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Gestão

Sucessão na pecuária leiteira

Sucessão na pecuária leiteira

Texto: Francisco Vila

Ilustrações: Flávia Tonelli

A reflexão sobre sucessão é um exercício de múltiplas dimensões. Devemos, ao mesmo tempo, olhar para o passado e antecipar o futuro, avaliar o setor como um todo e contabilizar o empenho específico da nossa propriedade, pensar na racionalidade do negócio e respeitar os laços emotivos da família e, last but not least, imaginar como os conhecimentos da produção leiteira moderna podem ser pacificamente integrados à experiência do atual responsável pela condução da empresa familiar. Ou seja, há muito que observar, avaliar e decidir.

A sucessão deveria ser o assunto mais normal na vida das pessoas, pois ocorre a milhares de anos, em todos os países, setores e famílias. Contudo, existem diferenças notáveis entre épocas históricas, culturas e tipos de atividade.

Ao contrário dos assuntos que precisamos resolver no dia a dia, a sucessão não é uma tarefa urgente. Esse é o principal motivo pelo qual protelamos constantemente essa questão. Outra razão é a forte carga emocional que envolve o tema. Imediatamente surgem imagens tristes ou assustadoras. Infelizmente, a sucessão familiar é confundida com o incidente que engatilha a herança. Nada mais equivocado.

A sucessão trata da construção do processo de continuidade de uma atividade que sustenta a família e cria valor. Valor esse que deverá ser compartilhado com futuras gerações. Ou seja, diferentemente da herança, que representa uma mudança no perfil da atividade e a transferência de bens tangíveis, a sucessão assegura a perpetuação de um negócio, em princípio, que não tem fim. A pecuária leiteira é mais do que a soma dos ativos terra, equipamentos e animais. É o legado de uma arte de criar e produzir leite com elementos vivos como vegetação, animais e clima. Nomeadamente, numa sociedade de conhecimento e mercados cada vez mais sofisticados, o domínio de tecnologia e práticas de gestão passa a ter mais valor do que as estruturas físicas.

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Desenhar um mapa antes da viagem

Naturalmente, a modelagem da sucessão depende de ‘quem’ e de ‘o que’ deve ser sucedido. Isto nos remete à necessidade de inicialmente determinar o perfil da situação específica do leitor, procedendo com a seguinte caracterização:

 

• Quem sou eu?

Faz toda a diferença para o processo se eu sou o fundador, com 80 anos, empenhado em assegurar o legado familiar, o pai (ou a mãe) de 3 filhos em idades entre 15 e 25 anos, ou se eu sou um futuro herdeiro recém-formado por uma escola técnica ou em um curso superior da especialidade. Em cada caso, o ‘timing’ do processo terá que ser diferente, bem como o ângulo de contemplação e as medidas a serem tomadas.

Para a construção do nosso modelo, imaginamos que o leitor tenha 50 anos, habita na fazenda e trabalha, juntamente com a esposa (ou vice-versa), exclusivamente na atividade leiteira.

 

• Quem está ao meu redor?

Provavelmente, recebemos a propriedade dos pais ou sogros. Se esses estiverem vivos, coloca-se a questão do sustento e da quitação de eventuais despesas médicas. Para facilitar o raciocínio, admitimos que sejamos proprietários únicos da fazenda, não haja familiares da geração anterior para cuidar, nem irmãos ou cunhados, e que nossos 2 filhos (menino em idade escolar e filha no último ano de um curso de enfermagem) ainda não mostraram sinais claros se pretendem, ou não, um dia assumir o negócio familiar. Suponhamos, ainda, que a esposa trabalhe em tempo integral e que temos um ajudante para cuidar, principalmente, do pasto.

 

• Quais são a dimensão e o perfil da minha produção leiteira?

A nossa margem de manobra, além da nossa capacidade profissional, depende em larga escala do tamanho da operação. Com pouco pasto, temos poucos animais, que geram pouco faturamento, o que nos deixa com pouco lucro. Mais adiante observamos que na estrutura do setor predominam as fazendas leiteiras de subsistência.

Em nosso caso, temos 50 hectares com 80 vacas em sistema semi-intensivo com produção de 500 l/dia. O valor da terra na região é de 5.000 R$/hectare.

Com um preço médio de 0,80 R$/litro de leite e uma produção anual de 180.000 litros, atingimos um faturamento global de aproximadamente 150.000 R$/ano, auferindo R$ 15.000 de lucro líquido depois da retirada do pró-labore dos 2 familiares ativos. Ou seja, temos, em princípio, esse valor para investir em melhorias e ampliação do negócio.

