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Sanidade

Quanto custa manter o organismo livre de infecções?

Quanto custa manter o organismo livre de infecções?

Texto: Michael A. Ballou

Ilustração: Flávia Tonelli

As doenças, especialmente aquelas que ocorrem no peri-parto de vacas leiteiras, são metabolicamente caras. A resposta inflamatória do organismo às infecções, essencial para o controle e eliminação dos patógenos causadores, é responsável por grande parte dos prejuízos associados às doenças, e somente com um melhor entendimento dos efeitos locais e sistêmicos dessa resposta será possível desenvolver estratégias de manejo que possam limitar os impactos adversos na produção de leite e na capacidade de sobrevivência das vacas. 

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Conflito entre desempenho e sobrevivência

Sistema Imune

As barreiras físicas do sistema imune protegem o organismo do ambiente externo, carregado de microrganismos, e incluem: pele, extremidade do teto fechada, muco, pH, peptídeos antimicrobianos e microbiota normal. Um distúrbio em qualquer dessas barreiras físicas aumenta bastante o risco relativo para o desenvolvimento de uma infecção ou doença.

Uma vez que o patógeno escapa das barreiras físicas, o sistema imune iniciará uma resposta, com a meta de localizar e eliminar a infecção por meio do recrutamento de leucócitos efetores, como neutrófilos, e outros compostos antimicrobianos. A resposta imune inata é iniciada por meio do reconhecimento de estruturas características dos patógenos. Quando as células residentes no tecido do sistema imune reconhecem essas estruturas, iniciam a secreção de vários mediadores pró-inflamatórios, incluindo: quimiocinas, citocinas e eicosanoides. Esses mediadores podem agir local ou sistemicamente e, novamente, a meta primária é o recrutamento dos leucócitos e de compostos antimicrobianos para combater a infecção. O recrutamento de neutrófilos durante a infecção bacteriana é essencial no controle do crescimento e eliminação das bactérias. Os neutrófilos se movem ao local da infecção e reconhecem os patógenos. A ligação do neutrófilo com a bactéria leva à fagocitose e subsequente morte enzimática ou oxidativa da mesma. Portanto, um sistema imune competente limita o acesso de patógenos ao ambiente interno e, quando ocorre a invasão, as células imunes locais recrutam neutrófilos, bem como outros fatores antimicrobianos, que ajudam a controlar o crescimento e eliminar os patógenos.

Em muitas situações, apesar de os animais serem constantemente expostos a microrganismos, um sistema imune competente mantém o hospedeiro livre de doenças. Os custos nutricionais da manutenção de um sistema imune competente têm sido uma área de extenso debate. Eu tendo para a hipótese de que os custos nutricionais de manutenção de um sistema imune competente são mínimos com relação aos custos de mantença e desempenho dos animais, baseado em dados que reportam que os tecidos imunes representam menos de 5% da massa corpórea total e de que a quantidade de energia utilizada pelos leucócitos não é excessivamente grande. Curiosamente, porém, os dados indicam que as altas demandas energéticas de vacas no periparto contribuem para a função suprimida dos neutrófilos durante esse período. Entretanto, não se sabe se essa função suprimida é um efeito direto da menor disponibilidade de nutrientes ou se ocorre por meio de um mecanismo indireto. Essa é uma área que justifica mais pesquisas.

 

Doença

As doenças infecciosas estão associadas com sintomas específicos como: dor, inchaço e febre. Uma infecção pode ser removida sem nenhum sinal clínico da doença se um número relativamente pequeno de microrganismos escapar das barreiras físicas do sistema imune. Entretanto, se um número maior de bactérias estiver presente ou se os patógenos se tornarem sistêmicos (alcançarem a circulação sanguínea), a produção de mediadores inflamatórios aumenta e tem-se uma doença clínica. Os mediadores inflamatórios, responsáveis pelo recrutamento e ativação do influxo de neutrófilos e outros compostos antimicrobianos, respondem pelos sinais clínicos locais e sistêmicos da doença infecciosa, influenciando também o desempenho e a saúde das vacas leiteiras (Tabela 1).

