alimentos e proteção climática; e, as necessidades comportamentais abrangem questões como comportamentos naturais, prática de procedimentos dolorosos e uso de enriquecimento ambiental, entre outros.
Os programas robustos possuem diretrizes holísticas, com parâmetros que contemplam as três categorias de problemas relacionados ao bem-estar animal. Programas menos robustos limitam-se a usar apenas uma ou duas dessas categorias em suas diretrizes, deixando de lado aspectos relevantes para o bem-estar animal. Grande parte dos programas existentes se encaixam nessa categoria.



O bem-estar é alcançado quando as necessidades básicas, fisiológicas e comportamentais dos animais são atendidas

Os programas robustos também priorizam o uso de parâmetros ou medidas obtidas a partir da observação dos animais. Por exemplo, um dos maiores problemas de bem-estar nos trópicos é o estresse por calor. Uma forma comum de avaliar as fazendas em relação ao conforto térmico é coletar informações sobre a disponibilidade de sombra e aspersores. No entanto, essa medida não leva em consideração outras estratégias que produtores poderiam adotar para minimizar o estresse por calor, como o uso de suplementos nutricionais, a mudança no horário da ordenha, entre outros. Além disso, não considera a possibilidade de o sistema de resfriamento não ser adequado para alguns animais. A aferição das taxas respiratórias dos animais fornece resultados mais concretos do nível de estresse por calor nas fazendas, independentemente das estratégias de manejo adotadas (Figura 1). O uso de medidas menos prescritivas também garante aos produtores flexibilidade na promoção do bem-estar animal.



Figura 1. As vacas retratadas, mesmo com acesso à sombra e aos aspersores, apresentaram taxas respiratórias elevadas, com média de 93 movimentos por minuto

3. Processo de auditoria íntegro
As diretrizes dos programas robustos devem conter instruções claras e completas para a realização das auditorias, incluindo informações sobre como coletar os parâmetros, as categorias e o número de animais a serem observados, além do horário e do local da observação. Por exemplo, para a avaliação do escore de condição corporal de bezerras, as instruções devem conter qual o esquema a ser utilizado e as características de cada escore, além de informações precisas sobre quando e como observar (Figura 2). Essa padronização permite que o programa compare resultados ao longo dos anos, avaliando o progresso das fazendas em relação ao bem-estar animal e comparando-as entre si.

AS DIRETRIZES DOS PROGRAMAS ROBUSTOS DEVEM CONTER INSTRUÇÕES CLARAS E COMPLETAS PARA A REALIZAÇÃO DAS AUDITORIAS


​ 




A capacitação dos auditores e seu envolvimento em educação continuada são essenciais para que os programas de certificação sejam considerados robustos. Esses programas podem estabelecer requisitos mínimos para a contratação de auditores, fornecer treinamentos internos e implementar alguma forma de avaliação para verificar se o profissional está apto a desempenhar a função. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, existem cursos especializados no treinamento de profissionais qualificados, nos quais os vários aspectos do processo de auditoria são explorados. Entre os tópicos abordados, destacam-se a importância da repetibilidade das medidas e a necessidade de recalibração contínua. Programas robustos incluem sessões e estipulam a frequência de treinamentos obrigatórios aos seus auditores ao longo dos anos ou requerem algum tipo de reavaliação.

A CAPACITAÇÃO DOS AUDITORES E SEU ENVOLVIMENTO EM EDUCAÇÃO CONTINUADA SÃO ESSENCIAIS PARA QUE OS PROGRAMAS DE CERTIFICAÇÃO SEJAM CONSIDERADOS ROBUSTOS

4. Transparência e responsabilidade corporativa
Muitos fatores podem integrar essa categoria. No entanto, para facilitar a discussão, será dado foco aos dados obtidos em cada fazenda durante a auditoria. Programas robustos mantém base de dados na qual a performance e o progresso de cada fazenda, em relação às medidas corretivas, podem ser avaliados prontamente. A coleta e análise dos dados também são componentes essenciais para avaliar se os objetivos do programa estão sendo alcançados. Em se tratando da performance de cada fazenda, programas robustos geralmente focam em aspectos capazes de demonstrar melhoria contínua. Por exemplo, para cada parâmetro avaliado, o auditor irá indicar se os resultados estão ou não de acordo com os requisitos do programa. Ainda, dependendo dos objetivos do programa, esse resultado pode vir acompanhado de medidas corretivas para os parâmetros que não estão de acordo. Assim, ao invés de punir imediatamente os produtores, programas robustos permitem que o problema seja resolvido em tempo hábil. Essa flexibilidade permite que os programas incorporem tópicos mais desafiadores em suas diretrizes, facilitando o diálogo entre as partes. Por sua vez, programas menos robustos geralmente usam sistema de pontos em que não há distinção de gravidade entre as não conformidades. Por exemplo, mesmo que a fazenda esteja em não conformidade com vários parâmetros importantes, como eutanásia de animais moribundos ou tenha muitos casos de claudicação severa, esse tipo de sistema permite que ela alcance a certificação porque cumpriu o número mínimo de pontos. Ainda, alguns programas determinam subjetivamente um sistema de peso para as diversas áreas avaliadas. Por exemplo, se o programa enfatiza as necessidades comportamentais em detrimento das fisiológicas, uma fazenda que apresente muitos casos de claudicação severa e bezerras emaciadas, mas que proporcione aos animais acesso a escovas giratórias e outras formas de enriquecimento ambiental, poderia receber a certificação. No entanto, se a mesma fazenda for auditada por um programa que utilize sistema de pesos diferentes, em que as necessidades fisiológicas tenham mais importância, ela poderia ter a certificação (ou renovação de certificação) negada.

5. Profissionais dedicados
Finalmente, o sucesso do programa também depende dos profissionais que fazem parte do time. Além do conhecimento técnico, os auditores precisam ser bons comunicadores para, quando apropriado, deixar claro para os produtores o que deve ser melhorado e quais são as expectativas. Também é importante que essas conversas sejam pautadas nos resultados obtidos, nas diretrizes do programa e, se apropriado, nos resultados de outras fazendas, para efeito comparativo. Ainda, auditores precisam estar preparados para ouvir produtores e engajar em conversas sobre tópicos delicados ou menos conhecidos. Por exemplo, alguns produtores podem ser menos familiarizados em como controlar a dor durante e após o processo de descorna de bezerras, ou prover enriquecimento ambiental para vacas em lactação. O suporte profissional é essencial para que produtores possam implementar práticas que promovam o bem-estar dos animais. Em contrapartida, programas menos robustos apenas focam no cumprimento do checklist, deixando de identificar oportunidades de melhoria que poderiam contribuir para o bom desempenho da fazenda auditada.

O SUPORTE PROFISSIONAL É ESSENCIAL PARA QUE PRODUTORES POSSAM IMPLEMENTAR PRÁTICAS QUE PROMOVAM O BEMESTAR DOS ANIMAIS


CASSANDRA TUCKER - Diretora do Centro de Bem-estar Animal e Professora Doutora no Departamento de Ciência Animal - Universidade da Califórnia, Davis

GRAZYNE TRESOLDI - Professora Doutora Assistente da Escola de Agricultura - Universidade Estadual da Califórnia, Chico



Tags

Compartilhar:


Comentários

Enviar comentário


Artigos Relacionados