Esse é o chamado diagnóstico estático. Sabemos quem somos, quem nos acompanha e qual a plataforma física e tecnológica do nosso negócio. O próximo passo é saber duas coisas. O que nós queremos e, talvez mais importante, o que os outros querem. Os outros são a parceira que trabalha conosco diariamente e, nomeadamente, os filhos.

 

Avaliar opções

A primeira avaliação é relativamente simples. Não podemos, nem queremos, fugir daquilo que fazemos dia após dia com muito suor e algumas alegrias. Se quisermos realmente mudar para outra atividade colocam-se duas questões. O que podemos e sabemos fazer e o que faríamos com a nossa propriedade? Sempre se fala que a terra valorizou muito, mas temos que nos informar na vizinhança quantas propriedades (de nosso tamanho) foram realmente vendidas e por quanto. Outra hipótese é arrendar a fazenda e continuar vivendo na sede. A terceira opção seria continuar com a produção de leite, mas dedicar parte da terra para outra exploração (própria ou arrendada). Dependendo da região, poderíamos pensar em cana, forrageira para comercialização ou silvicultura, que podem ser um bons investimento para assegurar a aposentadoria.

No entanto, pensando sobre todas essas opções, o que já fizemos diversas vezes em momentos mais melancólicos, voltamos à realidade e continuamos naquilo que sempre trabalhamos.

Para os nossos filhos, no entanto, a situação é bem diferente. Para eles, a vida de produtor de leite é uma opção que eles teriam que tomar proativamente. E vamos analisar o que pode passar pela cabeça (e pelos corações) desses jovens da chamada ‘geração Y’. Enquanto nós fomos criados numa cultura tradicional bem definida e com menos opções profissionais, além de pouca mobilidade, os jovens de hoje podem, em teoria, ‘conquistar o mundo’. Com a proliferação rápida de excelentes cursos à distância, podem até obter certificados técnicos e acadêmicos estudando em casa, mesmo em lugares remotos do País. E quem possui um diploma, pode escolher o que e onde quer trabalhar numa economia que está começando a sentir um ‘apagão’ de mão de obra qualificada.

Ou seja, enquanto para nós tem sido absolutamente lógico e normal ter assumido a fazenda, os filhos precisam passar por um processo de abdicação de outras opções tentadoras para realmente afirmar que eles gostam e querem perpetuar a atividade rural da família.

 

Definir valores e identificar vocações

O que pesa nesse processo de decisão? São valores materiais (potencial de renda e estabilidade de emprego), de conveniência (fins de semanas livres e férias), ideais (liberdade e capacidade de realização) e fundamentais (se será possível atrair uma futura esposa/esposo para a vida rural).

Antes de imaginar o que possivelmente esses nossos 2 filhos possam pensar ou sentir sobre cada um desses valores, vamos fazer um exercício prático. O que nós, conhecendo bem a realidade rural com todas as suas vantagens e desvantagens, faríamos se estivéssemos no lugar dos nossos filhos?

Bem, cientes do resultado da nossa reflexão e admitindo que existam boas perspectivas para uma vida bem sucedida no campo (com realização profissional e com remuneração digna para o intenso volume de trabalho que a produção de leite demanda), como identificaremos as reais vocações dos nossos filhos e como iniciaremos o processo de trazê-los para dentro do negócio familiar?

Antes disso, convém lembrar alguns aspectos da realidade do setor. Em recente pesquisa, 37% dos produtores de leite do Rio Grande do Sul afirmaram não ter sucessor. Isso não quer dizer que eles não tenham filhos. Se admitirmos uma margem de erro normal nesses levantamentos onde, muitas vezes, a vontade supera a avaliação crítica, podemos constatar que quase a metade das fazendas do setor enfrenta dificuldades de assegurar a continuação do negócio na família. Esse panorama, por um lado, paralisa o dinamismo no processo de modernização (‘para que’ ou ‘para quem’) mas, por outro, oferece a possibilidade para a outra metade do universo de arrendar terras para a ampliação de suas atividades. Temos, agora, que ponderar com muito critério em qual campo estamos jogando.

O argumento de que a nova classe média brasileira dispõe de uma renda mensal entre 500 e 1.000 R$ (soma de salário dividido pelo número de familiares) não assusta os jovens, pois a produção de leite se faz em cima de terra. Em nosso caso, com 50 hectares e um preço de 5.000 R$/ha existe um patrimônio familiar no valor de 250.000 R$, ou seja, o equivalente a um apartamento urbano que poderia ser alugado, produzindo renda sem trabalhar. Além disso, o jovem poderia exercer uma profissão conforme sua vocação e ganhar um bom salário sem a necessidade de levantar cedo 365 dias por ano e enfrentar sol, chuva, calor ou frio.