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Existem muitos mediadores inflamatórios que são secretados durante a doença clínica e pouco ainda se conhece sobre a influência precisa de cada um deles. Essa resposta fisiológica coordenada, conhecida como doença infecciosa, é como um tradeoff (expressão usada para uma situação de conflito de escolha) entre desempenho e sobrevivência. Durante a invasão do patógeno, a meta primária é eliminá-lo, sem comprometer a sobrevivência do hospedeiro. Por esse motivo, a vaca desvia nutrientes que deveriam ser usados para  a produção de leite e reprodução, para combater a infecção (Tabela 1). Ou seja, essa coordenação desencadeada pelos mediadores inflamatórios favorece a proteção imune em detrimento do desempenho, com efeitos locais e sistêmicos. 

 

Respostas locais versus sistêmicas

A glândula mamária é um modelo excelente para dividir os efeitos locais e sistêmicos de uma resposta inflamatória, porque os 4 quartos são independentes uns dos outros. Dessa forma, a glândula que está doente reflete os efeitos sistêmicos e locais da resposta inflamatória; enquanto que a(s) glândula(s) sem a doença exibe(m) apenas efeitos sistêmicos. Os efeitos sistêmicos e locais da resposta inflamatória estão mostradas na Tabela 2. De forma geral, a resposta sistêmica contribui para uma resposta inflamatória aguda; enquanto os efeitos locais persistem, mesmo depois de os sinais sistêmicos da doença terem desaparecido.

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Sistêmicas

A ingestão de matéria seca é consistentemente reduzida durante os desafios inflamatórios, mesmo em quadros suaves, como a vacinação. Em quadros de mastite clínica observa-se uma acentuada redução no consumo de alimentos, o que contribui para uma menor produção de leite. Com isso, tem-se um aparente paradoxo - a ingestão de matéria seca reduzida ao mesmo tempo que as demandas energéticas e de nutrientes do sistema imune aumentam. Uma hipótese para explicar essa ocorrência é que a menor ingestão de matéria seca ajuda a promover um estado catabólico (mobilização de reservas corporais) que, por si só, pode ser uma resposta imune efetiva. Outra hipótese, que não exclui necessariamente a primeira,  é que a menor ingestão de matéria seca permite que o animal seja mais seletivo em sua dieta, reduzindo, dessa forma, o risco de piorar a infecção. Independentemente do benefício ao hospedeiro, a menor ingestão de matéria seca é uma contribuição significativa para o menor desempenho e maior custo nutricional das doenças.

Em quadros febris, o uso da energia metabolizável (EM) reduz a quantidade de energia disponível para mantença e produção de leite. Se a vaca não mobiliza energia corporal para suprir essa maior demanda associada com a resposta febril, a energia disponível para a produção de leite será reduzida. Dados de mastite induzida por lipopolissacarídeo sugeriram que, durante a resposta inflamatória aguda, as vacas compensarão a menor disponibilidade de EM reduzindo a produção ao invés de comprometer ainda mais seu balanço de energia.

Como evidenciado na Tabela 1, geralmente, os mediadores inflamatórios induzem um estado catabólico no tecido adiposo e na musculatura esquelética, com um aumento concomitante na síntese de proteínas hepáticas e gliconeogênese (síntese de glicose).  Como discutiremos mais a frente, os leucócitos ativados requerem energia e nutrientes, e o corpo do animal repartirá esses nutrientes para os tecidos imunes. Durante o curso das doenças, os animais se tornam tipicamente resistentes à insulina, o que pode ser um mecanismo para garantir que a glicose permaneça disponível para os leucócitos, independente da ação da insulina. Com isso, reduz-se a quantidade de lactose disponível para a produção de leite. Em resposta a um desafio de mastite causada por lipopolissacarídeo, a secreção de lactose foi reduzida tanto nos quartos com doença quanto naqueles saudáveis.

A maior síntese de proteínas hepáticas está associada aos quadros de ativação do sistema imune. Durante a doença, os hepatócitos aumentam a secreção de proteínas de fase aguda, que têm um papel importante na defesa e recuperação do hospedeiro. Grande parte dos aminoácidos requeridos para a síntese das proteínas de fase aguda é fornecida a partir da mobilização de aminoácidos da musculatura esquelética. Roedores de laboratório com infecção têm aproximadamente 40% de aumento na degradação das proteínas musculares. Nem todos os aminoácidos dos músculos esqueléticos serão usados para a síntese de proteínas de fase aguda. Alguns serão desaminados e seus esqueletos de carbono serão usados como substratos para a síntese de glicose. Trabalhos de pesquisa reportaram redução na produção de proteína do leite em vacas com mastite induzida, tanto em quartos infectados quanto nos sadios. Ou seja, durante a resposta aguda à mastite, a redução dos aminoácidos disponíveis, por meio da redistribuição dos nutrientes, contribui para uma menor produção de proteína do leite.

 

Local

A produção local de mediadores inflamatórios aumenta a permeabilidade vascular, com a meta de incrementar o recrutamento de leucócitos e outros compostos antimicrobianos para o local da infecção. Trata-se de uma quebra da barreira sangue-leite, que é evidenciada pelo aumento das concentrações de albumina sérica no leite, que não é sintetizada por uma glândula mamária saudável. A maior permeabilidade vascular reduz a concentração de componentes do leite, porque esses podem passar para o sangue, o que é evidenciado pela maior excreção de lactose urinária durante quadros de mastite.

Como discutido anteriormente, os leucócitos ativados requerem energia e nutrientes para oxidação e reações biossintéticas, que é suprida por meio da redistribuição de nutrientes do organismo. Utilizando dados de contagem de células somáticas de vacas com mastite, estimamos que 19,9 a 43,2g de glicose são requeridas por dia para impulsionar a atividade das células somáticas no leite.  Essa quantidade é baixa quando comparada com a redução de 275g de glicose sintetizada pela glândula mamária com mastite.

Além da glicose, os leucócitos ativados e as células próximas a eles geram uma elevada demanda de antioxidantes. Essa resposta ocorre devido à grande quantidade de espécies reativas de oxigênio produzidas pelos neutrófilos durante a explosão oxidativa, que é um importante mecanismo bactericida. O estado redox de um animal é o balanço entre o potencial antioxidante e a quantidade de espécies reativas de oxigênio presentes. Dessa forma, uma grande produção de espécies reativas de oxigênio durante a doença pode esgotar os antioxidantes e mudar o balanço redox em favor de um estado de estresse oxidativo. Muitos nutrientes são, por si só, antioxidantes (α-tocoferol, ácido ascórbico e retinol) ou componentes de sistemas antioxidantes (selênio, cobre, zinco e manganês). Entretanto, não se sabe exatamente quanto a mais de cada um desses nutrientes é utilizado durante a mastite, e essa informação é importante para determinar as recomendações nutricionais no decorrer do quadro clínico e na recuperação da doença. Essa é uma área que justifica mais pesquisas, à medida que um período prolongado de estresse oxidativo pode contribuir para estados crônicos da doença, uma vez que concentrações reduzidas de antioxidantes estão associadas com competência imunológica comprometida.

A inflamação causa danos locais aos tecidos do hospedeiro, e a população de neutrófilos recrutada é responsável por grande parte desses danos. Como dito no parágrafo anterior, os neutrófilos produzem uma grande quantidade de espécies reativas de oxigênio durante a explosão oxidativa. Além disso, contêm lisossomos que produzem muitas enzimas de degradação que danificam o tecido mamário. Dados de pesquisa indicam que a infusão de 100 µg de um mediador inflamatório (fator-α de necrose tumoral recombinante bovino) na glândula mamária reduziu a síntese de importantes proteínas do leite - caseína, α-lactalbumina e β-lactoglobulina. Mas ainda precisa ser determinado se a  produção local de mediadores inflamatórios age diretamente na redução da síntese de componentes do leite ou se o efeito é principalmente direcionado pelos danos nos tecidos.

A mastite é metabolicamente cara e somente com um melhor entendimento dos efeitos locais e sistêmicos da resposta inflamatória será possível desenvolver estratégias de manejo que possam limitar os efeitos adversos na produção de leite e na capacidade de sobrevivência de vacas no periparto.