A dinâmica do setor se desenvolverá como resultado da atual estrutura imensamente pulverizada. Números do IBGE indicam que apenas 30.000 fazendas especializadas (2,3%) produzem 44% do volume total de leite no País. Como ocorreu na citricultura que, nos últimos 10 anos perdeu 8.000 dos seus 20.000 produtores, é de se esperar que o êxodo rural continue, nomeadamente alimentado pela desistência de filhos de fazendeiros de porte médio sem tecnificação. Essa tendência abre espaço para os empreendedores rurais mais competentes.

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O que dizer aos filhos?

Não se trata aqui de desanimar o produtor. Estamos apenas relatando o que ‘rola’ nas conversas de muitos filhos de agricultores. E o caso de nosso exemplo de 500 l/dia já representa a faixa superior das cerca de 35.000 fazendas que produzem entre 200 e 500 litros/dia. Os outros mais de 1 milhão de propriedades apresentam números menos favoráveis.

Agora passemos para o lado positivo da questão. Nos anos 70, cerca de 45% da população brasileira vivia no campo. Hoje são apenas15%. Esse número menor precisa atender a uma demanda mundial de alimentos cada vez maior. Ou seja, é bem provável que crescerá a geração de valor no campo. Seja por meio de maior volume de produção, do aumento real dos preços pagos ao produtor ou de economias de escala trabalhando as terras a serem liberadas pelos produtores que desistirão da atividade. Provavelmente, teremos uma combinação de todos esses fatores positivos para o empresário rural.

Com um volume de faturamento um pouco maior, podemos até enfrentar o argumento freqüente de que na fazenda trabalha-se muito e sem horário fixo. Existem várias outras profissões nas quais os serviços funcionam 24 horas por dia, o ano inteiro. A nossa filha, futura enfermeira, já deve saber disso muito bem, em função dos estágios noturnos no hospital. Porém, nesses serviços existem turnos com revezamento do pessoal. Mas, nada impede que façamos o mesmo no campo. Desde que a dimensão da produção permita, podemos operar perfeitamente em 2 turnos, com finais de semana alternados. Fora do Brasil isso já é feito há bastante tempo.

Chegamos à definição da nossa estratégia de sucessão. Existe, sim, uma perspectiva positiva para a atividade! O mundo sempre precisará de leite e, com a desistência dos menos preparados, essa profissão ganhará maior reconhecimento e maior renda. Soma-se a isso a liberdade, ou seja, o fato de não depender de ordens superiores de ninguém, e a ausência de monotonia dos processos de trabalho nas fábricas ou nos escritórios. Temos bons argumentos para embarcar num diálogo espiral que tem por objetivo informar e atrair um dos filhos para a continuação do negócio familiar.

Essa abordagem tem que ser paciente e sistemática. Não podemos, nem devemos, tentar resolver tudo numa conversa de final de semana. Afinal, uma vida inteira (do jovem) está em jogo e as incertezas são muitas. Antes de tudo devemos assumir uma postura positiva e ponderar melhor as críticas que costumamos fazer na mesa do jantar, descarregando nossa frustração sobre o setor, os preços e o trabalho duro. Também nas fábricas se trabalha bastante!

Em um segundo momento, devemos olhar de uma maneira mais distanciada e quase profissional para nossos filhos. Eles já mostraram alguma vocação profissional? Eles se interessam por máquinas? Ótimo, pois no futuro são os equipamentos como tratores, ordenha mecânica, computadores, etc, que farão parte das tarefas agora ainda manuais. O filho mostra o que se chama de inteligência social, ou seja, ele se comunica bem, sabe convencer? Aí talvez seja melhor deixar ele trilhar por outros campos. A filha gosta de ler, tem grande afinidade por crianças, não gosta muito lidar com os animais ou cansa rápido ao executar pequenas tarefas físicas? Melhor não insistir na permanência em uma profissão que requer boa disposição corporal e vocação para viver na natureza.

Com essas reflexões práticas e filosóficas estaremos preparados para elaborar um diagnóstico no qual apontamos os principais detalhes que caracterizam nosso negócio e o perfil dos familiares. Sem esse diagnóstico não se pode fazer um bom planejamento, e sem saber para onde se quer e pode ir será difícil desenvolver um diálogo construtivo com os filhos sobre essa matéria tão complexa, complicada e emocional.

 

O que e como fazer?

Seguem alguns aspectos que devem ser considerados ao iniciar o planejamento sucessório na produção agropecuária. O melhor é começar a pesquisar regularmente matérias sobre a sucessão familiar na internet. É fácil encontrar questionários e fichas de auto-avaliação que facilitam a elaboração de um primeiro diagnóstico da situação. O importante é começar já!

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