 

Estratégias para atenuar os custos metabólicos da mastite

Mediadores inflamatórios são importantes no recrutamento e na ativação das defesas imunes contra microrganismos invasores, mas também estão envolvidos na redução da produção de leite e na saúde de vacas com mastite. As estratégias potenciais para limitar os efeitos adversos da mastite, obviamente, incluem redução da incidência da doença por meio de estratégias de manejo que limitem o número de microrganismos e/ou melhorem a resposta imune. Abordagens adicionais incluem a redução da resposta inflamatória e aumento da capacidade de recuperação do epitélio mamário.

A imunização contra cepas de bactérias gram-negativas tem se tornado uma prática comum de manejo durante o período seco nas últimas duas décadas. A J5 mutante de Escherichia coli tem sido usada como vacina em vacas secas, desenvolvendo imunidade adaptativa capaz de reduzir em até cinco vezes a probabilidade de desenvolvimento de mastite clínica. Dados de um trabalho mostram uma redução de 66,7 para 20% no número de casos clínicos de mastite em vacas vacinadas com J5.

Estratégias farmacológicas para atenuar a resposta inflamatória em quadros de mastite incluem a utilização de Polimixina B, um antibiótico bactericida que neutraliza o lipopolissacarídeo associado aos quadros de mastite, atrasando e reduzindo a magnitude da resposta inflamatória. Outros estudos focaram a utilização de drogas capazes de reduzir a produção de mediadores inflamatórios em quadros de mastite. Drogas anti-inflamatórias não esteróides tiveram efeitos positivos na limitação dos sintomas clínicos, mas não reduziram os impactos negativos na produção de leite.

Além das estratégias farmacológicas, dados de pesquisa mostram que a suplementação com ácidos graxos ômega-3 de óleo de peixe tem o potencial de reduzir a produção de mediadores inflamatórios. Entretanto, mais pesquisas são necessárias para determinar a dose a ser administrada, utilizando suplementos ruminais de óleo de peixe protegido e desafios com patógenos vivos, antes que se possa tirar conclusões definitivas sobre o papel dos ácidos graxos ômega-3 na limitação da resposta inflamatória.

A administração de somatotropina bovina recombinante (rBST) tem ações positivas nas células epiteliais mamárias, podendo reduzir os efeitos negativos da mastite sobre a produção de leite. Vacas profilaticamente tratadas com rBST tiveram a doença clínica atenuada e melhoraram o desempenho lactacional quando desafiadas com Streptococcusuberis ou E. coli. As melhoras na patogênese da doença podem ser causadas por um aumento na competência imunológica, por ações na síntese do leite (galactopoiéticas) ou ambas. Pesquisadores observaram um recrutamento mais rápido de neutrófilos quando as vacas foram tratadas com rBST. Além do tratamento profilático, um grupo de pesquisadores tratou vacas com rBST somente após os sinais clínicos da doença terem sido observados. Nesse caso, houve um pequeno aumento, de 5%, na recuperação da produção de leite na glândula com mastite. Entretanto, a normalização da composição do leite dos quartos doentes entre as vacas com respostas severas foi mais rápida quando utilizou-se o rBST, o que sugeriu que a integridade da barreira sangue-leite foi restaurada mais rapidamente.

 

Implicações e futuras pesquisas

A mastite continua afetando vacas leiteiras no periparto, reduzindo severamente a lucratividade do sistema de produção. A resposta inflamatória, embora seja essencial, é responsável por grande parte da redução no desempenho e capacidade de sobrevivência da vaca. Os custos metabólicos de manutenção de um sistema imune competente não são excessivamente grandes quando comparados com as exigências de mantença e produção. Entretanto, a doença é metabolicamente e nutricionalmente custosa. A resposta inflamatória durante a mastite tem efeitos sistêmicos e locais que contribuem para a redução no desempenho e saúde.

Um melhor entendimento das contribuições dos efeitos sistêmicos e locais para o menor desempenho geral e quais mediadores inflamatórios estão envolvidos ajudará no desenvolvimento de novos tratamentos profiláticos e terapêuticos.

Pesquisas futuras também devem avaliar as demandas nutricionais das vacas durante e após a mastite clínica já que as mesmas, provavelmente, influenciam na patogênese da doença.

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